Na década de 1970 a série As Panteras virou uma febre mundial. Criada em 1976 e finalizada em 1981 após cinco temporadas, o show, que continha forte apelo sexual ao apresentar e difundir o conceito de mulheres lutando com pouca roupa e corpos padrão, tinha como trama principal três moças que trabalhavam para uma agência privada de espionagem, a Townsend, fundada pelo misterioso Charles Townsend. Mais de 20 anos depois a série ganhou um reboot em forma de filme com As Panteras (Charlie’s Angels, 2000) e uma continuação com As Panteras: Detonando (Charlie’s Angels: Full Throttle, 2003), protagonizados pelo trio Cameron Diaz, Drew Barrymore e Lucy Liu. Os filmes, ambos dirigidos por McG, um diretor não muito famoso por fazer bons filmes, claramente possuem uma qualidade duvidável, apesar de ter quem se divirta e hoje em dia terem ganhado quase o status de cult, com fãs espalhados por aqui e acolá (tenho que dizer que eu nunca fui um deles).
Este ano uma nova versão das espiãs chega aos cinemas, e confesso que me empolguei desde seu anúncio. Não tanto por ser um novo filme d’As Panteras, mas pelo envolvimento e empenho total de Elizabeth Banks, que dirige, roteiriza, produz e ainda atua em um papel importante no filme. A presença forte de Banks, por quem eu já tenho uma grande admiração como artista, me deu uma esperança acerca de uma possível repaginada e atualizada naquele universo com um potencial tão grande.
E é muito gratificante quando um filme não só supre suas expectativas – que, claro, nem eram tão altas assim – como as supera em muitos níveis. O novo As Panteras (Charlie’s Angels, 2019) não só se atualiza como mantêm o respeito por suas versões anteriores, além de expandir e enriquecer o conceito de uma agência formada por espiãs. O filme apresenta uma Townsend dos tempos atuais que estende suas ações por todos os continentes, com filiais espalhadas em vários países do globo, cada uma liderada por um “Bosley” e com várias agentes sob seu comando realizando missões de vários níveis.
Outro acerto é nos apresentar a origem da formação do trio, mantendo a tradição de serem, cada uma das três, muito diferentes entre si. Enquanto Sabina (Kristen Stewart) é a mais espontânea e cheia de piadas, Jane (Ella Balinska) é mais séria e raivosa, por outro lado Elena (Naomi Scott), que de início não faz parte da agência, é muito tímida e receosa. Mas cada uma tem habilidades incríveis e incontestáveis, seja como espiã, seja com tecnologias ou armas e, o mais importante, a interação entre as três é extremamente efetiva.
Banks é segura e competente na direção, tanto nas cenas mais calmas, quanto nas sequências de ação, quando, diga-se de passagem, as atrizes demonstram uma habilidade enorme e as coreografias das lutas são bastante críveis. O roteiro como um todo não é genial, e nem precisava, já que segue um modelo clássico de filmes de espionagem, e é capaz de divertir e em muitos momentos surpreender, mas seu trunfo está em seu claro subtexto feminista que já era esperado vindo das mãos de Elizabeth Banks (e é sempre bom deixar claro que aqui é a visão de um homem neste texto, o que me deixa até um pouco desconfortável). O fato de um filme voltado para um público vasto como este, fazer alusão clara a um pensamento de centralidade e empoderamento (essa palavra já tão desgastada hoje em dia, mas ainda válida) feminino, e feito de uma forma que não chega a ser panfletária demais, podendo essa mensagem ser bem recebida inclusive por pessoas que conhecem pouco ou quase nada deste assunto, é de uma importância ímpar. Esta intenção no roteiro fica clara desde os primeiros minutos do longa e é reforçada em várias ocasiões, tanto nos diálogos quanto na forma como as três protagonistas passam a se relacionar, passando um sentimento forte de união e amizade, onde logo podemos perceber que cada uma delas estará sempre disposta a fazer de tudo para apoiar as outras em qualquer situação.
Deste modo, posso afirmar que esta nova versão é uma bela sequência de acertos, seja nas eletrizantes e intensas sequências de ação de tirar o fôlego, seja na atualidade do enredo, com esta nova perspectiva feminista, sem nunca descaracterizar por completo o universo criado desde a década de 70, mas melhorando-o para que desempenhe um importante e necessário papel nas urgentes discussões atuais. Algo que é sim um enorme mérito, visto que filmes recentes como Oito Mulheres e Um segredo (Ocean’s Eight, 2018), Zumbilândia: Atire Duas Vezes (Zombieland: Double Tap, 2019) e O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio (Terminator: Dark Fate, 2019), que tem em comum com As Panteras serem continuações ou extensões de versões anteriores, mas também o fato de terem mulheres como protagonistas, não tenham conseguido colocá-las como personagens realmente poderosas e interessantes na minha opinião, e por poderosas, claro, não quero dizer só segurar armas enormes ou fazer outras coisas que os homens fazem pra compensar sua masculinidade frágil. Mas talvez o fato de serem os três dirigidos por homens tenha alguma influência nisto, só talvez.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.