Melhores Quadrinhos de 2019

 

THIAGO HENRIQUE SENA

Em 2018, eu pessoalmente consumi muitos mangás e poucos quadrinhos de outros continentes. Já este ano, tive a oportunidade de voltar a ler outras coisas e outros gêneros e formatos de quadrinhos. Embora não leia com um olhar profissional de crítico ou de especialista na 9ª arte, dedico essa lista àqueles quadrinhos que, de alguma forma, tocaram em mim, seja um sentimento positivo por meio de sua história e narrativa ou de alguma reflexão que cause em seus leitores. A lista não é extensa, mas tentei ser o mais abrangente e fiel as minhas leituras e sentimentos. Lembrando que a ordem não está do melhor para o pior, apenas posta de forma aleatória.

Tina – Respeito

de Fefe Torquato (Panini / MSP)

Gostaria de começar por essa Graphic Novel da MSP (Maurício de Souza Produções) e de autoria da incrível Fefe Torquato. Trata-se de um quadrinho super atual e que aborda questões importantes para as mulheres. Torquato retrabalha a personagem e traz uma nova visão para ela, seguindo uma linha editorial de trazer novas questões para um público mais adulto (talvez?), essa visão é necessária para o entendimento do que a personagem e diversas mulheres passam no cotidiano. Falando sobre assédio e transformações da vida de uma jovem adulta com um traço bem preciso e com tons de aquarela, “Tina – Respeito” é um dos quadrinhos que deveria ser lido em 2019 e sempre a partir daqui.


Mulher-Maravilha: A Verdadeira Amazona

de Jill Thompson (Panini)

De início, eu tinha pensando em não incluir nenhum quadrinho ou artista norte americano. Não li nada de muito espetacular de lá e também queria direcionar meu olhar para outros países e artes. Ao arrumar minhas coisas para mudança, deparei-me com meu exemplar de “Mulher-Maravilha: A verdadeira Amazona” de Jill Thompson e lembrei que era impossível não o colocar na lista. Só a arte, feita em aquarela, seria o suficiente para incluir nos melhores quadrinhos de 2019, contudo é em sua história que prevalece sua maior qualidade. Ela reconta a origem da Diana Prince (embora não seja canônico dentro da cronologia) de uma forma bem sensível e emocionante. Percebemos a arrogância da princesa e todo o mal que isso traz e como Diana, arrependida de seus atos, decide dedicar sua vida a respeitar a memória de uma amazona que ela chega a amar. É lindo e emocionante. Necessário e poderoso.


A Louca do Sagrado Coração

de Alejandro Jodorowsky e MOEBIUS (Veneta)

A dupla Alejandro Jodorowsky e MOEBIUS chamaria atenção em qualquer lista de qualquer coisa que eles participem. Ambos geniais, uniram seus talentos na criação de um dos quadrinhos mais loucos que li na vida. Com temas como erotismo, misticismo, teorias físicas, cada página dessa obra é um verdadeiro mistério e uma mistura de sentimentos, sem saber o que esperar da genialidade de cada um. Talvez seja uma obra que não vá agradar a todos, mas certamente merece ser lida. Tudo que falar além disso, entra no campo dos spoilers que podem e provavelmente vão estragar a leitura. Então minha dica é, se possível, leia descompromissado e com a mente aberta. Valerá cada página.


Mangá-Documentário: Virgem depois dos 30

de Atsuhiko Nakamura (Pipoca e Nanquim)

Fiquei pensando se valeria a pena incluir esse mangá na lista. Não foi uma leitura muito prazerosa. Pelo contrário, cada história nova fazia surgir em mim uma repulsa pelo tema e por como o Japão encara esses seus problemas de saúde coletiva. É uma boa oportunidade para aprofundar um pouco mais a visão sobre o país. O mangá conta histórias de homens que não conseguem perder sua virgindade e como isso afeta todas suas habilidades sejam sociais ou mecânicas. É um triste retrato de como uma boa parcela da população do Japão vive, explicando (mas sem justificar) o surgimento de diversas personalidades bizarras e perigosas, desde otakus que vivem para o mundo dos mangás e animes, trocando a experiência do sexo por uma projeção bizarra ao lado dessas personagens, até os incels dos fóruns que despejam ódio contra as minorias, especialmente as mulheres. É um mangá que vale a pena pela reflexão que ele traz e pelo seu estudo sociológico da sociedade japonesa.


