Diário de um Confinado – Crônicas do isolamento social

O coronavírus parou o mundo e, por consequência, parou o trabalho de muita gente, incluindo os que lidam com audiovisual. Séries e filmes tiveram suas gravações interrompidas e atores e equipes foram enviadas para suas casas para ficarem em isolamento.

Mas quem disse que eles pararam de produzir por conta disso? Claramente nada pára a arte, meus queridos. 

Talkshows e shows musicais, por exemplo, não pararam, apenas se adaptaram, e uma grande leva de produções feitas durante a pandemia vem chegando, como Feito em Casa (Homemade, 2020 – ), da Netflix; Carenteners (2020 – ) da Warner; e claro, a série que vamos falar nesse texto, Diário de um Confinado (2020).

Os 12 episódios de 10 minutos foram gravados seguindo as medidas de isolamento. Joana Jabace e Bruno Mazzeo, que são casados, foram os criadores da série e escreveram o roteiro com a ajuda de alguns colegas. A casa deles foi o cenário e o diretor de fotografia, Glauco Firpo, morou com o casal e os filhos pequenos deles enquanto filmavam. Juntos, eles desenrolaram as outras funções, orientados por outros profissionais.

Os atores convidados, que participam de vídeo-chamadas com Bruno nas cenas, receberam um kit com uma luz de led e dois celulares para eles mesmos instalarem e gravarem em suas casas. Seus figurinos eram suas próprias roupas e os únicos que contracenam pessoalmente com o ator são Débora Bloch, vizinha de apartamento deles, que pegava o elevador devidamente protegida para gravar, e Matheus Nachtergaele, que mora no prédio ao lado e encontra Bruno justamente na rua dos dois.

A minissérie conta a história de Murilo, um homem de 40 anos que está passando pelo isolamento social sozinho em casa e é atravessado por várias questões que todo mundo que esteve em isolamento provavelmente também passou.

Seguindo um molde parecido com o de Cilada (2005 – 2009), temos essas pequenas crônicas, nas quais cada episódio fala de um tema em específico, com momentos de narração intercalados com momentos de história e vídeo-chamadas que acontecem durante o episódio. O entretenimento lembra também o novo quadro do Fantástico, “Como Lidar”, de Paulo Vieira, exceto pelo fato de que esta aborda diversos assuntos, não se atendo apenas ao isolamento social.

O texto, com certeza, é o maior destaque da produção, o qual utiliza humor escapista que ri da angústia de estar isolado, sem se propor a grandes críticas sociais. É algo sobre pessoas que podem estar em isolamento para pessoas que podem estar em isolamento, como eu e você, que temos internet para escrever e ler esse texto.

Em entrevistas, Joana e Bruno falam que tentaram ter cuidado em dosar a comédia, porque a ideia é fazer um recorte micro, é fazer graça sobre os nossos hábitos nesse cenário de ter que ficar dentro de casa, mas não fazer graça da pandemia. Afinal, nem eles, nem ninguém com o mínimo de bom senso e respeito, quer rir dessa tragédia que nos assola (no momento da escrita desse texto, o Brasil já passou de 70 mil mortes).

As atuações são todas ótimas, tornando fácil perceber que os atores estavam com saudades daquilo, bem como que se soltaram e se divertiram durante o processo, que é novo para todos.

Os episódios abordam vários temas recorrentes: pedir comida por delivery, usar máscara, conviver com vizinhos, estar solteiro ou longe do companheiro, cozinhar, fazer exercícios, ter uma reunião online com os amigos. Também sobre limpeza, atendimento psicológico online, criação de uma rotina, hipocondria, medo de estar contaminado, reunião de condomínio ou de trabalho, o relaxamento do isolamento e, por fim, esse famoso “novo normal” de que tanto se fala.

Murilo marca seus dias em casa com aqueles clássicos risquinhos que todo filme de prisão que se preze tem, mas que ao invés de serem feitos na parede, são feitos com um pincel no espelho do banheiro. Inclusive, muita coisa é mostrada através do personagem e dos diálogos que trava, dos assuntos se tangencia com outros, ressaltando pequenas coisas que estamos tendo que lidar, como fazer aniversário durante o isolamento social.

O protagonista vive problemas e situações de classe média, sua mãe é a louca das fake news; ele não sabe lavar o banheiro, nem cozinhar e tem que lidar com isso, o que, do meu ponto de vista, serve até um pouco de crítica para pessoas que são assim na vida real – eu mesmo tenho minha cota de amigos que, literalmente, nunca lavaram uma louça ou não aprenderam a cozinhar sem usar o microondas.

É fácil demais se identificar. Todo mundo conhece alguém que se encaixa naquele estereótipo e vive ou sabe de alguém que viveu algo parecido, como quando ele fala sobre perder a noção dos dias e a família ou filhos interrompendo uma reunião de trabalho ou atrapalhando o home office. Tais assuntos, inclusive, trazem à tona os debates sobre se é melhor (ou pior) ficar em isolamento sozinho ou acompanhado, ou quanto à eficácia das videochamadas em matar a saudade, ou mesmo resolver questões mais sérias (que levante a mão aquele que não fez nenhuma nesses meses, quem não se sentiu carente ou entediado, quem não teve uma onda repentina de tristeza ou quem não viu uma live?)

Além de tudo, o personagem ainda passou pelo desafio de fazer algo que você nunca fez – assim como nós. Para Murilo é lavar e cozinhar, mas para você pode ter sido fazer EAD, se exercitar em casa ou apenas conviver todo dia o dia inteiro com as pessoas que mora. Infelizmente muitas outras pequenas coisas ficaram de fora e poderiam ter sido muitos engraçadas de assistir, como alguém que não aguenta e corta o cabelo dentro de casa ou decide mudar todos os móveis de lugar por puro tédio.

A série finaliza com uma linda e importante mensagem sobre valorizar a arte, sobre a companhia que ela nos fez e faz, em como ela dá um jeito de acontecer, seja com as lives de cantores, ou com essa série gravada durante a pandemia. 

A arte se tornou nossa companhia constante para conseguir suportar esses dias tão difíceis. Quantas lives você assistiu? Quantas séries e filmes assistiu? Quantos livros leu? Alguma dessas coisas, certamente, você o fez.

Diário de um Confinado é uma série muito boa e atual, nos moldes que gostamos de ver Bruno Mazzeo em cumplicidade com a gente, olhando para a câmera e falando algo que é exatamente o que pensamos. Pode ser que a série fique datada ou pode servir de registro histórico. Quem sabe daqui a 14 anos, ela não se torne objeto de sugestão de professores aos alunos, no intuito de entender minimamente como as pessoas ficaram durante a pandemia.

Para os que não tiverem Globoplay, Diário de um Confinado está sendo exibido na Globo e no Multishow.