Cabras da Peste – Buddy Cop brasileiro e arretado

Filmes do gênero buddy cop, são muito queridos pelo público. Esse tipo de filme é aquele em que dois parceiros policiais incompatíveis – muitas vezes de personalidades opostas – precisam trabalhar juntos para resolver um caso em uma história repleta de comédia e ação. Às vezes um deles nem precisa ser um policial, mas é fundamental que ambos pensem diferente e tenham uma dinâmica parecida com a de um casal que está sempre brigando. 

Cabras da Peste (2021), novo filme de comédia da Netflix, chega então para satirizar e brincar com os clichês desse tipo de filme. Os chefes estressados, um bandido que apenas as protagonistas desconfiam, as protagonistas que em dado momento se separam, mas para solucionar o caso fazem as pazes e etc. Até mesmo as atuações são intencionalmente estereotipadas e caricatas para deixar claro que o filme não está se levando a sério.

Alguns nomes do buddy cop são as franquias Maquina Mortífera (que já teve filmes e uma série ), A Hora do Rush (que teve uma série além de sua trilogia de filmes, que eu reassisti há pouco tempo e acredite em mim, esse filme fica melhor na sua memória), Bad Boys e Anjos da Lei, puxando para a fantasia tivemos Bright (2017), com protagonistas femininas tivemos Belas e Perseguidas (Hot Pursuit, 2015) e As Bem-Armadas (The Heat, 2013), em animação Zootopia (2016) e, claro, uma bem recente que vai pelo viés dos super-heróis, Falcão e o Soldado Invernal (The Falcon and the Winter Soldier, 2021). Então, é um tipo de filme que se mantém razoavelmente relevante ao longo do tempo.

O filme dirigido por Vitor Brandt e com roteiro feito em parceria com Denis Niel conta a história de dois policiais. Bruceuilis (Edmilson Filho), um policial dedicado e empolgado que vive na fictícia cidade de Guaramobim no Ceará, o tipo de lugar onde todo mundo se conhece e nada interessante acontece, e Trindade (Matheus Nachtergaele), um policial burocrata da cidade de São Paulo que faz parte de um time de elite, mas é tido como covarde por não ir a campo. Seus caminhos se cruzam quando Celestina, uma cabra que é patrimônio da cidade de Bruce é sequestrada e isso acaba fazendo com que esbarrem em uma operação de tráfico de drogas, que eles vão então investigar.

Roteiro e direção são eficientes, tudo no filme funciona bem para o que ele se propõe e é impossível não perceber uma certa homenagem a Halder Gomes, diretor dos filmes e da série de Cine Holliúdy, quando se trata das cenas de Guaramobim e do próprio Bruce devido ao humor feito com o diálogo repleto de regionalismos. Outras grandes referências são A Hora do Rush, já que sendo mestre de taekwondo, Edmilson protagoniza muitas cenas de lutas, e impossível não mencionar a versão cantada por Gaby Amarantos de The Heat Is On, música de Um Tira da Pesada (Beverly Hills Cop, 1984).

As atuações são maravilhosas e, sem dúvida, o que leva o filme. A química de Edmilson e Matheus é muito boa, provavelmente a ideia de um filme protagonizado pelos dois veio quando os viram atuando juntos na série de Cine Holliúdy (2019 -), disponível no Globoplay.

No núcleo de Guaramobim todes são de fato cearenses. Além de Edmilson temos Victor Alen junto com Rossicléia e Falcão, dois grandes humoristas cearenses presentes nas grandes casas de humor de Fortaleza, e Falcão, em especial, se aventurando cada vez mais no audiovisual. No núcleo de São Paulo além de Nachtergaele, temos as ótimas Letícia Lima e Evelyn Castro, ambas vindas do canal Porta dos Fundos e que vem se destacando em cinema e televisão, junto com Eyrio Okura, maior protagonista das lutas junto com Edmilson.

As cenas de ação são bacanas, apesar de alguns momentos pareceram bizarros. Faz parte do gênero com o qual o filme brinca e o humor de um modo geral também é muito legal, com um tom leve, certo para esse humor besteirol e repleto de comédia do absurdo. O próprio título do filme, já vindo com seus trocadilhos, já que cabra além de (obviamente) significar cabra, também significa “cara”, como “que cara legal” e “peste” serve como aumentativo seja para algo bom como para algo ruim como “comida gostosa da peste” e “que filme ruim da peste”.  Obrigada por comparecer a nossa aula de português.

Ponto forte do humor da obra é que ele não diminui ninguém, o que foi a parte mais difícil para mim quando assisti A Hora do Rush. Muito machismo e xenofobia que não envelheceram nada bem, e Cabras da Peste consegue ser engraçado sem esse tipo de coisa, nenhum personagem cearense é menos alguma coisa em relação aos paulistas, por exemplo. O que também me agradou muito foi o filme fazer graça com elementos da vida real, como Celestina que é uma clara referência ao Bode Ioiô, animal que existiu na vida real e andava pela Praça do Ferreira no centro de Fortaleza, onde recebia bebida alcoólica das pessoas e em 1922 foi eleito vereador como forma de protesto.

O nome de Bruce, Bruceuilis e de seus irmãos Charlisbronso, Chuquinorris, Vândami e Melgibsa, todos inspirados em atores de filmes de ação, pode parecer impossível, mas meu avô paterno, por exemplo, era esse tipo de pessoa. Já metido á cinéfilo nos anos 70, deu para meu tio mais velho o nome de Rockylane (lê-se, róquilâne) em homenagem ao ator de faroestes Rocky Lane (lê-se róqui leine) e nos demais filhos onde minha avó não conseguiu intervir emplacou nomes franceses. Eu mesma já conheci um Maycon Douglas, escrito assim mesmo, para homenagear Michael Douglas e claro, todo mundo já conheceu alguém da geração dos Valdisnei/Valdisney, nome em homenagem a Walt Disney.

O sushiman –  do restaurante que Bruce pensava ser chinês, mas era japonês – é cearense, algo muito real, apesar de nunca ter ido a São Paulo, pessoas que foram já me disseram que muitos restaurantes japoneses por lá eram gerenciados por pessoas nordestinas e até mesmo um tempo atrás o melhor sushiman do Brasil era cearense ou algo assim, e existia isso de os melhores sushimans serem cearenses, mas não sei se ainda se mantém. Até mesmo o misterioso vilão Luva Branca, é uma referência a Cabeça Branca, um dos maiores narcotraficantes do Brasil, que inclusive ganhou matéria no Fantástico recentemente.

O filme ainda consegue dar algumas alfinetadas mais políticas, sem intenção de necessariamente fazer uma crítica, até porque isso não caberia na obra, não faria sentido, então a ideia é muito simples: vamos rir um pouquinho da nossa desgraça. É uma droga? Sim, mas vamos rir um pouquinho disso. Meu momento favorito desses é quando o personagem de Falcão, o político Zeca Brito, em uma entrevista fala “Brasil acima de tudo, eu acima de todos.” Preciso, muito preciso.

A única coisa que me incomoda na obra, é o nome do personagem de Eyrio Okura, Ping Li. Eu entendo que a intenção é brincar com os filmes onde personagens orientais tem esse tipo de nome genérico, mas acho que acaba mais reproduzindo isso do que criticando.

Cabras da Peste é um filme, como disseram em todas as críticas, despretensioso. É leve, tranquilo e brinca consigo mesmo, com personagens muito engraçados e um humor muito divertido. Bom pra abstrair dessa nossa realidade de pandemia e assistir com toda a família.


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