Monster

de Naoki Urasawa (Panini)

Naoki Urasawa é um dos meus mangakás favoritos. Autor de Pluto, uma releitura de Astro Boy, Urasawa é mestre na arte de criar suspense e histórias de crimes. Em “Monster”, temos a história de um médico que talvez seja um dos maiores psicopatas da cultura pop. A narrativa em torno dele e do mistério que o mangá carrega dão o engajamento necessário para a história. Embora seja uma republicação, Monster chega em formato de luxo, o famoso Kanzenban japonês e certamente merece destaque entre os lançamentos de 2019. Muitos, inclusive eu, consideram esse mangá como sendo a obra-prima de Urasawa.


TATIANA FERREIRA

Esse ano de 2019 foi o que eu me concentrei em explorar as editoras menos visadas do mercado americano, dei um passeio pelo universo da Bonelli, com os recentes lançamentos e relançamentos de O Fantasma e Júlia Kendall e fiz umas das minhas práticas favoritas: ler gibizinhos antigos! Teve muita DC Comics dos anos 60, Marvel de Lee e Kirby e histórias assustadoras da EC Comics dos anos 40 e 50. Até fiquei impressionada por ter conseguido formar essa lista com obras (quase!) atuais.

Moonshadow

de J. M. DeMatteis e Jon J. Muth (Pipoca e Nanquim)

 

 

“Moonshadow” sempre foi uma sombra na minha leituras de quadrinhos. Era algo que eu sabia ser incrível, mas nunca tinha oportunidade de tê-la em mãos. As edições separadas pela Globo lançada no início dos anos 90 eram bem caras e nunca achei que fosse uma obra para ler digitalmente, eu queria tê-la em mãos. A Pipoca & Nanquim vem fazendo dessas de trazer clássicos que nunca ou há muito tempo, haviam sido impressos no Brasil dando oportunidade de trazer à tona obras e autores fantásticos. A história de “Moonshadow” se resume em um conto de fadas intergaláctico detalhando as provações e tribulações da juventude. A sátira desempenha um papel importante, enquanto Moonshadow pula de uma aventura para a outra, filosofia, sexo, vida e morte também são conceitos fundamentais. A arte de Jon J. Muth é algo de outro mundo, sendo principalmente pintada, o que dá à história um apelo emocional representativo do clima sombrio da história. Também foi a principal obra no selo Epic, da Marvel. Um selo autoral que começou em 82, era a Vertigo antes da Vertigo.


Peter Cannon: Thunderbolt

de Kieron Gillen e Caspar Wijngaard (Dynamite Entertainment)

Essa foi a minha maior surpresa do ano. Peter Cannon, ou Thunderbolt era um herói da Charlton Comics; em 1983, o catálogo de heróis da Charlton foi comprado pela DC Comics, uma história bastante conhecida porque alguns desses personagens foram utilizados como base para os personagens de Watchmen. Ozymandias foi baseado em Peter Cannon. E é exatamente de onde Kieron Gillen decide contar a história, e acaba sendo a melhor sequência de Watchmen do ano. Peter Cannon: Thunderbolt é, em parte, uma ode à histórias em quadrinhos, reflexão sobre 30 anos de influência de Watchmen e construção de um multiverso inteligente. As cinco edições estão tão cheias de idéias de quadrinhos inovadoras que já estou ansiosa para ver esse universo retornar.


Minha Coisa Favorita é Monstro

de Emil Ferris (Quadrinhos na Cia.)

