Para quem não conhece, Carola Saavedra é o tipo de autora que gosta de brincar com o dispositivo. Ela usa cartas, pensamentos, transcrição de gravações ou cadernos de anotações para construir suas histórias. O que pode ser usado além de palavras? Ela produz narrativas e sentimentos a partir dessas “quebras”, que são intrigantes e ao mesmo tempo assustadoras.
Em Flores Azuis (Cia das Letras, 2008), ela conta uma história de amor. Um homem recém-separado, em um apartamento novo, recebe uma carta endereçada a outro homem, sem remetente, só com a assinatura A. E esta é uma carta de amor, de uma mulher dizendo o quanto de distância existe entre duas pessoas depois que a relação acaba. Ou melhor dizendo: que a distância é ainda um tipo de ligação entre essas duas pessoas. Que mesmo indo embora, desfazer a ligação que se teve com alguém é complicado, existe uma falta.
Ao longo das cartas, a mulher vai descrevendo aos poucos, como se tomando coragem para dizer tudo, sobre como era o namoro dela com o destinatário, mais especificamente, como foi o último dia, o dia da separação, o fim. Depois de um tempo, você entende os perigos de um narrador em primeira pessoa, como são as cartas dela. Ela mesma admite mentir, ocultar, inventar coisas a fim de machucar o outro. A verdade é confusa.
O livro em si é alternado entre as cartas dela e os capítulos do leitor das cartas. Vemos como essas cartas começam a afetar a vida dele, mesmo que ele nunca tenha visto essa mulher, mesmo se ele a visse na rua não a reconheceria, mas essas cartas o alcançam, o tiram do equilíbrio, o tiram até o sono. E apesar de tudo, ou exatamente por causa de tudo, ele se apaixona por ela.
O que acontece com o leitor do livro é parecido. Essa história nos alcança, nos perturba, nos faz pensar, repensar e duvidar. Nem tudo o que ela escreveu acontece de fato, mas o quanto aconteceu? Existe um limite para ela? Pra esse amor? Essas perguntas nos rodeia enquanto a autora das cartas revela facetas de um relacionamento abusivo, da existência da violência dentro do amor. Mas isso é mesmo amor?
Esse é um daqueles livros que você volta as páginas pra reler, que você marca um parágrafo inteiro, que você fecha pra pensar e que continuam com você mesmo depois da última página. Depois do fim, fica uma angústia, um não-sei-o-quê que incomoda, que você não entende. Passei dias sem saber direito o que escrever sobre Flores Azuis. Até que aqui, de fato escrevendo, percebi que deve ser esse o mesmo sentimento que a autora das cartas tinha no início. Esse não saber o que dizer, mas ainda precisar falar. Esse sentimento de vazio quando algo se perde, mesmo que fosse algo que não te fizesse bem. A raiva e o alívio de ter terminado. De que alguém, mesmo que não você, tenha tido força para ir embora e acabar com esse sentimento.
Carola Saavedra recebeu o prêmio APCA de melhor romance em 2008 por Flores Azuis.
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Aquariana formada em Design – Moda, especialista em comédias românticas, Gerda é a nossa devoradora de livros oficial. Além de acompanhar mangás intermináveis, Gerda domina a arte de dar festinhas em casa e ser hair stylist dos amigos nas horas vagas