O Esquadrão Suicida – Saltando os buracos de um caminho já trilhado

Tentativas de reparação não são nada incomuns no mundo da Cultura Pop. Quantas vezes não vimos séries que “rebootam” personagens, ou quadrinhos que dão um jeito de reiniciar seus universos. No cinema, nem se fala. Franquias que recomeçam várias vezes para contar de formas diferentes a mesma história, com algumas alterações, seja pra renovar o plot dentro de um novo contexto, seja para reparar algo que não agradou ao público daquela forma que havia sido feito. Quando o objetivo é este último, é comum tentar descobrir onde a versão anterior errou para que deva ser concertado nesta nova, mas nem sempre isso é uma tarefa simples. Primeiro porque o público de produções de cultura pop apenas parecem não ter muito critério, mas estamos cada vez mais exigentes. O fato de acompanharmos tanto a produção de um filme muitas vezes faz com que a desaprovação venha antes mesmo do lançamento deste, algo que também é fruto da absurda agilidade com que estamos cada vez mais nos acostumando. Depois temos o fator concorrência, que se falando de cultura pop e mais especificamente no gênero Super-Heróis, está cada ano mais acirrada, e sabemos o quanto a Warner/DC tem tentado correr atrás desse prejuízo no cinema.

Dito isto, a nova versão em longa metragem do famigerado grupo de bandidos e vilões que são obrigados a realizar tarefas que ninguém mais deseja, inevitavelmente alimentava uma certa expectativa. E não posso afirmar se o sucesso (se posso dizer assim) de Aves de Rapina (2020) serviu para aumentar essa expectativa no sentido de que a DC estava conseguindo comprar seu perdão dos fãs com o filme da equipe feminina ou no sentido de tensionar ainda mais a corda da pressão em cima do novo filme. O fato é que a escolha de um novo diretor e roteirista era inevitável, e ela foi bastante prudente ao elencar James Gunn para a tarefa. Gunn foi mais um diretor trazido da concorrente Marvel (o outro foi Joss Whedon, que substituiu Snyder quando este precisou deixar as gravações de Liga da Justiça), onde comandou a direção e o roteiro de um longa sobre um grupo improvável de desajustados, regado a muito humor e ação. Parece até que não poderia haver ninguém melhor para levar à frente o novo projeto do Esquadrão.

O próximo passo seria dar mais liberdade para que o diretor/roteirista trabalhasse sua própria história sem grandes interferências do estúdio, algo a que David Ayer, diretor/roteirista do filme anterior, foi privado. Gunn decidiu fazer do filme um reboot/continuação, preservando alguns dos personagens que pareciam ter funcionado bem no anterior, como Amanda Waller (Viola Davis), Harley Quinn (Margot Robbie) e Rick Flag (Joel Kinnaman), e introduzindo alguns outros novos para substituir os que não agradaram tanto. A escolha desses últimos poderia fazer a diferença, tanto se falando dos personagens como de seus interpretes, são eles: Sanguinário (Idris Elba), Pacificador (John Cena), Caça-Ratos 2 (Daniela Melchior), Bolinha (David Dastmalchian) e o Tubarão Rei (voz de Sylvester Stallone), além das participações de Michael Rooker como Sábio e Sean Gunn como Doninha, ambos já acostumados a trabalhar com o diretor.

Bom, o cenário parecia positivo. O filme começa como o esperado, com Waller recrutando os novos membros da próxima missão (suicida) da Força Tarefa X. São alguns personagens divertidos, mas quase todos completamente esquecíveis. E, se acompanhamos minimamente o marketing do filme, sabemos que a maioria ali não vai durar muito. Depois temos um novo grupo (os quais reconhecemos da divulgação, ou a maior parte deles, pelo menos). A missão? Destruir uma construção no meio de uma ilha na costa da América do Sul chamada Corto Maltese. E é isto. Sem rodeios, sem firula, o que poderia ser algo até positivo. É palpável desde o início do longa que o que eu chamo de roteiro macro do filme, ou seja, o enredo como um todo, não é uma grande preocupação para James Gunn. O plot de um golpe militar em um pequeno país da América Latina, com direito a rebeldes guerrilheiros e um ditador bigodudo não é lá muito criativo. O que parece interessar mais ao roteirista aqui parece ser o roteiro micro, as cenas e como cada uma mantém o tom de humor e de ação sem nunca deixar a peteca cair, independente da história geral.

E por mais que esta possa ser uma escolha acertada do diretor, não posso afirmar que seja uma escolha nova. Não creio que o que foi feito nesta nova versão seja assim tão distante do que Ayer havia feito em 2016. Me parece muito mais ser o mesmo caminho, só que saltando alguns dos buracos que vão aparecendo, ao invés de cair dentro deles como o filme anterior. Uma tentativa forçada de unir o grupo nunca funciona como nos filmes que o diretor fez para a Marvel, e nem acho que seria necessário, já que estamos falando de um bando de foras-da-lei sanguinários sem nenhum escrúpulo. E nem mesmo apresentar o passado de alguns dos membros do grupo consegue nos comover e acreditar em sua redenção (e aqui foi impossível não comparar com o belo trabalho feito neste sentido em Aves de Rapina). Pelo contrário, os membros da missão tem pouca ou nenhuma química, e enquanto alguns funcionam até bem individualmente como maravilhosa Arlequina, com Robbie completamente à vontade no papel, ou o carismático Tubarão-Rei, outros são nada menos que descartáveis, como o Bolinha, que sustenta uma mesma piada durante o filme inteiro.

Mesmo quase escorregando na beirada de alguns dos buracos no caminho O Esquadrão Suicida (The Suicide Squad, 2021) de James Gunn traz o que o diretor sabe fazer de melhor, divertir. O filme é tão divertido ao ponto de camuflar os vários furos e deslizes do roteiro, e nem mesmo um terceiro (ou seria quarto?) ato completamente fora de controle abala tanto esse disfarce. E com isso Gunn consegue diferir sua versão um pouco mais da anterior além de um artigo no título.


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