Todo mundo já ouviu falar de Alphonse “Scarface” Capone, mais conhecido como Al Capone, um dos mais famosos gângsters que já existiram. Capone iniciou seu império na Chicago dos anos 20, contrabandeando bebidas alcoólicas no auge da Lei Seca que vigorou nos EUA naquela época, um ótimo negócio, já que a proibição alavancou o preço do produto no mercado informal. Descendente de imigrantes italianos e conhecido pela sua violência, Capone só foi preso em 1931 acusado de evasão fiscal, uma história que é contada de forma bem teatral, mas empolgante no excelente Os Intocáveis (The Untouchables, 1987), de Brian de Palma e com Robert De Niro no papel do famoso mafioso. Por outro lado pudemos conhecer o início da “carreira” de crime de Al Capone, mesmo que em segundo plano, na série Boardwalk Empire (2010 – 2014), onde observamos o jovem Alphonse, aqui interpretado muito bem por Stephen Graham, crescendo à sombra de grandes gângsters da época como Johnny Torrio e Arnold Rothstein.
Em Capone (2020) o diretor e roteirista Josh Trank nos traz ao último ano de vida de Al Capone, vivendo em uma enorme mansão na Flórida após passar 10 anos na prisão e ter sua saúde completamente debilitada principalmente devido à sífilis, afetando inclusive suas funções motoras e mentais. A primeira coisa que assusta no filme é a escolha do ator que interpreta o gângster. Tom Hardy não tem absolutamente nenhuma semelhança física com o verdadeiro Capone e muitas vezes a escolha parece ter sido feita apenas pela incrível habilidade de grunhir do ator britânico. Mas eu sou dos que defendem Tom Hardy como um grande ator que ele é, e aqui ele mais uma vez não decepciona, entregando um Capone perdido em sua doença e em suas memórias. Confuso, mas sem nunca deixar de lado sua famosa ponta de charuto no canto da boca. O trabalho de maquiagem é bizarro e impressionante, chega a incomodar a visão daqueles olhos sangrentos e do rosto esbranquecido quase como se Capone, que tinha apenas 47 anos quando faleceu devido a uma parada cardíaca, fosse um morto-vivo.
Mas um filme sobre um ex-gângster não é exatamente um filme de gângster e aqui temos um ritmo lento que na edição do próprio Trank parece querer acompanhar a velocidade capenga do próprio protagonista, afinal o filme não parece ter um fim em si que não seja a morte do mafioso. Entretanto algumas problemáticas são levantadas pelo caminho: a difícil relação com a atual esposa Mae (Linda Cardellini), que age muito mais como uma enfermeira cansada e atenciosa naqueles últimos dias; a negação de um filho a muito perdido; a pista de um tesouro escondido; e finalmente o permanente medo de estar sendo perseguido e observado, provavelmente fruto de uma vida inteira tentando não ser apanhado pelo FBI.
Phonse, como agora é chamado já que o nome Al foi proibido pela esposa, vive seu último ano assombrado por seu passado, e a perda gradual das faculdades mentais acaba por embaralhar tudo ainda mais. O filme se encarrega de nos apresentar o declínio daquele que já foi um dos homens mais poderosos do mundo do crime e as consequências que esta vida o levaram a sentir. Mas mesmo assim, aquele último ano de Capone não tinha nada das emoções de seus anos como Scarface, apelido que ganhou por conta de uma grande cicatriz no rosto, desta forma Trank se perde no que nos apresentar naquele momento. Por que eu desejaria assistir ao capítulo final da vida daquela personagem? O que tem de interessante na decadência física daquele homem? Josh Trank descobriu a resposta para estas perguntas, que é seu passado, mas infelizmente não soube conduzi-la como gostaria.
Capone é um filme lento, pesado, e difícil de engolir. Quase como fumar uma cenoura.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.