Apesar de toda tecnologia que é base dos streamings – principalmente da Netflix, com seus algoritmos que buscam antecipar o que o espectador quer ver –, uma das maiores vantagens dessas plataformas está ligada a algo que deriva das antigas videolocadoras: a descoberta de filmes pequenos, que geralmente não pertencem aos grandes estúdios e, por isso, podem estar fora do radar do público em geral. São obras produzidas de forma modesta, mas que nem por isso são desprovidas de qualidades. Para quem frequentava assiduamente as já extintas videolocadoras, era comum encontrar filmes assim, que normalmente chamavam atenção em períodos nos quais os grandes lançamentos estavam todos alugados ou mesmo eram escassos. Atualmente, os streamings ajudam a manter esse tipo de filmes vivo, mas com algo que faz toda diferença: agora o espectador tem noção de que filmes assim podem vir de qualquer parte do mundo, o que trouxe a consciência de que o cinema é muito mais global, e nunca esteve restrito às produções de língua inglesa.
Isso nos traz à Céu Vermelho-Sangue (Blood Red Sky, 2021), novo lançamento de terror da Netflix, que vem apostando bastante nesse gênero nos últimos tempos. Diferentemente da badalada trilogia Rua do Medo (Fear Street, 2021), Céu Vermelho-Sangue se insere em outra vertente de filmes lançados pela plataforma, que inclui obras como o super sucesso O Poço (El Hoyo, 2019), O Que Ficou para Trás (His House, 2020) e Um Clássico Filme de Terror (A Classic Horror Story, 2021), entre outras. São filmes que poderiam passar despercebidos caso não fossem impulsionados pelo poder do streaming, já que são, em sua maioria, produtos de países de língua não-inglesa e com elenco desconhecido.
Céu Vermelho-Sangue apresenta a história de Nadja (Peri Baumeister) que, ao lado do filho Elias (Carl Anton Koch), ao embarcar em um voo da Alemanha rumo à Nova York, vê-se em meio ao sequestro do avião por terroristas e é obrigada a revelar-se como vampira, condição que ela esconde há anos e o motivo que a levou a viajar. Através da sinopse, e no decorrer do filme, podemos perceber que essa não é exatamente uma ideia inovadora, visto que Céu Vermelho-Sangue faz uma mistura de obras como 30 Dias de Noite (30 Days of Night, 2007) e a série The Strain (2014-2017, FX), no retrato animalesco que faz dos vampiros; e Voo Noturno (Red Eye, 2005) e Plano de Voo (Flightplan, 2005) na forma como transforma o espaço de um avião num ambiente de luta pela sobrevivência. Isso, porém, não chega a ser um problema, já que o filme trabalha muito bem esses elementos, com um eficiente equilíbrio entre o suspense e o gore.
Apesar das qualidades que demonstra, é necessário deixar claro que Céu Vermelho-Sangue é um filme de clima. Ou seja, tudo nele busca valorizar as sensações que pretende provocar no espectador, acima da construção dos personagens ou mesmo de uma narrativa mais elaborada. Por isso, a trama é simples, ainda que eficiente, e os personagens, mesmo aqueles que possuem mais tempo de tela, como a própria Nadja ou Farid (Kais Setti), um passageiro que fica do seu lado no decorrer do filme, são pouco ou nada aprofundados, servindo mais como elementos que impulsionam a narrativa com suas ações que como pessoas de fato. No caso de Nadja, há ainda uma série de flashbacks que poderiam deixá-la mais complexa, mas que na verdade apenas servem para explicar de onde surgiu sua condição e também para deixar explícita a principal característica que a define: ser mãe. O filme martela insistentemente o fato dela querer, acima de tudo, proteger o filho, o que poderia ser irritante se não fosse o ótimo trabalho de Peri Baumeister, que consegue tanto transmitir a força do amor que sente por Elias e a determinação em mantê-lo a salvo, como também convence muito bem nas cenas físicas, que não são poucas. Se buscarmos ver um tema que atravesse todo o filme, seria essa questão do amor materno. No entanto, isso é feito de forma relativamente superficial, mas que, apesar disso, não chega a incomodar quem se propuser a aceitar que isso é mais uma motivação de roteiro, necessária para que a protagonista não surja avulsa e sem propósito.
Além disso, outro fator que contribui para a eficiência da obra é a direção segura e cheia de energia de Peter Thorwarth, que utiliza muito bem o espaço reduzido de um avião de forma dinâmica, sem que o público perca a noção do que está acontecendo e de onde está cada personagem. É também a direção que, ciente de que dar profundidade aos personagens não é o foco do filme, limita-se a fornecer o mínimo de informações necessárias para que possamos acompanhar o desenrolar da narrativa. Se isso pode soar como um defeito do filme, na verdade serve bem à proposta que já mencionei de ser um filme de atmosfera.
Assim, não espere por uma obra inigualável ou um novo clássico do gênero. Não é, nem de longe, um filme perfeito, mas cumpre muito bem aquilo que propõe e não almeja ser mais que isso: um ótimo entretenimento.
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Cineasta e roteirista, formado em Letras e graduando em Cinema, respira literatura, filmes e séries desde que se entende por gente. É viciado em sci-fi e terror, e ama Stephen King, Spielberg e Wes Craven. Tem mais livros em casa, e séries e filmes no computador de que seria humanamente possível ler e assistir, mas não vai desistir de tentar. Não consegue lembrar o que comeu ontem, mas sabe decorado os vencedores do Oscar de melhor atriz do últimos trinta anos (entre outras informações culturais inúteis).