Gostaria de começar dizendo que escrever esse texto é um enorme desafio. É difícil colocar em palavras toda a potência que a australiana Hannah Gadsby traz em sua comédia, área na qual ela possui mais de 10 anos de experiência. No entanto, foi em 2018 que Hannah ganhou destaque mundialmente. O motivo? Nanette, seu especial para a Netflix. E se você está achando que eu vou me atrever a falar sobre ele, está completamente enganado. Felizmente, a Tay Moreira já fez esse trabalho árduo, e fez com maestria. Recomendo a leitura deste texto lindo. Caso você não tenha assistido a esse show, não se contente em apenas ler o texto. Faça um favor a si mesmo e assista. Se possível, mais de uma vez.
Entretanto, para falar de Douglas, o novo especial de Hannah, preciso destacar alguns pontos abordados em Nanette. São eles: os traumas que ela carrega por conta das diversas opressões que sofreu por ser mulher e lésbica; as reflexões sobre o humor autodepreciativo; as críticas ao patriarcado e a decisão de abandonar a comédia. Mas se ela tomou essa decisão, como eu posso estar escrevendo sobre seu novo especial? Bom, aparentemente Hannah desistiu de desistir, e eu estou profundamente grata.
Apropriando-me um pouco de uma das falas de Nanette, enfatizo que não há nada mais forte do que uma mulher que se reconstruiu. Em Douglas, essa força está escancarada. O especial é uma grande virada de página. No primeiro minuto, Hannah brinca com a repercussão de Nanette e pergunta o que o público espera desse novo show, avisando que não sobrou nenhum trauma para contar. E é aí que ela faz uma das coisas mais brilhantes desse especial: Hannah dedica os primeiros 15 minutos do seu tempo para contar ao público a estrutura completa do seu show, dizendo exatamente os principais temas que ela vai abordar e tudo que ela vai fazer. Enquanto eu assistia, tive medo de que isso fosse estragar o set, e me perguntei se daria certo. Sim, dá certo. Esse alinhamento de expectativas potencializa as piadas, as críticas, as revelações e as histórias contadas.
Hannah começa abordando as diferenças existentes entre o inglês americano e o australiano. A partir das particularidades destacadas, ela introduz uma história que, ao mesmo tempo, explica o nome do show e serve como um disparo para boas doses de críticas ao patriarcado. Sim, teremos mais. Apontamentos sobre misoginia? Confere. Aula de Arte? Teremos também. É um Nanette 2? Não. De maneira nenhuma. Apesar de Douglas trazer algumas temáticas que também estão no primeiro especial, a abordagem é outra. O clima é diferente, mesmo ainda tendo alguns traumas no meio do caminho.
Em Douglas, Hannah dedica uma parte do set para provocar os seus haters, que costumam dizer que ela não é engraçada, que ela só dá aula de arte e coisas do tipo. Hannah utiliza esses comentários como armas a seu favor e dispara contra quem os faz. Uma das frases do show que vale a pena destacar é “seu ódio é a minha vacina”, onde ela mescla o tópico dos haters com sua fala sobre o movimento antivacina. Essa fala sobre tal movimento é muito importante, pois um dos pontos principais do especial é que Hannah revela ter autismo.
A afirmação que as doses de ódio fazem com que Gadsby se torne cada vez mais imune a ele, combinada com a informação sobre o autismo, ganha um significado muito maior e representa o tom do show: uma Hannah que não utiliza mais o humor autodepreciativo e vê beleza em quem ela é.
Outro ponto extremamente potente é quando Hannah conta uma história de infância em que ela destaca como o seu jeito de pensar sempre foi diferente, mas ela só foi capaz de entender o motivo quando recebeu o diagnóstico de autismo, e isso aconteceu há poucos anos. Nos momentos finais do especial, Hannah diz que existe beleza no jeito que ela pensa e ela gosta de pensar assim. A sensação, ao terminar de assistir o show, é de alegria e admiração. Douglas reforça Hannah como a mulher forte, inteligente e engraçada que ela é, mas, principalmente, mostra uma mulher que se ama e conhece o seu valor.
Lá no começo do texto, eu disse que seria um grande desafio escrevê-lo. E foi. Tenho total consciência de que a minha capacidade de escrita e síntese não chega nem perto de ser suficiente para passar da melhor forma toda a força da comédia de Hannah Gadsby. Portanto, faça outro favor a si mesmo e assista Douglas. Se possível, mais de uma vez.
Formada em Cinema e Audiovisual Carlini, ou “Carolcol” para os íntimos, é animadora, roteirista e dona das melhores tiradas no site Twitter. Por fora parece a Docinho mas por dentro é a Lindinha das Meninas Super Poderosas, inclusive no tamanho. Carol é a única pessoa do mundo que nunca viu Dragon Ball e não entende quem não acha graça no Último Programa do Mundo.