Rua do Medo: 1978 – Parte 2 – Sangue jorrando em nível máximo

Provavelmente o filme mais difícil de realizar em uma trilogia, por mais planejada que ela seja, deve ser o segundo. Ser a irmã do meio de uma história muito maior e estar entre a apresentação e a conclusão sem ser apenas uma demora entre elas e sim uma peça relevante, não é tarefa fácil (ainda mais em uma narrativa contada de frente para trás), e aqui eu tiro meu chapéu para Rua do Medo: 1978 – Parte 2 (Fear Street Part 2 – 1978, 2021), que consegue ser – dependendo da sua opinião – tão bom e até melhor do que o primeiro filme do film trilogy event da Netflix, além de igualmente relevante para o todo.

Caso você não saiba o que é esse tal film trilogy event, nem o que diabos é Rua do Medo, eu recomendo que assista ao primeiro filme, Rua do Medo: 1994 – Parte 1 (Fear Street Part 1 – 1994, 2021), na Netflix e claro, leia meu texto sobre o filme bem aqui.

Neste segundo filme, a narrativa muda e somos apresentades aos contornos reais dessa história. Era uma curiosidade saber como Leigh Janiak escolheria contar uma história que anda para trás, e aqui ela não inventou nada novo, mas soube usar de modo bem eficiente o clássico filme contado em flashback, com uma personagem compartilhando suas lembranças. Novamente, se você procura um filme muito inovador e diferente, está no lugar errado. 1978, assim como 1994, funciona bem e se torna divertido por saber trabalhar com o que tem, se mantendo despretensioso, trabalhando bem com os elementos que se propõe e deixando um terreno fértil para o último filme.

Dessa vez estamos em um acampamento de verão, já mencionado no filme anterior, e a homenagem dessa vez ainda é para os filmes de slasher, mas agora para o grande auge dos slashers, quando pela primeira vez surgiram nomes como O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chain Saw Massacre, 1974), Halloween: A Noite do Terror (Halloween, 1978), A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street, 1984), mas também nomes mais desconhecidos como Acampamento Sinistro (Sleepaway Camp, 1983), Chamas da Morte (The Burning, 1981) ou Madman (1981), mas principal e especialmente, Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, 1980), contando com pequenas referências e detalhes que só os maiores conhecedores do filme vão notar, como a cobra e o saco que era a máscara de Jason antes da icônica máscara de hóquei.

Com direito, é claro, a tudo que esses filmes tem de “melhor”: jovens adultos fazendo sexo, bebendo, usando drogas, jogando strip banco imobiliário ou qualquer coisa que achem mais interessante do que de fato trabalhar.

Mas não deixa de ser revigorante, ainda mais para os fãs do Jason, já que há pouco tempo Victor Miller, roteirista do filme original decidiu – depois de DÉCADAS, diga-se de passagem – recuperar os direitos da franquia da Horror, Inc. iniciando uma batalha judicial que fez tudo que tinha relação com Sexta-Feira 13 ser paralisado, incluindo planos para um futuro reboot em filme ou série e o jogo da franquia Friday the 13th: The Game, que você ainda pode adquirir na Steam, cujos desenvolvedores foram obrigados a parar de trabalhar, elus não podem mais atualizar, corrigir bugs ou instalar melhorias e novidades que já vinham sendo planejadas. Então, sim, talvez o próprio criador tenha matado uma das mais amadas franquias de terror da história do cinema.

Mas voltando para Rua do Medo.

Novamente, o filme é dirigido por Leigh Janiak, diretora de Honeymoon (2014) e de um episódio de Pânico: A Série (Scream: The TV Series, 2015 – 2019), e roteirizado por ela, acompanhada de Zak Olkewicz, que fez parte da produção de Quando as Luzes se Apagam (Lights Out, 2016), e Phil Graziadei, que trabalhou com Janiak em Honeymoon. A fotografia ficou com Caleb Haymann, que já trabalhou em episódios de Stranger Things (2016 -), e a música com Marco Beltrami e Brandon Roberts, os dois já tendo trabalhado em produções como Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018) ou Histórias Assustadoras para Contar no Escuro (Scary Stories to Tell in the Dark, 2019).

A direção continua muito acertada e com uma trilha sonora muito boa, dessa vez o filme vai investir muito mais no gore, na sanguinolência, porém com pouca criatividade em mortes, mesmo a primeira sendo bem gráfica, a intenção da violência aqui não é mais essa. Existe um drama ao redor das mortes, é possível ouvir bem os golpes do machado nas personagens, aquilo é uma matança, e para que entendamos bem mais isso, muitas das pessoas que morrem são crianças. Dito isso, ainda acho que o filme merecia uma cena de alguém morrendo no lago.

Outra vez o elenco se sai muito bem, com destaque para Sadie Sink e Emily Rudd, que interpretam as protagonistas, mas todes se destacam em algum momento. A dublagem segue o padrão do primeiro filme, já que provavelmente foram dublados juntos, com nomes conhecidos e dirigidos por Eleonora Prado fazendo um bom trabalho.

