Preces Precipitadas de um Lugar Sagrado que Não Existe Mais – A prece pelo poder em mãos

No aguardo do próximo ônibus numa noite na periferia cearense, o jovem Breno é transportado para uma localidade atemporal, e junto com mais duas jovens tem a missão a favor da luta antirracista. A sinopse de Preces Precipitadas de Um Lugar Sagrado Que Não Existe Mais (2020) é curiosa. Porém, o filme adentra bem mais em assuntos através de sua estética. Está que também está além.

Os diretores Mike Dutra e Rafael Luan deixam de lado qualquer estética wachowskiana de Matrix e apostam nos conceitos de Orum e Aiê contemporâneos.

Orum, na mitologia Iorubá, seria uma espécie de “céu”, de mundo espiritual, onde a atemporalidade reina junto com os Orixás. Lá os oduns olham para o grande lago do destino e emprestam suas facetas aos búzios.

O filme transporta Breno para um Aiê ancestral, praiano, pouco habitado, mas contemporâneo, tecnológico, onde hologramas e eletrônicos tomam a forma de um Ifá para definir suas missões de volta ao Aiê.

O Aiê é o “mundo físico”, onde nós vivemos, paralelo ao Orum. É o lugar da antiga periferia do protagonista e para onde ele precisa retornar nas amarras do tempo.

O tempo e espaço na cultura Iorubá nasceram para ser naturalmente afrofuturista em termos narrativos e flerta com a ficção especulativa nas artes além de uma Wakanda. E isso diz muito sobre o filme: é a prece pelo poder em mãos.

O filme transcende o protagonismo além de qualquer Neo, Marty McFly ou Vingador do Futuro. Breno é a própria aplicabilidade contemporânea da faceta de Exú, o orixá dos caminhos, das encruzilhadas, o mais veloz que percorre o Orum e Aiê pelos próprios pés. Retorna décadas por seu povo. Avança séculos para tentar criar um futuro diferente do passado e presente que oprimem seu povo.

Não são só preces. Não são só lugares. É a busca por um lugar que não existe mais.

Ou que não existe ainda.


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