The Queen’s Gambit – O que você seria capaz de sacrificar?

Protagonizada por Anya Taylor-Joy,  a mesma atriz de A Bruxa (The Witch, 2015) e Fragmentado (Split, 2016), O Gambito da Rainha (The Queen’s Gambit, 2020) bateu todos os recordes de audiência no serviço de streaming Netflix. A série é inspirada em um livro de mesmo nome publicado pelo autor norte-americano Walter Tevis em 1983, um ano antes de sua morte, aos 56 anos. Na história, acompanhamos a jornada de Beth Harmon, uma menina órfã que se revelou um prodígio no xadrez e quer se tornar a melhor do mundo, embora tenha de lidar, simultaneamente, com um vício que adquiriu enquanto estava no orfanato onde cresceu, e mais a frente com o abuso de álcool.

Entre êxitos e revezes, tanto nos jogos como na vida pessoal, nossa protagonista se lança em direção a uma meta: ir até a Rússia enfrentar o campeão mundial de xadrez, o intimidador mestre Vasily Borgov (Marcin Dorocinski) que, assim como Harmon, é um personagem fictício – neste caso, comparado com Boris Spassky

É interessante ressaltar que o termo “Gambito da Rainha”, refere-se diretamente a uma jogada no xadrez, onde o jogador se vê se na disposição de sacrificar outra peça importante, para salvar a rainha.  E se algo pode ser dito sobre a vida de Beth Harmon nessa história é sua relação com o que ela está disposta a sacrificar para seguir em algo que compõe sua essência. As fases da vida de Beth são repletas de perdas e inseguranças. O suicídio da mãe, que ao mesmo tempo é atrelada a tentativa de leva-la junto consigo para a morte, a vida no orfanato, a adoção feita para sanar um problema de um casamento falido.

Tudo isso, faz com que suas escolhas notoriamente sejam por deixar algo ser “sacrificado” para que ela possa sentir-se ‘segura’ dentro de uma das suas características mais perceptíveis: a genialidade. As vitórias da senhorita Harmon, fascinam aos espectadores nas partidas. Entretanto, para a personagem constituem apenas em composições de sua personalidade. Quase como uma compensação por cada uma de suas perdas emocionais. 

A série não apenas nos apresenta a vida de uma enxadrista prodígio, mas também acaba por usar como linha de raciocínio esse jogo de intelecto como uma metáfora intrigante. Ao vermos a pequena Beth, ainda menina, conhecer o jogo, entender os movimentos e se apoderar das possibilidades das jogadas, ao mesmo tempo, assistimos a relação de vício das drogas receitadas para as crianças no orfanato, apoderar-se dela.  Mas onde cabe a metáfora? você me pergunta aqui.  Bom, todo jogador de xadrez iniciante, que deseja tornasse um mestre, começa a manejar as peças do jogo com um adversário inicial: ele mesmo. Após visualizar todas as possibilidades de movimentos contra si mesmo, eis que ele está preparado para desafiar os outros.

A personagem principal, sente-se estimulada  sob o efeito das pílulas verdes (desde sua infância), a devorar cada vez mais algo que lhe faça sentir no controle de algo (no caso o xadrez), em contraposição de sua vida, visto que na época narrada ainda se sujeitava a mulher uma mera posição de esposa e dona de casa.  Analisando por essa perspectiva, é compreensível entender a irritabilidade e contrariedade de Beth em chegar a conclusão de “declinar” um jogo em andamento, fato que lhe foi ensinado pelo seu primeiro contato afetivo no orfanato, o zelador, Mr. Shaibel (Bill Camp). 

Admitir que não há mais possibilidades, que não há mais saídas para alguém que emocionalmente e afetivamente tem tão pouco, é de causar uma frustração imensa. Embora tenho assistido como uma minissérie, estranhamente  tenho a sensação de que vi um filme.  Fica evidente a importância das novas relações que a protagonista desenvolve no decorrer dos capítulos, e algumas são realmente relevantes para seu crescimento ou queda, no entanto, caso fosse condensado em um filme nada teria se perdido ou teria sido pouco desenvolvido. 

De torneios em torneios de xadrez, acompanhamos a evolução de algumas décadas, a evolução da maturidade da personagem, e entre mudanças de estilos, vitórias e derrotas (pessoais e nos jogos), Beth consegue alcançar seu maior adversário em Moscou. Vencendo honrosamente, saindo ovacionada, abrindo  caminhos  para novas enxadristas mulheres também poderem alcançar novos espaços. Entretanto, ao final disso, quando ela está sentada no transporte que a levará para mais um torneio, somos surpreendidos com uma decisão plena, consciente e necessária tomada pela protagonista. Ela ‘declina o jogo’. 

Eis o momento de fair-play com a própria vida, ao caminhar com seu casaco branco e chapéu russo ela é a personificação da própria rainha branca no tabuleiro. Uma peça que pode caminhar para qualquer direção, se mover a qualquer destino, e tem a consciência de que todos os sacrifícios para se manter viva até aquele momento foram válidos para o seu jogo. 

Nem as pílulas, nem o álcool e muito menos a necessidade de vencer uma partida é mais um oponente para ela. Agora ela é uma rainha livre, que em seu ‘gambito’ sacrificou o que pôde para iniciar a sua partida mais importante, viver. A produção continua disponível na plataforma Netflix e fica aqui a indicação desse titulo.


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