Rua do Medo: 1994 – Parte 1 – O início do evento de terror da Netflix

Começou o film trilogy event da Netflix, nossa querida locadora vermelha. Uma ideia que só funciona para o streaming, lançar uma trilogia de filmes nas sextas-feiras de um único mês, o primeiro em 1994, o segundo em 1978 e o terceiro em 1666, bebendo é claro, de algo que a empresa vem sabendo utilizar muito bem: a nostalgia.

A ideia provavelmente vem da briga que os streamings parecem estar travando no mês de julho, um mês de férias, um mês de pessoas em casa, nada mais lógico do que querer conquistar a audiência, e lançamentos semanais são bons para segurar uma assinatura (Disney+ entendeu bem isso), engajar os usuários e manter o tema em alta na internet.

A Netflix já vem tentando novos formatos e ideias para usar com sua plataforma sem sacrificar a qualidade das produções, mantendo a satisfação rápida e a maratona, já que quem quiser pode assistir aos três filmes juntos quando forem lançados, mesmo que não seja a mesma experiência. Para mim é inegável que por isso e outros motivos ela segue estando um pouco acima de suas concorrentes. Vale ainda ressaltar que a trilogia originalmente seria lançada nos cinemas de modo convencional, mas por conta de problemas, acabou sendo adotada pela empresa.

Inspirado nas histórias de R.L. Stine, Rua do Medo: 1994 – Parte 1 (Fear Street Part 1 – 1994, 2021) conta a história dos moradores da pequena cidade de Shadyside, conhecida como a capital do assassinato dos Estados Unidos por ser marcada de tempos em tempos por grandes assassinatos. Em comparação, sua cidade vizinha, Sunnyvale é tida como uma das mais seguras e melhores cidades para se viver no país. Há quem atribua a desgraça de Shadyside a Sarah Fier (Elizabeth Scopel), uma bruxa que teria sido morta na cidade em 1666 e amaldiçoado o lugar desde então.

Já na sequência inicial onde a primeira personagem a quem somos apresentades deixa claro para a audiência que não há espaço para quem se acha superior intelectualmente e não vê valor em filmes que visam mais o entretenimento e em seguida temos uma cena que não só homenageia como recria a cena inicial de Pânico (Scream, 1996) onde Casey, eternizada por Drew Barrymore, é assassinada por Ghostface, a intenção da obra fica clara.

Então, agora sou eu quem aviso que se você estiver procurando por um filme que traga algo novo e surpreendente, é melhor procurar em outro lugar. Rua do Medo: 1994 é, assim como seus trailers já apontavam, uma grande homenagem a filmes de terror clássicos e de slasher, e se permite ser um filme de do subgênero com tudo que o este tem de melhor: assassinos incansáveis, adolescentes burros, sangue jorrando, planos estrambólicos e, claro, intervalos para alívio cômico e alguma pegação, sem deixar a modernidade de lado, afinal as personagens estão nos anos 90, mas nós não.

A produção provavelmente mirou no nicho nostálgico, mas acertou em cheio nos fãs de terror/horror, se você não gosta desse tipo de obra, dificilmente vai gostar de Rua do Medo.

O filme é dirigido por Leigh Janiak, diretora de Honeymoon (2014) e de um episódio de Pânico: A Série (Scream: The TV Series, 2015 – 2019), e roteirizado por ela acompanhada de Kyle Killen, de Rota de Colisão (Scenic Route, 2013) e Phil Graziadei, que trabalhou com Janiak em Honeymoon. A fotografia ficou com Caleb Haymann, que já trabalhou em episódios de Stranger Things (2016 -) e a música com Marco Beltrami, Anna Drubich e Marcus Trumpp,os três já tendo trabalhado em produções como Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018) ou Histórias Assustadoras para Contar no Escuro (Scary Stories to Tell in the Dark, 2019).

A direção é eficiente e consegue dar bem o tom que cada cena precisa, seja ela mais emocional, mais tensa ou mais aventuresca. Fotografia e música combinam bem e dão toda a atmosfera do filme, que conta também com ótimos cenários, muito bem iluminados, que fazem a noite trazer desconforto, mesmo que nada de mais esteja acontecendo.

O gore do filme é pontual, para momentos mais específicos, e chega ao seu ápice no terceiro ato, mas nesses momentos não economiza no sangue e na violência. Talvez nesse ponto apenas os efeitos visuais deixem um pouco a desejar, mas isso é um pouco contornado com a iluminação.

Todo o elenco se sai muito bem em seus papéis, mas nada estupendo. Alguns rostos são mais conhecidos do público como Kiana Madeira, Benjamin Flores Jr. e Maya Hawke, todos tem seu carisma, mesmo que os coadjuvantes não sejam tão explorados assim. A dublagem, como se trata de um grande evento, investe em grandes nomes e dirigides pela já experiente Eleonora Prado, entregam um bom trabalho.

Na história, vamos acompanhar um grupo de adolescentes de Shadyside, que passa a ser perseguido por diversos assassinos que deveriam estar mortos.