Primeira vez que ouvi sobre esse quadrinho foi em 2017, me veio com a alcunha de “é um gibi de caneta BIC”. Dúvida, foi o primeiro pensamento. Seguido de bizarro, acompanhado de “isso deve ser genial”. E é, mas é assustador primeiro. Sem entrar nos bastidores da obra, que envolvem uma ilustrador freelancer sofrendo de alucinações e privação de sono devido a picada de um mosquito, a história é contada através do diário de Karen Reyes, uma garota que vive em Chicago ao fim dos anos 60 e sofre com as pressões e perdas de crescer, ela se identifica como uma lobi-garota, uma lobi-moça… Desculpa, nosso português não é tão dobrável para brincar com a palavra “werewolf”. Ela é uma lobi-garota e adora monstros. O diário nos leva para um história mostrando hippies monstruosos, mafiosos e nazistas enquanto explora o imaginário de uma infância conturbada. Se isso ainda não lhe vendeu a obra, foi feita com 20 mil canetas bic.


Ice Cream Man

de W. Maxwell Prince e Martin Morazzo (Image Comics)

Ele está de volta! Tendo estado presente na minha lista do ano passado, “Ice Cream Man” não quer sair, até porque poderia ser facilmente um dos quadrinhos da década. O Tio do Sorvete continuou sua antologia completamente distorcida, mas de excelência com a construção de mundo mais significativo que já vimos da série. Não tenho certeza absoluta se focar as histórias para dentro do monstro que habita o caminhão de sorvete é um resultado positivo, mas estou absolutamente intrigada ao ver como ele desenvolve essa narrativa linear neste livro no estilo Twilight Zone, ou seja, histórias fechadas. No final das contas, “Ice Cream Man” pode ser apenas sobre qualquer coisa. É um dos quadrinhos mais divertidamente inventivos da indústria recente. A sensação de que cada edição seguinte poderia ser uma candidata à “edição do ano” torna o “Ice Cream Man” cada vez mais emocionante.


House of X/Powers of X

de Jonathan Hickman e Pepe Larraz (Marvel Comics)

Em algum ponto do tempo a jovem Tati desistiu de ler X-Men, mas não porque ela deixou de gostar dos diversos personagens ou por terem histórias ruins. Mas pelo fato de não saber onde está. Eram precisos malabarismos mentais e forte força de vontade para entender os mutantes. Acho que até pra própria Marvel, que decide entregar na mãos de Jonathan Hickman para mostrar o novo status-quo dos mutantes e tudo começa pela Moira MacTaggert??? Em HoX/PoX somos apresentados a uma espécie de utopia política mutante criada por Charles Xavier e Magneto. Krakoa, uma “ilha viva” no Pacífico é o estado máximo mutante. Um santuário, um estado de poder e um real governo. Agora, os humanos têm que reconhecer mutantes como indivíduos, enquanto mutantes tentam estabelecer sua soberania. São os personagens que você conhece e adora, mas agora podendo exercer seu direito como pessoa.


RODRIGO PASSOLARGO

 

Senhor Milagre

de Tom King & Mitch Gerads (DC Comics)

[+] Pontos Positivos

  • Enquadramento todo em nove quadros causa um aspecto de aprisionamento e pessoalidade, características importantes para os temas da história;
  • Roteiro com diálogos e silêncios muito bem equilibrados. Conversas e reflexões sutis, inteligentes saindo da zona de conforto dos heróis de quadrinhos americanos;
  • Arte e as cores não abandonam sua identidade para mostrar alguns momentos variados. Pode haver tristeza no colorido;
  • A conversão de personagens como sentimentos. De situações humanizadas, mesmo quando se trata de Novos Deuses.

[-] Pontos Negativos

  • A demora do material aqui no Brasil. A espera de quase um semestre para a segunda edição, em formato razoável. Esperamos uma edição especial do total;

Comentário: Uma das mais singelas histórias sobre a sensibilidade humana, questões como depressão e ansiedade. Melhor que o filme do Coringa.


