Inabitável – Onde habitam os inabitáveis?

Grande vencedor do IV Cine Festival, arrebatando as categorias Melhor Montagem, Melhor Atriz, Melhor Roteiro e Melhor Curta Nacional, o filme de Matheus Farias e Enock Carvalho continua tecendo uma ótima trajetória que faz jus a uma história de silêncio, preocupação e crítica à invisibilidade diante do medo dos marginalizados.

É através dos olhos de Marilene (Luciana Souza) que somos levados para dentro de sua preocupação diante do desaparecimento de sua filha Roberta (Eduarda Lemos), vista pela última vez numa festa na noite anterior pela amiga (Sophia William).

O que chama mais atenção no desenvolvimento dessa narrativa é a manutenção de temas sociais tão importantes expressos no olhar de uma mãe de uma filha negra trans da periferia diante de seu sumiço. A espera da pior notícia diante da violência que assola o nosso país através da intolerância e desrespeito com aqueles são colocados e abafados à margem da sociedade. E esses temas não se ofuscam nem mesmo com o surgimento de um elemento fantástico encontrado nas coisas de Roberta.

É comum em narrativas que flertam com o fantástico, ficção científica e similares que os elementos mundanos e cotidianos sejam subjugados/convertidos e/ou sombreados pelo componente mágico e miraculoso. Grandes clássicos do cinema e literatura tomam forma diante do emprego. Como também o inverso, e este requerido de maior habitada narrativa: transformar a magia e a mirabilis em algo tão comum quanto esperar um telefonema. Para estes, de Gabo a Gaiman.

Mas Inabitável (2020) dá um passo à frente e no meio da ponte para que esta não balance e comprometa sua caminhada: em nenhum momento enxergamos a transformação de ambos. O que move o filme é a crescente preocupação dentro de um país inseguro para a comunidade LGBTQIA+ que atravessa o coração aflito de sua pobre mãe.

Ao mesmo tempo, insere os “inabitáveis” de nossa sociedade em gêneros cinematográficos que podem conversar entre si diante de suas peculiares e emergentes condições. Sem negar que existe um antagonismo na forma de estrutura política de violência mais temerosa do que muito vilão de ficção.

Inabitável é resultado da incrível qualidade de curtas que vem sendo produzido no país, mesmo diante de uma tentativa de sucateamento do audiovisual brasileiro. É uma resposta em forma de sentimentos diante do que propõe discutir.

E fica uma pergunta: “Para onde ir quando não nos habita o lugar onde estamos?”


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