Pessoalmente não li os livros de R.L. Stine, então não posso opinar sobre adaptação destes, mas a mitologia da cidade parece ser bem completa. Ao assistir o filme é evidente que ele é parte de uma história maior, existem momentos inclusive feitos exatamente para sabermos disso. A obra planta bem o mistério e as ideias que serão usadas nas continuações, sem que isso necessariamente prejudique seu próprio andamento.

Para além da rivalidade, inerente em todos os cidadãos, entre Shadyside e Sunnyvale, os crimes de Shadyside parecem ser especiais. Os assassinatos, extremamente violentos, acontecem de súbito e deixam várias pessoas mortas, inclusive o próprio assassino. Todos esses eventos fazendo referência aos grandes filmes de serial killers, a bruxa basicamente assistiu todos os filmes de terror que existem e os fez aconteceram na cidade.

Ao longo da história é um pouco confuso o quanto os cidadãos sabem sobre os mistérios da cidade, mesmo que tenhamos uma personagem específica – Josh (Flores Jr.) – que é conhecedor da história do lugar, para algumas coisas temos muitas informações enquanto para outras, não.  Ao mesmo tempo em que se sabe que Sarah Fier amaldiçoou a cidade ao cortar sua mão direita e enterrá-la em algum lugar, não se sabe onde o resto de seu corpo foi enterrado, por exemplo, ou mesmo informações que levam muito tempo para serem passadas. Como obra única, isso é um problema, porém como parte uma espécie de minissérie, faz mais sentido, mesmo porque coisas que já sabemos não precisam ser apresentadas nos filmes seguintes.

O roteiro é, em sua essência, simples e óbvio e, sinceramente, foi o que achei mais maravilhoso nele, sua despretensão e como abraça os tropos clássicos do gênero, trabalhando bem os clichês, obviamente com um olhar e recursos dos dias de hoje, e abraçando a galhofa, sem ir para um lado de ironia ou paródia.

Nossas personagens seguem aqueles estereótipos adolescentes padrão: a diferentona, a líder de torcida, o nerd, o engraçadão, de preferência sendo chatos e arrogantes, mas que tem a motivação mais simples de todas, sobreviver enquanto adultos são todos inúteis e material para cenas de morte.

Se unindo então para descobrir quem é, ou nesse caso, o que os persegue, todes de modo geral são pouco desenvolvides, suas relações são apresentadas e é isto, mas a cidade acaba sendo, já que ela também funciona como personagem. Porém, temos algumas subversões interessantes, como a líder de torcida vender drogas e o nosso casal principal ser LGBTQIA+, importante para mostrar que um gênero antigo pode sempre se revitalizar. E como um bom slasher, nossas crianças vão se envolver em situações das mais estranhas, seja roubando uma ambulância ou armando uma super armadilha na escola.

Das muitas referências em que talvez o filme se perca em alguns momentos – mas nesse quesito acho que a história simples acaba sendo uma vantagem, já que se fosse muito complicada acabaria incompleta e repleta de furos – algumas que se destacam são O Iluminado (The Shining, 1980), Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, 1980) além do já mencionado Pânico, mas muitas outras podem ser identificadas, fica sendo parte da diversão para os mais conhecedores.

O filme usa até bastante o recurso de jumpscares, mas ironicamente poucos sustos são de fato algo para se preocupar, preferindo investir em momentos como as perseguições ou realmente quando antagonistas estão presentes. De modo geral, o roteiro funciona bem, tem suas informações plantadas e bem pagas depois, porém nem sempre a mistura do sobrenatural e do real pode convencer, talvez comprar a ideia de que apenas um dos dois é verdade ajude na imersão. O que mantém o interesse até o fim não é nem o mistério em si, mas a curiosidade de como aquilo tudo acontece e como começou.

Ao seu fim, o filme não deixa nada a desejar para os slashers clássicos, entendendo que nem tudo que funcionava no auge ainda funciona, servindo como uma boa homenagem com uma história interessante, mesmo que nem todes que assistiram tenham captado sua intenção.

Rua do Medo: 1994 consegue relembrar o que temos de mais divertido no subgênero slasher, sem se esquecer de que se passa algumas boas décadas depois, assim como outros filmes que trazem de volta nossos serial killers sanguinários como Halloween (2018) e as vindouras continuações Halloween Kills: O Terror Continua (Halloween Kills, 2021) e Pânico 5 (Scream, 2022).

As dúvidas que ficam mantém o interesse para a segunda parte. Por que o nariz de Deena e Sam (Olivia Scott Welch) sangram, mas apenas Sam é um alvo? Com quem Josh está conversando no computador? O quanto o delegado (Ashley Zukerman) sabe e para quem ele deixou um recado? Sarah Fier realmente é a vilã da história?

Sem dúvida na sequência reveremos alguns personagens de um ponto de vista diferente, como o próprio delegado Goode, C. Berman (Gillian Jacobs) e com sorte o pai de Deena e Josh e talvez até a mãe de Sam (Lacy Camp).

No mais, nos vemos em 1978.


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