I Know This Much is True – Um denso relato sobre reparação

A lapidação é um processo interessante e de extrema importância, afinal, sem essa técnica não poderíamos ver o resultado aperfeiçoado do cristal em seu estado bruto. Talvez a vida se assemelhe a este ato, ainda que nunca cheguemos a perfeição, somos minuciosamente moldados por meio de experiências. Esculpir uma pedra requer passar por etapas, e há momentos tão incisivos na nossa existência que nos perguntamos se há algum sentido. Etapa após etapa, um nível mais difícil que outro, parecendo, até mesmo, injusto demais para ser vivido. É essa a sensação que surge ao conferir I Know This Much is True (2020), minissérie da HBO, que entregou um relato denso sobre reparação.

Com apenas seis episódios, é fato que o ritmo lento se justifique por conta da história que acompanhamos, mas também, são nos dois últimos capítulos que a estrutura narrativa toma outro corpo, impulsionando a trama com novos elementos informativos. Porém, isso não indica que a ótica com a qual os acontecimentos eram dispostos não fosse suficiente. A lógica seguida entre passado e presente definia muito bem o formato, só não se contava com uma diferente nuance proposta pela direção do também criador Derek Cianfrance.

Baseado no best-seller homônimo de Wally Lamb, I Know This Much is True não é algo fácil de se encarar. Trazendo a história dos gêmeos Dominick e Thomas Birdsey (vividos por Mark Ruffalo), despontamos na história quando um evento trágico nos coloca no ápice da complicada convivência dos irmãos. Um piloto eficiente é aquele que estabelece bem ao espectador as peças para o que será desenvolvido, e Cianfrance encontra êxito nessa tarefa. Porém, com uma das aberturas mais chocantes e arrasadora que poderíamos ter. Contudo, o motor para dar um norte aos episódios estava na incógnita do que se passou três anos antes da cena em questão.

Além das linhas temporais distintas, a excelente montagem incrementava com a construção dos personagens, trazendo passagens da infância, adolescência, até chegar no antes e depois do fatídico episódio numa biblioteca. Sendo assim, a premissa da minissérie é centrada nos irmãos de diferentes personalidades, mas marcados por uma vida amargura e traumas psicológicos. Enquanto Thomas sofre de esquizofrenia paranoica, Dominick vive em desgosto pelas sombras de um casamento mal sucedido, o que acrescenta a esse dissabor, é o peso da responsabilidade oriunda de uma ligação complexa.

Desde o nascimento, a geminidade atraiu atenção da mídia pelo parto curioso: ao tempo que um nascia no réveillon de 1949, o outro era concebido no início de 1950. A partir disso, o show focou a explorar os desafios dessa cumplicidade, onde o choque pelo muito zelo, pelo grande afeto, de inúmeras escolhas que sacrificava prioridades, relacionamentos e, principalmente, a própria personalidade. Tudo isso foi refletido através da figura de Dominick. As consequências de anos nessa troca, caracterizada por momentos sofridos (como se fosse um grande carma se arrastando para trazer uma lição) moldou um caráter reprimido, impulsivo, agressivo, em que o próprio bem-estar deixou de ser considerado. Apesar do forte argumento, o triunfo é magistralmente entregue por Ruffalo.

É inegável como os gêmeos Donnie e Rocco Masihi (intérpretes mirins) e Philip Ettinger (na adolescência) foram fundamentais na composição, mas Ruffalo detém um forte apelo para denotar as diferentes personalidades – tanto que se propôs a ganhar peso, atenuando os traços físicos que o separam. Abrangendo a carga melancólica e abalada expressas nos personagens, junto a cinematografia de Jody Lee Lipes, a direção de Cianfrance buscou extrair o máximo da bagagem dramática, apoiando-se em planos abertos que lentamente assumem enquadramentos fechados, destacando o desconforto intenso e sufocante que toma cada pedaço dos irmãos Birdsey.

Às vezes, no mais obscuro e estranho canto em que a vida nos coloca, o árduo é poder e saber olhar para nós mesmos. Com um equilíbrio marcante, numa produção triste, angustiante e consistente, I Know This Much is True futuca todas as cicatrizes inflamadas, dissecando um relato rígido de vivências miseráveis para falar de consequências, autodescobertas e o segredo que há na reparação.


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