Hellbent – O slasher e o protagonismo gay

Como amantes da arte cinematográfica, já é bem comum identificarmos uma estrutura narrativa. Isso se deve a forma que um nicho foi e continua sendo explorado pelos elementos que o tornaram modelo de sucesso. Vide a comédia romântica: não importa muito se não reinventa a roda, a fórmula segue sendo usada por conseguir conversar sobre várias temáticas com um público familiarizado com os aspectos que dão o tom da coisa. Outro subgênero prestigiado, apesar de não ter mais tantas produções em alta é o slasher. Considerado o primeiro da categoria, O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chain Saw Massacre, 1974) foi também o responsável por conceder o panorama da receita: violência, sexo, drogas, juventude, um assassino mascarado e uma arma implacável. Ainda na década de 70, foi a vez de outro serial killer cravar um legado: Michael Myers e seu Halloween: Noite do Terror (Halloween, 1978).

A partir disso, a década de 80 marcou o auge e saturação da fórmula com inúmeras figuras assassinas tentando faturar da fatia do slasher. Graças ao que as mentes de Wes Craven e Kevin Williamson fizeram com sátira em Pânico (Scream, 1996), o subgênero voltou a chamar a atenção e junto a isso, estourar com mais produções nos anos 2000. Dentre os detestados pela crítica, remakes e o esperado crossover de Freddy vs Jason (2003), a indústria trazia a cada vez o clichê do grupo de amigos vítimas de um psicopata. Então, chegamos em 2004, quando o slasher trouxe o protagonismo gay em Hellbent (2004).

Escrito e dirigido por Paul Etheredge, Hellbent não foi tão apreciado pela crítica quando lançado, porém, a exibição em festivais LGBT, para depois a chegada nos cinemas, atraiu atenção para a questão de se ver mais personagens gays em slashers além das comédias e romances. Apesar dos frutos, o filme é mais um caso que se executado com mais ambição, teria encontrado um resultado superior do que reconhecer as boas intenções.

Como um bom clichê que se preze, o longa trouxe tudo o que a categoria pede: jovens, um evento, bebedice, drogas, sexo e um assassino. É noite de Halloween, e um grupo de quatro amigos compostos por Eddie (Dylan Fergus) fantasiado de policial, Joey (Hank Herris) com trajes eróticos, Tobey (Matt Phillps) vestido como drag e o bissexual Chaz (Andrew Levitas) confiante com o charme, decidem curtir uma festa na cidade, ainda que cientes do casal gay assassinado na noite anterior — esqueci de dizer que estupidez também faz parte do pacote de clichês. Obviamente, o mesmo autor do crime da véspera do feriado já tem novas vítimas para fazer.

Ainda que atrelado a fórmula que o subgênero pede, Hellbent não deixou de ser um frescor, além de carregar um certo carisma quando não precisava apelar para o terror. Tivemos aqui o final boy com o subplot traumático que influencia na sua personalidade — o que leva a uma específica cena que caracteriza ainda mais o tom bizarro e sem clímax, contudo, hilária — o seu affair Jake (Bryan Kirkwood) e amigos doidos para flertar na noitada. Agora, substitua aqui o casal hétero com homem ciumento, o integrante mulherengo com falas machistas, o solteiro e outros estereótipos nos grupos de amigos para um quarteto de caras gays. Assim, a premissa do roteiro abraça um lado cômico dos personagens ao usar e satirizar propositalmente os estereótipos, sendo o que precisávamos para criar empatia.

Dado o histórico slasher, o assassino agia como resposta às práticas dos jovens ali presentes, seja pelo consumo de drogas ou por conta da “fornicação”. Com o passar do tempo, as “motivações” foram ganhando outras roupagens, porém, Hellbent relembrou a regra que o porquê não importa — e até brincou que o culpado pela morte do casal poderia ser um homem de quarenta anos que ainda não saiu do armário, No entanto, à medida que o texto se mostrava inteligente ao se inspirar nos clichês e debochar, Etheredge falhou ao não aprofundar mais da velha ligação entre o killer e às vítimas: para uma festa que se estendia de clubes às ruas, vagamente entendemos que a obsessão (em referência ao título) do mascarado aos conflitos expressos dos personagens. A insegurança de Joey e Eddie para se relacionarem, o descontentamento de Tobey pelo preconceito da comunidade LGBT contra drags, a imprudência do pegador Chaz e a consequência de Jake por estar se envolvendo com Eddie.

Porém, a obsessão não era o único elemento que pontuava o título do filme: apenas de cueca, botas pretas, corpo sarado e máscara com chifres (hell, hell…), o misterioso psicopata fazia sua marca usando uma foice ao arrancar a cabeças de quem matava. Não bastando ser genérica, a direção não soube criar cenas memoráveis de perseguições e nem intimidar com a imagem do chifrudo, cabendo então a edição jogar uns efeitos para validar o sangue falso e injetar tensão em sequências previsíveis. Bem, o trabalho não ajudou muito.

Disposto com um elenco de héteros, baixo orçamento e uma pressa para projetar o filme nas telonas, Hellbent ganhou força através dos personagens, apesar de não ser eficiente ao construir uma atmosfera convincente no terror que pretendia.


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