Como transformar uma fórmula batida em algo que soe novo e inovador? Ao que parece o diretor Rian Johnson sabe a resposta, ao conseguir trazer frescor para o gênero no thriller investigativo com toques de mistério no seu novo filme Entre Facas e Segredos (Knives Out, 2019), uma das sensações do ano que estreou recentemente e tem arrancados elogios, mundo a fora.
O filme já tinha dado uma boa impressão em sua campanha de marketing, enfatizando uma trama regada a mistérios e assassinatos no melhor estilo Ágatha Christie e interpretado por um elenco recheado de estrelas de Hollywood. Porém a narrativa construída em torno do assassinato do milionário excêntrico Harlan Thrombey não vive só de promessas, pois no final das contas a história entrega tudo aquilo que se espera dela e por diversos momentos, até um pouco mais.
“Entre Facas e Segredos” tenta subverter todas as previsibilidades que uma trama como essa possa ter e, no geral, consegue, mas tudo isso se deve a um roteiro extremamente bem estruturado, que não subestima a inteligência de seu público e faz com que tudo seja voltado aos pequenos detalhes. Johnson além de dirigir, escreve e com isso tem um controle maior sobre sua criação, enquanto seu lado roteirista insere diálogos espertos, pistas falsas e um humor refinado, seu lado diretor privilegia atuações e se apoia num design de produção belíssimo e sofisticado para contar uma história de mistério cheio de lacunas e diversos suspeitos que abre espaços para boas reviravoltas no decorrer da narrativa.
Tudo isso não funcionaria sem um elenco certo e neste ponto o filme acerta em cheio. A família Thrombey é um antro de sanguessugas: liderados pelo patriarca Harlan Thrombey (Christopher Plummer, ótimo), seguidos pelos seus filhos Linda (Jamie Lee Curtis) e Walt (Michael Shannon), seu genro Richard Drysdale (Don Johnson), o filho de Linda e Richard, o playboy Ransom Drysdale (Chris Evans, canastrão na medida), a mulher de Walt, a esnobe Donna (Riki Lindhome), o filho de Walt e Donna, o jovem Jacob (Jaeden Martell), a nora de Harlan, mulher do seu filho já falecido, Joni Thrombey (Toni Collette) e sua filha Meg (Katherine Langford) neta de Harlan, fechando com a mãe de Harlan, a bisavó Wanetta (K Callan).
Todos são suspeitos, todos são manipuladores, todos tem algo a esconder como a história deixa claro em determinados momentos. A química entre os atores é sentida em tela, as farpas, as discussões e os barracos são autênticas e simplesmente hilárias, mas destaco entre os membros da família, a atriz Toni Collette como uma das melhores em cena, além de muito engraçada, ela parece se divertir muito em cena, mas não só ela, o elenco ainda conta com: LaKeith Stanfield como tenente Elliott e um engraçado Daniel Craig como o detetive excêntrico Benoit Blanc.
No centro de tudo, Marta Cabrera, a cuidadora de Harlan vivida por Ana de Armas (uma grata surpresa) que vai se tornar peça chave para desvendar o mistério envolvendo a morte do milionário. Sem revelar mais da trama, a narrativa encontra formas criativas para desvendar o assassinato, mas a principal delas é usar o público que assiste como trunfo, dando informações pertinentes para quem assiste, mas sem tornar a experiência previsível, na verdade tudo se torna muito viciante quando a teia é desenrolada aos poucos revelando ainda mais mistérios preenchendo a narrativa com momentos antológicos.
O maior mérito de “Entre Facas e Segredos” é saber usar os clichês ao seu favor, tudo que você pensa que já viu nesse tipo de história, a narrativa prova que ainda é possível se surpreender, mesmo que já tenha visto tudo aquilo antes. Essa é a vantagem de ter Johnson no comando, com seu toque extremamente metódico, até um alfinete fora do lugar se torna uma peça importante que se encaixa perfeitamente em algum momento no grande quebra cabeça montado pelo cineasta, é complexo, é bem feito e diverte o tempo todo.
A grande palavra que define este filme é sintonia, tudo no longa funciona de forma harmoniosa, tanto a direção, quanto o roteiro e o elenco, é o encontro de tudo aquilo que faz cinema ser tão maravilhoso e genial ao mesmo tempo. A história se torna tão rica em certos momentos, que ainda há tempo de inserir (ainda que sutilmente) um contexto crítico e honesto sobre luta de classes e imigração. No aspecto técnico o filme é ainda mais impecável, além do elogiado design de produção, a fotografia, trilha sonora e a edição são outros destaques positivas.
Em um aspecto mais geral, “Entre Facas e Segredos” é uma grande produção, onde as qualidades saltam na tela a cada cena. O longa surpreende por ser algo original e inteligente, no meio de tantas adaptações de quadrinhos e filmes baseados em algum best-seller famoso, a história criada por Rian Johnson é um alívio de criatividade e um sopro de vida para uma Hollywood que constantemente se apoia em sequências de blockbusters para chamar a atenção do público. Com um elenco afiado, uma direção primorosa e ótimas reviravoltas durante sua projeção, esta história se mostra intrigante e carregada com bastante sofisticação capaz de deixar quem assiste com um belo sorriso no rosto até mesmo após os créditos subirem.
Engenheiro Eletricista de profissão, amante de cinema e séries em tempo integral, escrevendo criticas e resenhas por gosto. Fã de Star Wars, Senhor dos Anéis, Homem Aranha, Pantera Negra e tudo que seja bom envolvendo cultura pop. As vezes positivista demais, isso pode irritar iniciantes os que não o conhecem.