O currículo de Charlie Kaufman enquanto diretor ainda não é tão expressivo, tendo apenas quatro títulos – contando com este – nele. Não, Kaufman é muito mais conhecido por seu trabalho como roteirista. O que é bastante raro, são poucos os profissionais de roteiro que conseguem roubar os holofotes desse jeito (o único que me vem à cabeça no momento é o Aaron Sorkin) e, quando o fazem, geralmente tem um motivo muito específico. Sejam os diálogos de Sorkin ou os conceitos completamente fora da caixinha de Kaufman.
Estou Pensando em Acabar com Tudo (I’m Thinking of Ending Things, 2020) é uma adaptação livre de um livro de mesmo nome, escrito por Iain Reid. Quando o material de divulgação do filme começou a circular, anunciando que o roteiro e a direção do filme eram assinadas por Kaufman, quem era familiarizado com o autor e até mesmo quem só soubesse o básico – que ele faz uns filmes estranhos – já conseguia prever que, com certeza, não seria um filme convencional sobre um garoto que conhece uma garota. Na verdade, parece ser exatamente o contrário.
Confesso que ultimamente tenho sentido muita dificuldade em assistir filmes. E por ultimamente pode botar aí alguns anos. Na verdade, não é nem que eu não esteja vendo filmes, só ando me sentindo meio anestesiada da vida como um todo, muita coisa perdeu o sabor, aquela sensação gostosa que dá antes de viajar numa história sem saber exatamente o que vai acontecer ou aquele gostinho de satisfação quando um filmaço acaba, sabe? Não sinto mais com tanta frequência. Talvez seja um reflexo do nosso cotidiano, talvez do cinema mainstream, talvez eu só precise encontrar ânimo para me aprofundar cada vez mais no famigerado “cinema arte”, mas quem é que encontra ânimo para fazer qualquer coisa hoje em dia? Enfim, questões. O fato é que quando eu vi o trailer de Estou Pensando em Acabar com Tudo, uma fagulha dessas sensações me tomou e eu me vi até mesmo ansiosa (!) para a estreia.
E o que posso dizer do filme agora que ele já acabou, eu já vi, já parei pra refletir, já discuti a respeito? Sinceramente, muitas coisas e ao mesmo tempo, nada. Tecnicamente falando é um filme maduro, que não trabalha gratuitamente com seus elementos, mesmo quando escorrega um pouco e perde um pouco o espectador ali no meio do segundo ato. Mas, não foi isso que me marcou de verdade. Se você veio até esse texto procurando por respostas, veio ao lugar errado. Estou muito pouco interessada em destrinchar significados ou descobrir a resposta certa (se é que isso existe) do que fulano queria dizer ao decidir colocar objeto x em lugar y e filmar assim e assado, muito pouco mesmo. Acho que não conseguiria mesmo que tentasse.
Se for usar uma analogia pra explicar melhor o que eu quero dizer vou usar a mesma que Elvio Franklin usou no podcast que gravamos a respeito do filme (ali talvez você encontre o que procura, aliás, clica aqui para ouvir), não estou interessada em falar sobre a montagem do quebra-cabeça, ou da imagem que se completa no fim, mas sim das peças em si.
Estou Pensando em Acabar com Tudo me fez pensar muito sobre o tempo e a nossa impotência para com ele, sobre como ele se encarrega sozinho de acabar com tudo, sem que a gente precise pensar em fazer isso. Sobre como algumas coisas simplesmente são, e não há nada que a gente possa fazer sobre isso e como é difícil aceitar essa inevitabilidade. Sobre como somos apegados e como isso nos adoece, já que tudo é passageiro. Tive a sensação de que os personagens estavam presos num daqueles globos de neve – provavelmente porque neva muito durante o filme – enclausurados em sua própria realidade, memória, fantasia, sem conseguir fugir. Talvez não fosse a intenção de Kaufman falar sobre dinâmicas sociais, relacionamento, velhice, demência, deterioração, solidão e morte, mas comigo, falou.
Essa relação indivíduo-filme é tão rica, tão única e ao mesmo tempo, tão subestimada nos nossos hábitos de consumo, principalmente dentro da cultura pop, que parecer ter por base os extremos, bom ou ruim, zero ou dez, gostou ou não gostou. Queria que não fosse dessa forma, mas como o filme bem me fez refletir, algumas coisas simplesmente são e não há nada que se possa fazer sobre isso.
Então, de toda forma, eis algumas conclusões: Talvez você não goste da experiência de assistir Estou Pensando em Acabar com Tudo por uma série de razões, talvez ache arrastado ou difícil de acompanhar, e tudo bem. Pode ser que você assista, entenda absolutamente tudo o que Kaufman quis dizer com o filme, mas mesmo assim, ache um filme pobre em termos técnicos. E tudo bem também. Até agora nem sei dizer se gostei realmente da experiência no sentido de entretenimento. Mas com certeza me impactou de alguma forma e com mais certeza ainda, era exatamente o que eu procurava, eu estava precisando disso.
Roteirista e podcaster bacharel em Cinema e Audiovisual. Ex-potterhead. Escuta música triste pra ficar feliz e se empolga quando fala de The Last of Us ou Adventure Time. É viciado em convencer as pessoas a assistirem One Piece, apreciador dos bons clássicos da Sessão da Tarde e do Cinema em Casa e, acima de tudo, um Goonie genuíno.