Mythic Quest: Raven’s Banquet – It’s always sunny in… video games?

Sempre que videogames ou jogadores (agora, como gamers) são exibidos na televisão, não é uma boa aparência. Geralmente, ambos são tratados como desperdícios de tempo, nerds dedos de salsicha, “bros” e perdedores que estouram espinhas em porões. Nem tudo isso deixa de ser verdade, mas é uma preocupante imagem para indústria que é tida como uma das mais rentáveis ​​em entretenimento no mundo. Muitas vezes, chega ser “A” mais rentável.

Mas em Mythic Quest: Raven’s Banquet (2020 -), a nova comédia da Apple TV+, junto com a Ubisoft, e criada por Rob McElhenney da aclamada, mas obscura, It’s Always Sunny in… Philadelphia (2005 -), a indústria e sua comunidade finalmente ganham o respeito que merece. Ou seja, é meio que ridicularizado, mas que parece propício. A comédia se passa no escritório dos desenvolvedores do popular (e fictício) jogo de RPG online multiplayer (MMORPG) Mythic Quest (pense no World of Warcraft) na véspera estressante do lançamento do primeiro pacote de expansão do jogo, Raven’s Banquet. A série tem algumas vibrações de The Office (2005 – 2013) ou Parks and Recreation (2009 – 2015), por causa de seu ambiente de trabalho, cheiros de Silicon Valley (2014 – 2019), por causa do absurdo da indústria de tecnologia e da vida corporativa e, na melhor das hipóteses, algumas declarações culturais desajeitadas e desconfortavelmente espremidas de It’s Always Sunny. (E com as mentes de McElhenney, Charlie Day e Megan Ganz a bordo como showrunners e escritores).

McElhenney interpreta Ian Grimm, o diretor criativo do jogo cuja ideia de um “brainstorming” é brincar dentro do estúdio de captura de movimento. Ele é cheio de uma sensação de megalomania, como muitos chefes de comédias doidos à sua frente, mas que é completamente baseada em algumas personalidades conhecidas da comunidade de games, como os egocêntricos John Romero e Todd Howard. As esperadas piadas surgem de sua equipe tentando, freneticamente, acompanhar suas ilusões de grandeza. Felizmente, há um grande elenco e uma divisão de poder dentro da empresa para controlar Ian e fazer esse trabalho funcionar. Danny Pudi se torna o Abed do mal – fãs de Community (2009 – 2015), entenderão – como Brad, o chefe de monetização que nunca deixa um patrocínio corporativo deixar passar. F. Murray Abraham interpreta o escritor principal do Mythic Quest, um autor de ficção científica cuja idade e falta de noção são suas maiores qualidades. David Hornsby é David, o produtor executivo de capacho que nunca consegue ter o respeito que procura.

Mas os melhores personagens de Mythic Quest pertencem às suas mulheres. Como mulher e pertencente nessa comunidades de games desde criança, me reconforta bastante ver a quantidade e a qualidade dinâmica de personagens femininos com trejeitos e pensamentos diferentes, que não apenas me faz lembrar de mim mesmo, mas como de várias outras amigas e colegas que só jogam como hobby ou que estão (tentando) trabalhar na indústria. Lembremos que uma narrativa como esta vem logo seguido do gamergate, que relatou casos de assédio e invisibilidade para com a presença feminina na indústria. Então, apresentamos a força motriz da série:

Poppy (Charlotte Nicdao): A co-líder do programa e chefe de programação e engenharia, que frequentemente, bate boca com Ian por causa de suas visões grandiosas, muitas vezes de forma agressiva, mas muito por estar inserida numa indústria dominada por homens. Uma das poucas pessoas sãs do escritório, a ambição e a vontade de Poppy para ser reconhecida por seu trabalho, bombeia o sangue de Mythic Quest, sem fazer de Poppy o alvo da piada. Como a Sweet Dee de Sunny, ela está frequentemente diante de um grupo de insultos disparados por seus colegas de trabalho, mas isso apenas destaca o ridículo da cultura  do escritório e faz os caras parecerem mais tolos e imbecis. No entanto, ela não é a figura do personagem feminino rígido de uma comédia de escritório e não é imune a ser sugada pela bobagem do espaço de trabalho, como sua ideia em “Dinner Party”, uma mecânica no jogo projetada para facilitar a comunicação entre guildas e jogadores que ela apresenta com olhos arregalados e uma “voila!” gesto de mão. Poppy é ótima.

