Artemis Fowl: O Mundo Secreto – O luxo de ser oco

Já não é mais novidade quando Hollywood fala de franquias. Basta a boa recepção vir que logo anunciam a ideia de expandir em mais filmes. Idealizado para invadir as telonas desde 2013 com produção da Walt Disney, a adaptação para os cinemas de Artemis Fowl atraiu a confiança por se tratar de uma obra que conquistou o público, e que não se limitou apenas ao alvo infanto-juvenil, mas também por atingir positivamente todas as idades na história do jovem garoto de 12 anos, gênio, herdeiro de uma família de trapaceiros, que adentra um submundo repleto de fadas, elfos, duendes e trolls a fim de resgatar o pai desaparecido. No entanto, se a Disney contava dar em o primeiro passo para uma nova saga nos cinemas, a coisa não é tão genial assim.

Parte do encanto dos livros escritos por Eoin Colfer se deve pela forma que conseguiu fascinar pelo seu universo, por isso, não é atoa que já conta com oito conjuntos ampliando o personagem central: Artemis Fowl Jr. Voltado a apresentar esta figura, Artemis Fowl: O Mundo Secreto (Artemis Fowl, 2020) a direção de Kenneth Branagh, de Assassinato no Expresso do Oriente (Murder on the Orient Express, 2017), bebeu de uma fórmula que não faz jus ao próprio material que se inspirou, o livro nº 1, Artemis Fowl: O Menino Prodígio do Crime, de 2001. O carinha é um gênio, e na sua aventura inicial, coube ser uma espécie de anti-herói que contraria fadas para ter seu pai de volta. Mas nas telas, logo de cara, a pessoa por trás desta fama carece do que deveria ser objetivo desta empreitada: simpatizar ao espectador.

O nome escolhido dentre 1200 candidatos para dar vida ao excêntrico personagem é o irlandês Ferdia Shaw, que de nada convence do suspense inferido para introduzir à capacidade do protagonista. A cena que então conhecemos Artemis se parece com um ensaio de tão mecânica: era para mostrar o quanto ele é sagaz, inteligente, de que nada adianta subestimá-lo, mas resulta num travado jogo de diálogos calculado que a partir dali perde a oportunidade principal desta adaptação: credibilizar aquela figura. Dentre os 1200, Ferdia é jovem, com toda a essência necessária para despontar a primeira aventura deste garoto que está conhecendo o meio a que pertence, e de muita responsabilidade, mas aqui temos um caso o qual a própria história não favorece o que almeja vender.

Uma vez que fraqueja em criar uma ponte de simpatia entre seu protagonista e o público, a adaptação corre a passos escuros apostando que já tinha o suficiente para apresentar o tecnológico e caprichado submundo mágico. E de fato, o que vemos lá se mostra um deleite visual, mas que ao mesmo tempo não se arrisca na criatividade ou em caracterizar mais da cultura estabelecida no local, assim, de maneira rasa, esbanja personagens de personalidades caricatas e inclinações específicas, e depois segue em tratar o cenário como palco de bons efeitos especiais numa batalha que não passa de promessas.

A impressão é que o roteiro passado por duas cabeças pegou a ideia do menino gênio, sacana, que joga com quem for para resgatar o pai Artemis I (Colin Farrell), e foi resumida na execução abarrotada de Branagh, tentando fazer um monte de micro ideias acontecer, dispostas numa duração mediana que tinha a simples intenção de cativar o público na primeira missão de uma jornada. A conclusão é de um projeto inconsistente e sem personalidade que termina não convencendo qual a sua finalidade.

E nesta dança, se já não contava com um apelo consistente do protagonista, os demais personagens são apenas peças jogadas no tabuleiro. Há um excesso bizarro de figuras que não ultrapassam o limite da introdução e sacadas manjadas, desprovidos de carisma e incapazes de ser valorizadas dentro da proposta. Temos aqui a peça humorística, a peça com a cartela para frases de efeito, a peça da vilania, peças que são esquecidas e voltam como parte de sequências emotivas. Em suma, não houve espaço para desenvolver tantos elementos sem os deixar perdidos no próprio jogo.

A consequência de apostar na premissa pronta, tão desgastada, é não perceber o risco de não desenvolver uma identidade. Artemis Fowl quis ser ambicioso e competente, com um mote genial, se despedindo na esperança de ter depositado o êxtase necessário para poder retornar com o potencial que tem. O que as fadas não contaram, é que não é suficiente ser trapaceiro se não tem a magia para fazer acontecer.