A maior onda de Hollywood é fazer remakes e reboots, senão fazer adaptações ou sequências, e isso termina por arruinar algumas obras. Bem, pelo menos é assim que algumas pessoas as vezes expressam seus sentimentos ao ver um filme que amavam sendo refeito de forma diferente. Seria errado falar isso? Afinal, uma obra é uma obra, e a outra é a outra, e temos um exemplo muito claro disso no recente filme de Robert Zemeckis, Convenção das Bruxas (The Witches, 2020). O filme estreou recentemente nos cinemas e também no serviço de streaming HBO Max, e é uma nova adaptação do livro As Bruxas, de Roald Dahl.
Mas não se trata apenas de uma adaptação, visto que assim como It – A Coisa e outras obras de Stephen King dignas de adaptações em épocas diferentes, As Bruxas já foi adaptado para o cinema. Em 1990 o filme chamado Convenção das Bruxas (The Witches, 1990), dirigido por Nicolas Roeg, se imortalizou como um clássico da fantasia, misturando elementos da comédia e do terror. Contando com a ilustre participação de Anjelica Huston, a sua personagem se tornou uma marcante parte desta obra.
Não é deste filme que iremos falar, especialmente por não acreditar muito nesta forma de comparação. Antes de tudo é necessário firmar a ideia do filme ser uma obra inspirada num livro e do seu público alvo ser o público mais jovem. A obra parte do conceito de acompanhar o jovem protagonista (Jahzir Bruno) se mudando para morar com sua avó após ter perdido os pais em um acidente. A avó do rapaz é interpretada pela Octavia Spencer e isso já faz valer muito da obra, pois Spencer consegue dar um ar bem maternal e incrivelmente fofo à sua personagem.
Mas também a sua personagem carrega em si um protagonismo para muito além da ideia de apenas ser a responsável pelo protagonista, trazendo camadas sobre o trauma da infância de sua personagem e também o conhecimento da mesma sobre as malignas bruxas. Ainda foi trabalhada uma ideia da mesma ter conhecimento sobre uma magia boa, usada para ajudar e curar as pessoas. Existem muitas formas de se trabalhar a relação de uma avó e de um neto, o filme explora essa relação por um lado bem positivo combinando bem com o tom do filme.
Bem, interessante falarmos de tom, pois a obra tem muitos e nem sempre parece saber se decidir entre qual deseja trabalhar. Isso ou então ela mistura todos de uma forma não exatamente agradável, terminando por fazer uma sopa de ervilhas sem alho de seu próprio enredo e de suas cenas. Se alguém aqui já provou sopa de ervilha sem alho deve compreender bem o fato de eu não estar me referindo à mais gostosa das refeições, mas há quem goste. O nosso protagonista é então encontrado por uma bruxa (Josette Simon), que tenta o dar uma barra de chocolate. Após o encontro, o rapaz e sua avó viajam para um hotel para ficarem protegidos das bruxas. É então que o enredo do filme começa e rapidamente é capaz de se encerrar.
É nesse momento onde somos apresentados à toda uma mitologia das bruxas e de como não são mulheres de verdade, mas demônios disfarçados. Falando sobre a descrição das bruxas, é necessário salientar como o filme associa a ideia de membros não totalmente desenvolvidos à demônios e criaturas malévolas. Nesse momento ressaltamos a existência de crianças, público alvo do filme, especialmente crianças com ectrodactilia (associado ao não desenvolvimento total da mão ou dos pés) e como estas crianças se sentiriam com esta representação.
Ao longo do filme somos apresentados a diversos personagens, a mais impactante deve ser a personagem de Anne Hathaway, a Grande Bruxa, com um plano de extinguir todas as crianças do mundo as transformando em ratos. Distanciando-me da personagem da adaptação de 1990, ressalto o quanto Hathaway encarna de forma bem humorada a personagem e a torna marcante. Mesmo com certa emulação da personagem de Anjelica Huston, a atriz consegue dar a personagem sua própria marca e assinatura.
Com a marcante participação também de Chris Rock, o filme se conclui como uma obra agradável para o seu público alvo, uma releitura fraca da outra adaptação de 1990, mas ainda assim sua própria obra. Talvez se tivesse poucos minutos a mais e menor facilidade para concluir o problema estabelecido em seus primeiros atos como tão complexos, a obra poderia ser melhor aproveitada. As crianças podem gostar, e devemos ressaltar o fato da obra ser feita para elas e não para aqueles que eram crianças 30 anos atrás. É necessário deixar novas obras serem feitas para uma nova geração, sem tanto apego ao passado. Inclusive, se o filme tivesse se permitido mais criar e menos reler a obra de 1990, talvez ganhasse muito mais em nível de qualidade.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.