Sex Education: 2ª Temporada – Se organizar direitinho, todo mundo aprende

Séries adolescentes com conteúdo sexual não são uma novidade na cultura pop. Jovens, por estarem numa idade de descobrimento e aceitação  costumam procurar produtos de mídia que os represente. Skam (2015 – 2017), Skins (2007 – 2013) e, recentemente, Euphoria (2019 -) são exemplos de séries que fizeram muito sucesso por trabalharem o sexo e as relações afetivas com naturalidade e sensibilidade, conversando assim com o cotidiano de muitos adolescentes. Ao mesmo tempo, a produção de conteúdo informativo cresce a cada dia, principalmente sobre assuntos que são considerados tabus na sociedade. Isso pode ser observado em canais de YouTube, como o Manual do Homem Moderno e Jout Jout Prazer; podcasts como o Sexoterapia e documentários como Sex Explained. Apesar de serem voltados para o público adulto, esse tipo de conteúdo está conquistando uma audiência cada vez mais jovem. Com isso, unindo o entretenimento e a informação, a gigante do serviço de streaming decidiu lançar a série Sex Education (2019 -).

Criada por Laurie Nunn, a série conta a história de Otis (Asa Butterfield), um adolescente reprimido sexualmente que vive com sua mãe Jean (Gillian Anderson), uma terapeuta sexual. Por ter estado em contato com a teoria do sexo a sua vida toda, Otis juntamente com Maeve (Emma Mackey), sua colega de sala, decidem montar uma clinica sexual para ajudar os estudantes da escola em que estudam com seus problemas.

Em sua primeira temporada, Sex Education tem como foco desenvolver o trio de protagonistas, juntamente com o ambiente escolar, utilizando as consultas de Otis para apresentar ao público todos os personagens que compõem Moordale. O arco de aceitação de Eric (Ncuti Gatwa) por sua família, a autodescoberta de Otis ao aprender a se tocar e a desconstrução da personalidade rebelde e estilo de vida de Maeve são o ápice da temporada. Entretanto, a trama é composta de subplots que enriquecem todos os personagens secundários, algumas vezes, tornando-os até mais interessantes do que o próprio trio de protagonistas. O primeiro ano de Sex Education consegue trabalhar com os estereótipos já pré concebidos dos filmes e séries de high school sem cair na mesmice, dando para cada personagem secundário o tempo de tela necessário para este torna-se interessante. Presenteando, assim, o público com discussões de diversos temas, como: fanfiction, fantasias sexuais, vaginismo, revenge porn, masturbação feminina/masculina, ejaculação precoce/retardada, aborto, homofobia, relacionamentos LGBTQ+… Todavia, nem só de sexo vive Sex Education, a série também tira um tempo para discutir religião, relacionamentos abusivos no âmbito familiar e em como os pais projetam seus sonhos nos filhos.

Já a segunda temporada começa trazendo desde o início a discussão sobre transmissão de DSTs. Apesar de tratar de maneira bem humorada a histeria coletiva que acontece na escola, o programa mostra que grande parte dessas doenças podem ser evitadas pelo simples uso de uma camisinha, além de explicar que uma doença sexualmente transmissível, como o próprio nome diz, não se transmite pelo ar, por um aperto de mãos, por um beijo, um abraço… A contaminação acontece apenas por sexo oral, vaginal e anal sem o uso de preservativo e a discussão desse tema, principalmente entre os jovens, é importantíssima. Não só pela sua relação com a saúde do indivíduo, mas pelo preconceito que as DSTs carregam, sendo que muitas, depois do tratamento necessário, somem do corpo da pessoa. Mesmo que outras, como o HIV, acompanhe o indivíduo pelo resto da sua vida, ainda assim existem tratamentos para que a carga viral se torne indetectável, com isso, não correndo mais o risco de transmitir o HIV para outras pessoas. Além do mais, também já existem o PEP e o PrPE, esses que são medicamentos, disponíveis no SUS, usados para combater o vírus depois de um possível contato e antes de um contato. Portanto, uma pessoa portadora de qualquer doença desse tipo só é excluída da sociedade e sofre preconceito por pura falta de conhecimento dos demais.

Outro assunto que também percorre essa nova temporada é como a educação sexual deve ser trabalhada na escola. Desde o primeiro ano do programa é apresentado para o público que os alunos de Moordale tem esse tipo de aula presente no currículo, porém a sala de aula é sempre tratada de forma cômica e o próprio professor é exibido com um claro despreparo para lecionar esse tipo de matéria. Essa inaptidão dos profissionais a respeito desta temática conversa muito com o modo que a educação sexual é tratada no ensino médio da nossa sociedade, isso quando ela existe. Apesar da Base Nacional Curricular Comum recomendar o ensino de educação sexual nos colégios, essas recomendações são muito simplistas e biológicas, permitindo que às instituições de ensino lidem com esse assunto voltando o sexo para o viés reprodutivo, apenas tratando de como funciona o pênis e a vagina. E, apesar do sexo pelo sexo ser algo simples, a escola tem como dever expandir o repertório cultural do estudante, aulas dialogando sobre orientação sexual, identidade de gênero, sexo biológico e expressão de gênero, juntamente com o modo como lidamos com o nosso prazer deveriam estar presentes na formação das novas gerações. A própria série direciona seu discurso para esse rumo, quando Jean busca saber com os próprios estudantes o que e como eles gostariam que fosse administrado nessa disciplina.