Começamos o novo filme conhecendo a tal C. Berman (Gillian Jacobs), a quem tínhamos sido apresentades no final do filme anterior, alguém que teria sobrevivido a um dos massacres, mas especificamente o do acampamento Nightwing em (adivinha) 1978 e também era a pessoa para quem o delegado deixou o bilhete. A mulher é claramente uma pessoa com problemas, visto que precisa de alarmes pela casa para lembra-la de fazer praticamente tudo ou talvez para prendê-la em uma rotina.

Chegam Deena (Kiana Madeira) e Josh (Benjamin Flores Jr.) e junto com elus, sentamos para ouvir a história assustadora que C. Berman tem para contar sobre o que aconteceu no acampamento, sem ter ainda certeza de como isso pode ser relevante ou levar a história para frente.

Agora acompanharemos duas irmãs, remetendo aos irmãos do primeiro filme, direto no passado. Uma vez em 1978 só sairemos de lá ao final da história, decisão muito acertada, pois para esse tipo de história interrupções do presente só quebrariam toda a atmosfera estabelecida. O filme ainda conta com algumas vantagens como a limitação de espaço e, como a ideia principal e maior parte da mitologia já foi apresentada no filme anterior, logo depois de introduzir personagens e cenários podemos ir direto para a morte e sanguinolência, com direito a novidade de vermos a transformação da pessoa possuída em assassina.

Nossas novas personagens são sim velhos estereótipos, mas pior do que os adolescentes burros arrogantes, agora temos adolescentes arrogantes que se acham invencíveis. O elenco de coadjuvantes é bom, mas nossas protagonistas são Ziggy e Cindy, uma irmã mais nova rebelde e uma irmã mais velha certinha e não temos certeza sobre qual das irmãs está contando a história, porque sim, Ziggy que é Sadie Sink é a mais usada no material promocional do filme e tem um apelido que desvia da letra C, o que na cara me fez pensar que era apenas o filme tentando desviar a atenção dela, mas quanto mais conhecia Cindy, tudo que ela descobria e como ela se encaixa perfeitamente no estereótipo de uma protagonista desse tipo de filme, comecei a duvidar se estava me enganando ou tinha me jogado informações para me enganar. O importante é que até o último minuto fiquei com essa dúvida, o que foi muito bom. 

É muito fácil se apegar a ambas, Ziggy sofre bullying constantemente dos campistas de Sunnyvale, já que ambas as cidades mandam crianças para o acampamento, e vive com raiva, enquanto Cindy tenta sempre ser perfeita e fazer tudo certo para ir embora de Shadyside um dia. Além da ironia dramática de vermos Cindy sabendo de tudo que está acontecendo enquanto Ziggy está alheia a tudo servir para aumentar a tensão.

O relacionamento Shadyside e Sunnyvale ganha novos ares também, a superioridade das pessoas de Sunnyvale que se veem como vencedoras e o modo como tratam as Shadysiders é terrível. As pessoas realmente se odeiam no sentido mais puro da palavra, a rivalidade é aumentada e levada ao limite às vezes. Ironicamente também descobrimos que o nome do condado das cidades é União.

A história da maldição evolui ao mesmo tempo em que ganha mais mistérios. Graças à mãe de Ruby Lane (Jordyn DiNatale), aquela assassina com a navalha, temos um livro cheio de novas informações que ela mesma investigou, o que nos leva a descobrir por exemplo a tal rocha, que como já era de imaginar, tinha os nomes de quem já havia sido possuíde pela maldição da bruxa, e abraçar de vez esse sobrenatural torna a narrativa bem mais fechada.

Shadyside se torna muito mais fortemente uma personagem, seu problema atravessa gerações e afeta muitas pessoas, muitas vidas são arruinadas e tudo se torna um ciclo, tal qual Cindy e Alice (Ryan Simpkins) perdidas no labirinto, Shadyside e seus cidadãos não param de andar em círculos, indo para lugar nenhum. Crianças estão morrendo por nada, isso não é bacana, essa maldição não é algo bom.

Com muito mais para se pensar até com detalhes apenas mostrados, mas não ditos, como apenas crianças de Shadyside serem mortas pelo assassino, o que é visível pela tal guerra de cores, a suspeita de que Nick Goode (Ted Sutherland/Ashley Zukerman) sabe mais do que aparenta e a explosão de cabeça ao ver aquela árvore que estava no centro do shopping e não ter entendido que árvore era logo no começo deste filme.

Rua do Medo: 1978 segue a ideia de seu antecessor de ser uma grande homenagem ao gênero de terror e slasher, dessa vez focando nos grandes clássicos do subgênero, ao mesmo tempo em que acrescenta muito para sua própria história nos dando a dimensão do quão terrível é a maldição que assola a cidade e nos fazendo ter mais empatia pelas personagens.

O último filme aparenta ser bem diferente dos dois anteriores e sua estética folk por si só já me deixou muito curiosa. No final deste tivemos uma suposta solução, mas acho óbvio que no último descobriremos que tudo que sabíamos estava errado. De que modo exatamente não sei, mas ainda aposto minhas fichas que Sarah Fier (Elizabeth Scopel), não é a real ameaça.

Então, até 1666.


VEJA TAMBÉM

Rua do Medo: 1994 – Parte 1 – O início do evento de terror da Netflix

40 anos de Sexta-Feira 13 – Quando o dia do azar encontrou o slasher