Beastars

de Paru Itagaki (Panini)

[+] Pontos Positivos

  • Uma incrível apresentação e desenvolvimento de um personagem principal dentro de um mangá. Os personagens tem incríveis referências com o nosso mundo da arte;
  • Consolidação rápida do cenário. A sociedade antropomórfica é complexa, mas facilmente tragada em doses moderadas, através de conflitos, comparações e alusões com nossa sociedade;
  • Ótimo emprego do cinza;
  • Debate sobre consciência social, instinto, convivência, diferenças raciais dentro de uma sociedade competitiva.

[-] Pontos Negativos

  • Uso exagerado e sem muito sentido dinâmico de diagonais;

Comentário: um tratado antropológico em forma de mangá.


Os Últimos Dias de Pompeo

de Andrea Pazienza (Veneta)

[+] Pontos Positivos

  • Uma obra-prima! Existe um experimentalismo com a literatura (sim, sou adepto que Quadrinho não é Literatura, por mais próximas que estejam) e tipografia que dá sentimento para a narrativa;
  • Pazienza conseguiu criar uma poesia gráfica dentro de uma história sobre declínio humano, de alma flagelada;
  • A medida que a história avança, percebe-se maiores recursos gráficos, apontando também uma autobiografia;
  • As referências aos muitos signos romanos, principalmente o histórico Pompeo.

[-] Pontos Negativos

  • A HQ tem um material extra riquíssimo, mas uma história como Pompeo se tratando de uma tragédia mundana de um grande gênio, poderia carregar imagens de originais e mais esboços para entendermos melhor a mente desse gênio.

Comentário: Andrea Pazienza é um Michelângelo dos Quadrinhos, com doses de Nelson Rodrigues.


Anamnese

de Márcio Moreira & Talles Rodrigues (Reboot Comics – Selo Estalos)

[+] Pontos Positivos

  • Um roteiro cheio de símbolos dentro desse teor onírico. Mas esses símbolos são expostos de maneira equilibrada e não gritante. A típica jornada do herói através dos [re]significados;
  • O domínio da arte-final dá volume ao material gráfico;
  • O formato. Importante o mercado editorial ter essa variedade. No caso da Estalos (selo da Reboot Comics que publica a obra) é um formato bem acabado, democrático pelo seu preço, tamanho mini, e encaixa histórias que não precisam ser longas para esbanjar riqueza e talento;

[-] Pontos Negativos

  • Algumas caixas de diálogos ficam disformes quando entram em contato com o requadro. Uma solução é dar uma distância entre elas.

Comentário: Democrático, Rico, Acessível com uma história cheia de interpretações!


SILVESTRE

de Wagner William (Darkside Books)

[+] Pontos Positivos

  • Letreiramento é além do elemento gráfico e auxilia a contar as sensações no decorrer da história. Um elemento usado com criatividade;
  • O roteiro tem seus três atos bem definidos: a quietude do primeiro, o fantástico e miraculoso no segundo, e o terceiro… (surpresa!)
  • A poesia está presente não só nas palavras (muito bem empregadas), mas também nos desenhos e pinturas, com suas manchas, rabiscos, ora soltos, ora concentrados. Há beleza na brutalidade. No Silvestre.
  • Padrão editorial da Darkside dispensa comentários;
  • Até os poucos extras e alguns comentários posteriores e fora da história não abandonam o teor e sentimento da narrativa, como se a história quisesse contar algo mais, mesmo no silêncio.

[-] Pontos Negativos

  • Não seria um defeito, mas um desejo. Tirando o tamanho, a edição é graficamente muito similar à Paraíso Perdido, do Pablo Auladeil. Silvestre merecia uma edição maior tal qual sua colega de editora.

Comentário: Me senti lendo um quadrinho do Neil Gaiman, um livro do Aluísio Azevedo e assistindo O Regresso, do Iñàrritu.