Retrospectiva | You Me Her – Três é um bom número

E vamos agora contar uma linda história de amor, recheada de clichês, de momentos de drama e de sorrisos. Antes de tudo é importante entender alguns termos, termos esses não muito usados ou conhecidos, até mesmo respeitados. ;

Poliamor: ‘Poli’ vem do grego ‘muitos’, e ‘amor’ do latim ‘amor’ (quem poderia advinhar?) e o poliamor é um termo usado para definir relações amorosas para com mais de uma pessoa de diversas formas. Acreditemos ou não, existem pessoas capazes e dispostas a amarem mais de uma outra pessoas, de forma sincera e pura. Nem toda forma de amor é pautada sobre o ‘senso comum’ de que temos apenas uma alma gêmea ou até mesmo de que o ‘amor é para sempre’. 


TEMPORADA 1

Eu, Tu e Ela (You Me Her, 2016 -), criada por John Scott Shepherd, e conta a história de três pessoas se apaixonando e enfrentando as múltiplas dificuldades de navegar por um relacionamento não convencional em uma sociedade pautada em relações monogâmicas (entre apenas duas pessoas) e heterossexuais. Sua estréia aconteceu no dia 22 de Março de 2016, começando a história de amor de Emma (Rachel Blanchard), Jack (Greg Poehler) e Izzy (Pricilla Faia). 

O casal, aparentemente heterosexual, Emma e Jack Trakarsky, em seus trinta e poucos anos, tentava engravidar mas passava por dificuldades com sua vida sexual, já não tão ativa como um dia já foi. Os dois tem suas próprias vidas, amizades e nenhum se encontra atualmente satisfeito com os rumos da vida. Após uma tentativa de apimentar seu apetite sexual, Jack termina por conhecer Izzy e o encontro termina por passar a gerar emoções conflitantes pela parte de Jack.

Uma vez Jack decide ser sincero com Emma sobre seu encontro, então ela resolve pagar na mesma moeda e termina marcando um encontro com a mesma mulher – Izzy. Por uma razão do destino, Emma termina por sentir algo por Izzy de maneira semelhante à qual Jack se sentiu. O relacionamento do casal começa a dar uma melhorada na vida sexual, mas ambos continuam sentindo a falta de Izzy. Isso termina por fazer os três passarem a desenvolver uma forma de relação, pautada em acordos entre os três e isso evolui de forma romântica.

Como qualquer romance, a história conta com amigos e confidentes dos protagonistas, estes nem sempre sendo capazes de entender muito sobre os sentimentos ou o formato de relação estabelecidos entre os três. Não é algo incomum, se nem os protagonistas sabem exatamente como navegar seus sentimentos seria pedir muito de seus amigos (monogâmicos) entenderem perfeitamente como isso funciona. 

No meio de toda a confusão, ainda existe um atual namorado de Izzy no meio e o fato dela sentir algo por Emma e Jack mas estar incerta sobre seu local dentro da vida deles. Afinal, ela é apenas uma peguete para eles, mesmo sentindo algo a mais. Tanto Jack quanto Emma levam mais tempo para entender a profundidade de seus sentimentos por Izzy e, uma vez já entendendo, os dois optam por não tentar investir nestes sentimentos. É importante reconhecer o quão bagunçada fica a vida de um casal se eles optarem por socialmente se envolverem com uma terceira pessoa. 

Querer viver um relacionamento fora do convencional desta forma seria uma loucura, especialmente considerando o fato de Emma e Jack ambos terem sua vida já estável e eventualmente um bebê a caminho. É exatamente essa ideia que nos leva a uma das cenas mais marcantes do cinema romântico, quando a mocinha – nesse caso Izzy – está para embarcar num avião e o mocinho – representado por Emma e Jack – corre para a impedir e declarar seu amor.

Poderíamos estar falando do final de Friends, mas é isso que marca o final da primeira temporada de ‘Eu, Tu e Ela’ com a ideia de que o trisal agora poderá viver sua história de amor. A forma como a primeira temporada consegue trabalhar os clichês do romance e aplicar para um relacionamento poliamoroso entre três pessoas torna tudo um pouco mais gostoso. As melhores pegadas da comédia da temporada estão exatamente em como o mundo reage ao romance entre os personagens.

Por se tratar de uma forma ‘nova’ para uma comédia romântica, a própria história dá passinhos de bebê na descoberta dessa forma de se relacionar. É importante ter estes personagens lidando com suas inseguranças e medos quando se trata de assumir uma relação afetiva à três. A construção do romance é bem cuidadosa ao longo da temporada em não tentar beneficiar mais uma relação entre apenas duas partes, mostrando os momentos românticos e sexuais entre todos os três de forma semelhante. 

A trajetória de compreensão sobre a veracidade dos sentimentos, sobre como o sentimento se encaixa com o imposto pela sociedade, é bem divertido de se assistir. Ainda há uma presença muito grande sobre o amor ideal aqui (ou os amores ideais), mas a série trás uma narrativa bem original usando conceitos já muito utilizados, os extrapolando e muitas vezes até tirando sarro dos mesmos. 

