Mortal Kombat – Eu sou fã, eu quero serviço

AVISO – Esse artigo pode conter leves spoilers.

Estreou nos cinemas americanos e no serviço de streaming da HBO Max, no último dia 23 de abril, o filme Mortal Kombat (2021). Dirigido pelo iniciante Simon McQuoid, o filme adapta, mais uma vez, a história do videogame de mesmo nome, famoso por ser extremamente violento e, justamente por isso, ter iniciado o movimento judicial que originou a classificação etária em jogos eletrônicos.

Desta vez, acompanhamos o personagem Cole Young (Lewis Tan), lutador fracassado de MMA que possui no peito uma marca de nascença em forma de dragão. Procurado por Jax Briggs (Mehcad Brooks), Cole é informado que sua marca, na verdade, é um passe dado aos pretensos “guerreiros” que devem defender o reino da Terra (Earthrealm, ou Exoterra, no filme) no décimo torneio “Mortal Kombat”. Já tendo perdido os nove anteriores para Shang Tsung (Chin Han), essa é a última chance da Terra não ser invadida, pois, ao perder o décimo torneio, Earthrealm se tornaria parte do reino de Shao Kahn.

Essa pequena sinopse já torna previsível o que podemos esperar do roteiro de um filme adaptado dos games: não é lá grande coisa.

MK tem uma história simples, tantos furos que mais parece uma peneira e atuações canastronas e caricatas. Repleto de atores tão iniciantes quanto o diretor, o elenco teve que ser formado por pessoas que soubessem não apenas atuar, mas também lutar. Eles se saem um pouco melhor nesse segundo quesito. As coreografias são boas e, até certo ponto, convincentes. Porém, não se preocupe em ver diálogos que tragam epifanias nem cenas que te comovam o coração ou engrandeçam o espírito (mas, quem no mundo esperaria isso de um filme com esse nome, não é mesmo?). Incrivelmente, algumas pessoas esperavam isso, sim – e saíram reclamando pelas redes sociais.

Mortal Kombat é o mais puro escapismo. Precisamente, aquilo que necessitamos nesse momento. Ele traz ótimas referências aos filmes de luta dos anos 1990. Não vai ganhar nenhum Oscar, mas, muito provavelmente, é o melhor filme já produzido desse gênero. Vou explicar porque penso assim.

Eu estive por aqui, meses atrás, falando da animação Mortal Kombat Legends: A Vingança de Scorpion (Mortal Kombat Legends: Scorpion’s Revenge, 2020) – se você não leu, clica aqui – e relatei uma imensa lista de filmes decepcionantes que adaptavam os games de luta para a tela grande. O primeiro e o segundo Mortal Kombat – respectivamente Mortal Kombat (1995) e Mortal Kombat: A Aniquilação (Mortal Kombat: Annihilation, 1997), estavam entre eles. Nesse texto eu também explicitei minha alegria em ver uma animação tão mais fiel ao espírito do jogo do que qualquer outra adaptação que eu já tinha visto antes. E olha que eu sou “das antas”!

Agora em 2021, McQuoid conseguiu quase a mesma proeza que Ethan Spaulding, em A Vingança de Scorpion, ano passado: sujar o chão da sua sala com o sangue que escorre da TV. A vantagem da animação é que ela é… uma animação. A atuação fica por conta dos atores que dão vozes aos personagens do desenho, mas, as expressões faciais e corporais, bem, isso fica a cargo de quem anima. Sem contar que é muito mais fácil trabalhar com efeitos especiais animados do que realistas, que é o que se espera de um live action (filmes com atores de carne e osso). Assim, embora o MK de Simon não entregue grandes interpretações, ele entrega algo que, para quem jogou Mortal Kombat nos primórdios de seu lançamento e ficava chocado com o realismo do videogame, ainda no SNes (e, como um bom adolescente dos anos 1990, estava se lixando pra história do jogo, porque gostava mesmo era de uma boa disputa passando o joystick), é mais importante do que história e atuação: ele entrega fan service!

O filme é um deleite para os jogadores que ficavam na frente da TV descobrindo códigos e sequências que explodem cabeças, partem os oponentes ao meio ou arrancam seu coração. E tudo isso está nesse filme. A história, hum, não é lá essas coisas. Mas isso vai parar de importar quando você vir Kung Lao (Max Huang) fazendo seu teleporte pelo chapéu, Liu Kang (Ludi Lin) soltando bolas de fogo ou Kabal (Daniel Nelson, voz de Damon Herriman) usando seu dash. Além, é claro, da aparição de Goro (voz de Angus Sampson), dessa vez, todo feito em CGI.

A semelhança com os filmes dos anos 1990 não está apenas na priorização das lutas ao invés de um bom roteiro. Outra coisa muito comum naquela década é que esse filmes de ação, principalmente as adaptações de games e quadrinhos, sempre contavam com a participação de algum ator já conhecido, para chamar atenção do público que não era de nicho. Repare: Jack Nicholson em Batman (1989), Christopher Lambert e Cary-Hiroyuki Tagawa em Mortal Kombat (1995), Raul Julia e Jean-Claude Van Damme em Street Fighter: A Última Batalha (Street Fighter, 1994), pra citar alguns exemplos. Esse ano, Hiroyuki Sanada, conhecido por seu trabalho em O Último Samurai (The Last Samurai, 2003), dá vida ao personagem Scorpion, queridinho da franquia de games e protagonista na animação do ano passado.

Então, se assim como eu, você é desses que adora um fan service e vibra quando vê sangue espirrando pela tela, é provável que você goste do que esse filme tem para oferecer. E não sou apenas eu quem diz isso. Produzido com o baixíssimo orçamento de 20 milhões de dólares – e mais 30 para marketing – por conta de sua classificação “R” nos Estados Unidos (o que quer dizer que ele só poderia ser visto por maiores de 17 anos ou por adolescentes acompanhados dos pais), MK arrecadou mais de 23 milhões em bilheteria doméstica, ou seja, só nos EUA, e mais de 27 milhões internacionalmente, totalizando 51 milhões, pagando seus gastos de produção, com lucro, apenas no primeiro fim de semana – isso no meio de uma pandemia. Além disso, o aplicativo da HBO Max foi o segundo mais baixado na sexta-feira de estreia do filme e o primeiro no sábado e no domingo seguintes. Segundo a SambaTV (site que contabiliza audiência caseira de TV’s cadastradas), o filme foi assistido em mais de 3,8 milhões de casas entre 23 e 25 de abril, marca de Godzilla vs Kong (2021) demorou cinco dias pra conseguir e  Soul (2020), vencedor de Oscar, demorou sete.

Eu, particularmente, fiquei nostálgico. Ok, ok! Eu sei que o último jogo da franquia saiu em 2019, tá quentinho ainda. Mas, meu amigo, ver Jax estourando uma cabeça com as próprias mãos e Kano (Josh Lawson) arrancando um coração, dessa vez com gente de verdade, é muito mais saudoso do que ver essa mesma cena nos jogos de hoje, que se pretendem tão realistas, que extrapolam e soam muito mais artificiais que os 8bit em 2 dimensões de 30 anos atrás. Mortal Kombat conseguiu fazer um milagre em vista do pouco dinheiro investido para os efeitos especiais e teve que trabalhar muito jogo de tela, cortes e edição para poder dar vida à dragões de fogo e monstros gigantes de quatro braços. Vale muito a hora e meia de duração. Se for assistir, lembre-se de forrar o chão da sala com plástico!


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