Jo (Jessie Ennis): A assistente de David, talvez a personagem com o maior número de quotes da série. Uma sociopata sedenta de poder e propensa a falas cheias de violência e escuridão. Ela é claramente um recorte para uma certa parte de jogadoras, que por estarem incluídas num lugar predominante masculino, acabam não aderindo ideais de sororidade e feminismo. E também por ser total sociopata.

Sue (Caitlin McGee): Gerente da comunidade e redes sociais de Mythic Quest, ou seja, a pessoa que tem que lidar com os malucos na internet. Com seu escritório fechado e situado no porão do prédio, ela aparenta que está a uma queixa de usuário longe de um surto psicótico completo. 

E as testadoras, as beta testers, Rachel (Ashly Burch) e Dana (Imani Hakim), acrescentam a história romântica do programa e um puro sentimento de amor pelos jogos; colocar as mulheres nesse papel é uma grande subversão do estereótipo e mais representativa do público de jogos atualmente.

Em menor aparição durante a temporada, temos Michelle (Aparna Nancherla), a única outra programadora além de Poppy, que já desgastou toda sua energia e felicidade na manutenção do jogo, mas que traz um outro olhar sobre a competitividade dentro da indústria; e Carol (Naomi Ekperigin), a gerente do RH que todos confundem como terapeuta.

Uma coisa que mais me chamou atenção enquanto assistia Mythic Quest é que tanto os videogames como seus fãs são retratados com precisão. Ninguém está os menosprezando, mesmo quando há uma crítica ferrenha há determinados aspectos nessa nova cultura de jogos e principalmente, tudo que os cerca (de youtubers à grupos de MMORPG). Mas as piadas e situações lúdicas apropriadas estão lá, porque a indústria de jogos é objetivamente louca. O ridículo das personalidades da comunidade de jogos é destacado na forma de um Youtuber de 14 anos, petulante, cuja influência pode fazer ou quebrar um jogo, mas durante uma convenção de jogos/e-sports em um episódio posterior não está transbordando com nerds ou idiotas com excesso de peso fazendo cosplay. Os tempos mudaram. Quando um grupo de programadoras do ensino médio chega ao escritório do Mythic Quest para se inspirar em Poppy, David só vê empregados do sexo masculinos no alcance dos olhos. Mas isso é uma piada vinda de uma série de comédia, porque você se lembra de que metade dos personagens principais é do sexo feminino. É senso comum fazer piadas que os jogadores fariam sobre jogos, em vez de piadas que não-jogadores fariam sobre jogadores, é o que mantém a harmonia em Mythic Quest.

Na melhor das hipóteses, o Mythic Quest transforma as peculiaridades da indústria de jogos em comentários sociais sobre o mundo em geral. Um dos melhores episódios da temporada, escrito por Ganz, se aproxima do território de It’s Always Sunny quando um grupo de ódio se forma dentro do jogo e os produtores precisam descobrir como resolver o problema de se livrar de um monte de nazistas sem alienar partes de sua base de usuários. E embora o Mythic Quest funcione de episódio a episódio, histórias e piadas circulam pela temporada inteira, trazendo subtramas de volta nos episódios posteriores para se tornarem problemas ou soluções maiores.

O melhor exemplo disso ocorre no meio da temporada, em um episódio que quebra o formato e a narrativa e nos faz voltar para os anos 90 e mal apresenta qualquer pessoa do elenco principal. É um momento único, maravilhoso, com dois atores fantásticos – que não vou dizer aqui para não estragar a surpresa – ensinando uma lição valiosa de criatividade versus lucratividade que vai até o final da temporada. É quase engraçado, mas também é um dos melhores e mais sentimentais episódios de TV que vi este ano. Me lembrou a grande e esquecida Halt and Catch Fire (2014 – 2017).

Infelizmente, nem tudo se concretiza ou mantém o ritmo na segunda metade da temporada, com histórias criadas pelo episódio 4 que diminuem o potencial, à medida que outras distrações e histórias episódicas ocupam mais espaço. Ainda assim, continua engraçado como um dos melhores lançamentos da comédia e termina com uma nota alta suficiente pra me fazer esperar ansiosamente pela segunda temporada, que ainda bem, já está sendo gravada.