Acquaria – Um grande e desequilibrado passo para o Cinema Brasileiro

 

Acquaria (2003) é uma das poucas e corajosas tentativas de se fazer filmes de aventura e fantasia no Brasil, pelo menos de uma forma mais séria. Podemos dizer que foi o mais perto que nós chegamos de descentralizar o gênero da comédia e pensar em outras formas de fazer filmes com universos de gêneros que estavam em alta naquela época: a fantasia e a ficção científica.

Segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine), o filme Acquaria, chegava às telonas, exatamente, no dia 12 de dezembro de 2003, com a bilheteria de 893.695 espectadores. Seu orçamento girou em torno de 10 milhões de reais, um recorde para um filme brasileiro até aquela época, em que filmes como Matrix, Senhor dos Anéis, Harry Potter e outros sucessos fantásticos estavam ganhando espaço no coração do grande público.

Entretanto, apesar de parecerem bons números, a bilheteria não atingiu a quantidade esperada. A crítica não foi convencida simplesmente pelo grande orçamento, pela presença de um bom elenco ou pelo trabalho de intervenção digital que marcou presença em boa parte das cenas.

Acquaria trata-se do primeiro trabalho de Flávia Moraes como diretora. Ela teve o intuito de fazer um universo pós apocalíptico tendo como tema a conscientização sobre a escassez da água. A produção do filme foi imensa. Teve a participação de Alexandre Borges, Júlia Lemmertz, Emílio Orciollo Netto, o excelentíssimo Milton Gonçalves e uma grande revelação de atuação mirim por Igor Rudolf. Além da icônica dupla Sandy e Júnior, conhecidos pela sua carreira na música e em programas infanto-juvenis na televisão, em que, por sua vez, quiseram propor no filme uma forma diferente dos seus trabalhos anteriores.

A fotografia realizada por Lauro Escorel nos estúdios construídos especialmente para o filme, além das cenas gravadas no deserto do Atacama, no Chile, foi sabiamente decupada e a direção de arte de Tulé Peake, impecável. O roteiro também foi escrito por Flávia e por Claudio Galperin. Inspirado pelos quadrinhos franceses de Moebius além de filmes como Waterworld: O Segredo das Águas (Waterworld, 1995), a sequência de Mad Max (1979) e Matrix (The Matrix, 1999), mas ainda assim seu roteiro deixou a desejar em alguns aspectos.

O filme se inicia em um pequeno vilarejo onde as pessoas vivem em certa harmonia, apesar das condições que aquele mundo os propõe. Após alguns instantes, a casa onde viviam um feliz casal com seus filhos é invadida, seus estoques de água são roubados e logo após tudo é incendiado.

Anos se passam e a narrativa é guiada por Kim (Júnior) um jovem que vive no meio de um deserto junto de Gaspar (Emílio Orciollo Netto) e Guili (Igor Rudolf). Juntos eles trabalham para consertar uma máquina que seria capaz de revelar a localização da cidade de Acquaria e assim, trazer água de volta ao mundo. Certa vez, caminhando pelo deserto, Kim se depara com a misteriosa Sarah (Sandy) à beira da morte e a leva para casa, onde é bem recebida por todos, exceto por Gaspar. Ela passa a viver com eles e a ajudar nas tarefas diárias, enquanto aparentemente esconde um segredo sobre seu passado.

Quanto mais tempo eles passam juntos, mais nós conhecemos sobre o Mundo de areia e a mitologia de Acquaria, que carrega em suas lendas histórias de deuses e maldições, além de toda a esperança dos últimos habitantes do planeta. Há também outros mistérios que rondam o mundo de areia, como a pitoresca casa quadrada de Zavos (Milton Gonçalves) suspensa pela ponta de uma rocha, onde ele atua como uma espécie de marceneiro eremita que produz caixas de funções duvidosas não muito bem explicadas no filme, mas que deixam um gostinho doce de curiosidade no espectador. Acredito que algumas amarras foram deixadas ali na expectativa de uma continuação, porém esse ponto não escapou do alvo das críticas.

Apesar das várias sacadas interessantes da história, algumas infelizes inserções no roteiro (talvez pela tentativa falha de querer juntar o útil ao agradável), não trouxeram a reação esperada. Tais como números musicais que, mesmo colocados em quantidades aceitáveis, não tiveram a sensibilidade de propor uma trilha original para o filme. Optando por reproduzir canções da própria dupla quebrando totalmente o eixo da narrativa. O que, para uma criança, especialmente fã da dupla não vá fazer muita diferença, mas que deixa uma sensação de vergonha alheia para o público de fora dessa configuração. Se Sandy e Júnior disseram que queriam inovar seu trabalho, falharam miseravelmente a partir do momento que decidiram usar a música como chave para alguns engates (não sou capaz de expressar meu descontentamento ao ouvir o Júnior tocando bateria em plena festa de Acquaria). Mas nada que você não possa esquecer rapidamente se fechar os olhos e tapar os ouvidos na hora.

Fora isso, se você parar para analisar o universo de Acquaria, vai perceber que foi muito bem construído. Imagine um mundo futurista pós apocalíptico, numa era (ouso dizer) não muito distante da nossa, em que os últimos seres humanos sobreviventes lutam pelo elemento fundamental da vida: a água. Imagine também seres vivos que têm suas essências guardadas em cristais e seus corpos limitados à disposição de campos de força, em que, caso sejam ultrapassados, serão desintegrados. Imagine toda a esperança de sobrevivência de uma pequena família, vivendo no meio do nada, lançada na lenda de uma cidade engolida pelo mar, nos tempos dos oceanos onde agora é um mundo de terra seca e ventos hostis. Agora imagine todos esses elementos em um longa metragem produzido no Brasil, um país com um grande potencial cinematográfico muitas vezes desperdiçado em conteúdos banais, mas que graças a Flávia Moraes e sua equipe, mesmo com todos os erros, puderam afirmar com sua ousada tentativa em Acquaria, que esse tipo de gênero pode ser feito por aqui. Não só foi um grande passo para ela como diretora estreante, como também um pontapé inicial para instigar realizadores apaixonados por esses estilos.

Cabe a nós, espectadores, tentar fazer um pequeno esforço para assistir os nossos filmes nacionais, sem o olhar julgador colonizado pelas produções de Hollywood e outras produções gringas. É preciso primeiro errar para depois acertar, e dessa forma, quem sabe, nosso cinema cresça e seja valorizado como deve ser.


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