Muitas das piadas recorrentes da série saem da visão monogâmica dos personagens, inclusive o trisal protagonista, e dos muitos preconceitos presentes na sociedade em geral. Ainda assim a série deixa muito a desejar quando trata de explorar os próprios personagens fora do relacionamento e também quebrar a visão dicotômica sobre monogamia e heterosexualidade. 


TEMPORADA 2

E depois do aeroporto? E o que acontece depois do felizes para sempre? Essas são as perguntas principais a serem respondidas pelo enredo quando a segunda temporada da série retornava, dia 14 de Fevereiro de 2017. O trio ainda estava no aeroporto, aproveitando o seu momento de lua de mel antes de decidir o que seria deles agora. Afinal, as comédias românticas nunca mostram exatamente como o reencontro no aeroporto se desenrola.

Uma das pegadas mais importantes da segunda temporada é como a narrativa dá validade à bissexualidade de Emma, enquanto os próprios personagens duvidam disso. A personagem viveu em um casamento com um homem por muito tempo e isso de nenhuma forma a tornou ‘hétero’, a narrativa tratar deste assunto da forma com que o faz é de extrema importância. Ter não apenas uma mas duas personagens bissexuais como protagonistas, realmente usando esta palavra com todas as letras, faz da série algo realmente importante – a certo nível. 

Enquanto ciúmes possa ser uma coisa bem previsível de ser abordada durante uma série sobre poliamor, a forma como a segunda temporada lida com isso cai em certos buracos. Não por ser esperado, mas por ser um problema muito simples e sua resolução é mais demorada do que o desejado. Além de tratar sobre ciúmes, a série também mostra o personagem Jack sendo incrivelmente bifóbico com sua esposa Emma e acreditando que ela na verdade teve apenas uma ‘fase’ hétero.

O enredo pode ser bem difícil de ser engolido, ainda mais com Emma e Jack sendo responsabilidade de Emma. Ela é quem mais luta para os três estarem juntos, mesmo quando há problemas muito atenuantes entre os dois. A temporada se alonga muito no local de Izzy dentro do relacionamento, pois por parte da mesma ela parece ainda ser uma pessoa ali para dar suporte ao relacionamento dos outros dois. E isso nos leva então para mais um termo interessante para ser levado em consideração se tratando da temática da série. 

Segundo Elizabeth Sheff: “O unicórnio é uma mulher bissexual sem apegos que quer sair (ou simplesmente ter um menage à trois) com um casal homem/mulher já existente. Ela é tão rara quanto a criatura mítica. Em sua forma mais exagerada ela é uma jovem solteira e disposta a se mudar para a fazenda rural dilapidada do casal [..]” Dentro da não monogamia há também um acontecimento recorrente, trazendo uma das pautas deste trabalho, a unicornização. Esta faz parte de um ideal romântico poliamorista trazendo para a não monogamia a ideia de uma pessoa capaz de satisfazer e agradar, se encaixar na vida, não só de uma pessoa mas de duas que fazem parte de um casal.”

Pode-se dizer sobre o arco de Izzy ser totalmente pautado nesse não local dentro do relacionamento estabelecido com Emma e Jack, em como ela deseja pertencer e ter algo dela e não apenas estar no território deles. É outro arco de extrema importância dentro da temática do poliamor, mostrar em como ter um relacionamento a três é muito mais do que apenas convidar alguém para algo existente mas sim fazer algo novo ali mas com todas as pessoas envolvidas nesse ‘algo novo’. 

A segunda temporada mostra a primeira relação entre o trisal e os pais de um deles e como essa outra geração leva o amor e a relação do trisal. Ainda se trata de uma comédia romântica, então não deixa de aquecer o coração a forma como o amor termina por prevalecer mesmo num meio tão cheio de obstáculos.

O medo de ser deixado de lado dentro de uma relação como essa, por múltiplas razões, é o que move o trio em direção à terceira temporada. É melhor abandonar do que ser abandonado e poupar a todos, observar algo se tornando velho e notar que você não se encaixa mais com essas pessoas. A ideia de quem você ama terminar abandonando a ideia de te amar de volta, de estar com você, porque você pode não ser exatamente o que eles esperam de você é realmente algo assustador. 

Então se você julga não se encaixar em algo, você vai embora. Deixando os outros dois num banco na rua, recebendo a sua mensagem de adeus, porque você acha mesmo que eles serão mais felizes sem você. É um final de partir o coração e mesmo assim, outro final digno de um filme de drama romântico. Mais uma temporada se encerra e o grande final é algo muito recorrente dentro de filmes do gênero de dramas românticos, só que agora com três pessoas de coração partido. 

A segunda temporada aposta em muito dos mesmos, mesmas piadas, mesmos personagens, situações semelhantes e mesmo assim consegue avançar mais no relacionamento dos protagonistas. O ponto mais fraco da temporada são, como já mencionado, os recorrentes problemas resolvidos com muita facilidade através de um diálogo. A introdução de uma personagem, interpretada por Agam Darshi, para servir de interesse amoroso para Jack reforça algo já presente na primeira temporada onde alguém não branco foi o ‘antagonista’ do relacionamento.