Como se não bastasse, é impressionante a naturalidade com que Sex Education trabalha o meio LGBTQ+. Essa temática está presente nas duas temporadas e recebe um foco considerável da narrativa. Tendo os relacionamentos gays e lésbicos tempo de tela para desenvolver seus dilemas, às vezes, únicos. Contudo, a série brilha mesmo quando aborda o feminismo. O episódio 5 da primeira temporada “It’s my vagina” demonstrou a capacidade do show em trabalhar a sororidade, mas foi na segunda temporada que esse tema ganhou os holofotes que merecia, com o arco da personagem Aimee (Aimee Lou Wood) onde Maeve e um grupo singular e heterogêneo de alunas unem forças para ajudá-la a lidar um assédio sofrido no ônibus.

Além disso, temas como pílula do dia seguinte, falta de sexo no casamento e masturbação feminina também ganham mais foco no segundo ano. Esses dois último sendo de extrema importância nas rodas de conversa atuais, já que pesquisas recentes comprovam que menos de 20% das mulheres gozam com a penetração e a grande maioria não costuma receber um sexo oral decente dos parceiros. Esse cenário acontece devido a falta de preliminares e a idealização masculina do que é o sexo por via do pornô, este que é feito de homens para homens, sem levar em conta o prazer feminino. Obviamente, masculinidade tóxica, busca pela performance na cama e a falta de diálogo também são os culpados por essas estatísticas, mas o fato é que o público feminino não está sexualmente satisfeito com o sexo realizado pelos seus parceiros, levando esse assunto para muitos consultórios terapêuticos. Ter uma série como Sex Education, tratando do prazer feminino com tanta sensibilidade é mesmo uma boa notícia.

Todavia, algumas coisas ainda podem melhorar, o novo ano tem como foco desenvolver os relacionamentos do trio protagonista e dos frequentadores da escola, e apesar da série tratar de diversos temas polêmicos e vender-se como “fora da caixinha”, ela ainda mantém a sua estrutura narrativa baseada no amor romântico, na moral/ética cristã e na monogamia. Em nenhum momento dos 16 episódios é desenvolvida uma relação poligâmica, um relacionamento aberto ou até mesmo uma amizade colorida. Ao invés disso, os roteiristas mostram que para Jean ser realmente feliz ela deve largar o seu estilo de vida de sexo casual para encontrar um único homem que a ame de verdade. O relacionamento da sexóloga com Jacob (Mikael Persbrandt) funciona e é bem desenvolvido, porém minha inquietação com a série é que só existem relacionamentos assim e que todo o desenrolar dos episódios baseia-se na busca por alguém que complete a pessoa, usando o ciúme, a insegurança e a possessividade como força motriz na história dos 3 protagonistas. Em nenhum momento é mostrado para o público que tudo bem você gostar de mais de uma pessoa e tudo bem você não querer ter algo sério com ninguém. Eu entendo que por ser um programa adolescente ele busca trabalhar com os problemas que afetam a maioria do público alvo, mas já que a série divulga-se como desconstruída e madura, seria interessante mostrar que existem diversos outros jeitos de se relacionar com as pessoas. Isso, atrelado ao desenvolvimento de inteligência emocional, solitude e responsabilidade afetiva seria uma boa novidade para a terceira temporada, sendo que esse último agregaria muito ao personagem do Eric, ainda mais depois do episódio 8 da segunda temporada.

Sex education é uma série sensível e empática que através de personagens carismáticos e um diálogo objetivo consegue comunicar-se com o público adolescente, assim, passando o conhecimento básico necessário para despertar a curiosidade do espectador sobre determinado assunto. É também de uma importância gigantesca para o jovem brasileiro, já que as políticas públicas estão tornando-se cada vez mais conservadoras e cristãs, com isso, privando o jovem de aprender e tirar suas dúvidas e conclusões a respeito do que o aflige. Em um país onde o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos une forças com o grupo “Eu Escolhi Esperar” para priorizar a produção de materiais didáticos para as escolas defendendo a abstinência sexual como forma de prevenir a gravidez na adolescência, uma série como Sex Education deve ser incentivada e divulgada. O adolescente sabe que está sentindo alguma coisa nesse momento da sua vida e reprimir isso ao invés de se autoconhecer pode gerar problemas psicológicos e de saúde terríveis na vida adulta. Além disso, preconceitos são propagados por pura falta de conhecimento e reflexão do indivíduo a respeito de determinado assunto, então, para melhorar nossa relação com o sexo devemos conversar sobre ele desde cedo, afinal, se organizar direitinho, todo mundo aprende.