TEMPORADA 3

Meses após serem deixados por Emma, os outros dois – Jack e Izzy – seguiram sua vida como um casal em um novo apartamento e tentando colocar tudo em ordem. A terceira temporada é mais sobre recomeços do que rompimento, porque quando se tem uma série chamada “Eu, Tu e Ela” não é de se esperar que Emma fosse apenas ficar fora de cena e os outros dois fossem seguir em frente. Pensando bem seria essa a coisa madura a se fazer quando alguém termina com você e com quem você ama numa mensagem de texto antes de abandonar todos os planos como se não fossem nada.

Mas não falamos de relacionamento realista, e sim esses romances criados para fazer as pessoas continuarem acreditando no amor. Numa viagem para assinar os papéis de divórcio, Emma termina no apartamento de Izzy e Jack e os três terminam por ter relações. No final era só uma recaída para Emma, que já estava mantendo um relacionamento estável com uma de suas exes antes de Jack – interpretada por Carmel Amit. No momento em que Emma decide ir embora, Izzy faz o ultimato e fala sobre aquilo ser um adeus definitivo.

Todos sabemos muito bem como funciona um adeus definitivo no mundo do romance… Pode vir como um spoiler mas ele não é tão definitivo quanto parece ser. Então todos seguem com suas vidas. Emma no seu emprego em Seattle e o casal Izzy e Jack montando sua vida juntos.

Importante ressaltar, o fato dela não querer filhos e saber sobre a vontade de serem pais de Jack e Izzy foi exatamente um dos motivadores para a partida de Emma. Desnecessário dizer a surpresinha descoberta por ela um mês após o ‘adeus definitivo’. Havia então um bebê do trisal a caminho, mais uma vez usando dos vários clichês de comédias românticas para contar sua história. A terceira temporada faz um bom uso destes clichês como pode, mas não deixa de cair numa atmosfera mais repetitiva. 

Um dos problemas sobre relacionamentos na ficção é exatamente sobre esse recorrente ato de terminar e voltar, terminar e voltar, repetidas vezes. A série tenta escapar da repetição olhando para os personagens ao redor do trisal e os levando em direções diferentes e inesperadas. As vezes termina por parecer um exagero o quão diferente os enredos desses personagens se tornam nessa temporada, apenas criando novas situações e personagens e de certa forma ignorando o pré estabelecido. 

Uma das problemáticas é exatamente como Emma cai de novo nesse local de ‘lésbica’ quanto a si mesma, tirando muito do peso e da consideração do seu relacionamento com Jack. O pior disso é como em nenhum ponto a narrativa realmente aponta para isso, deixando todos os momentos bem claro sobre a atração dela de forma sexual e romântica por Izzy e por Jack. 

E falando sobre repetições, Izzy é quem faz o primeiro encontro de Jack e de Izzy acontecer como se fosse uma forma de ‘Operação Cupido’ mas com uma mulher adulta no lugar da jovem Lindsay Lohan. Mais uma vez a personagem de Pricilla Faia termina por ser a mais esforçada pelo relacionamento dos três. Izzy é parte do relacionamento, ela não é filha de Jack e de Emma e não deveria muitas vezes ser posta na narrativa como se fosse alguém ali para juntar os outros dois. 

Eventualmente voltamos ao local de Izzy dentro desse relacionamento, já pela terceira temporada seguida. O objetivo da série era mostrar como essa relação é algo diferente da relação a dois, mas usando dos mesmos clichês narrativos e terminando por sempre colocar uma das três pessoas num local de isolamento emocional das outras duas. Quando o final da temporada se aproxima podemos ver o quão isso pode de fato mudar e existem sim finais felizes para relacionamentos do tipo.

Existe um limite muito tênue entre permanecer nos clichês de filmes românticos sobre casais monogâmicos por questão de identidade e estabelecer um clima e não saber como criar novas narrativas para uma forma de relação não tão explorada. Aos personagens não são permitidos crescimento com seu relacionamento, considerando sempre termos o mesmo enredo de um deles não se encaixar e decidir ir embora. 

Quando se propõe contar uma história diferente das demais, há muito mais a se trabalhar do que o protagonismo. Por três temporadas desse relacionamento a narrativa continua a cair sempre no ‘Izzy não é parte do relacionamento mas sim uma convidada’. Existe uma forma melhor de mostrar o quão esse relacionamento não é mais de dois deles mas sim dos três do que um casamento?

Algo mais romântico do que um casamento surpresa, com direito a um bolo de pizza com duas noivas e um noivo? Seria o final feliz perfeito, deixando para a imaginação como esse trisal lidaria com a aventura de criar um bebê e encontrar seu local dentro da sociedade. 

É irônico como a terceira temporada da série nos dá um final digno para a série como um todo, mas, como tudo nesse mundo, o final foi estragado pelo capitalismo. Uma quarta temporada seguiu esse final, com mais problemas, mas separações, mais unicornização.