Desde seu anúncio até a data de sua estreia, o filme do Coringa (Joker, 2019) vem gerando um enorme debate em torno de sua própria existência. Seria necessário um filme solo do personagem? E mais ainda, como as pessoas reagiriam ao ter como protagonista do filme um dos maiores vilões da cultura pop? Mesmo depois de ver o filme ainda não tenho a resposta para essas perguntas, mas ao menos vejo um caminho para respondê-las.
A cinematografia do filme é impressionante e de tirar o chapéu, não há um plano ruim ou mal executado no filme. É tudo minuciosamente pensado e realizado com perfeição, a referência visual é Taxi Driver (1976) de Martin Scorsese, um ambiente urbano, sujo, mal iluminado e sem esperanças. O que muda é o contexto, no filme do Scorcese mostrava um Estados Unidos pós-guerra do Vietnã sem muita esperança para seu povo; no filme do palhaço do crime o olhar é para a onda conservadora que cresce em Gotham na figura das pessoas mais ricas, e como uma parcela da população é posta à margem da sociedade, os pobres, os loucos, etc
Atuação também é incrível. Joaquin Phoenix deve ser indicado ao Oscar, sua transformação não só física, mas psicológica para o personagem deve ser recompensada de alguma forma. Ele dá vida àquele que seja, talvez, o Coringa mais louco já representado no cinema. Além dele, Robert De Niro também tem destaque em um papel que faz referência a outro filme do Scorsese, O Rei da Comédia (The King of Comedy, 1982). Brett Cullen e Frances Conroy também sustentam um bom Thomas Wayne e uma boa Penny Fleck, respectivamente.
O filme mostra a queda de um homem louco e o surgimento de um homicida narcisista que, logo após matar pela primeira vez, passa a se sentir orgulhoso pelo que fez, embora relute um pouco em repetir o feito. Aos poucos, o personagem vai se libertando das poucas amarras de sanidade que ainda o prendem. Nada é gratuito, tudo tem uma explicação, a maior delas é a marginalização de certas camadas da população e como as elites (brancas, ricas e conservadoras) tratam disso. Apesar de se passar na década de 1980, é um retrato bastante fiel de várias sociedades no mundo de hoje. Principalmente com o surgimento de políticos conservadores e totalitários que fazem questão de massacrar políticas sociais e tirar do foco as pessoas que mais precisam de ajuda.
Entretanto, não podemos esquecer que o filme é sobre o Coringa, o maior vilão do Batman e um dos maiores, quiçá o maior, da cultura pop. Suas ações, mesmo que justificadas ao longo do filme, ainda são criminosas e merecem ser combatidas. Minha maior crítica em relação ao filme é justamente a maneira como o diretor mostra Arthur Fleck. Não falo nem tanto ao roteiro, mas sim a maneira como ele é filmado, os ângulos de câmera, a decupagem e a fotografia enaltecem o personagem, principalmente nas últimas cenas do filme. Isso me incomodou bastante, mesmo tendo sua origem justificada, não é possível enaltecer um vilão a ponto de torná-lo um herói, mesmo que seja apenas para uma parte de Gotham.
Para além disso, Coringa é um filme pesado e que deveria ter uma classificação indicativa de 18 anos no Brasil. Não é só a violência física e psicológica, mas por todas as questões que o filme traz consigo (abuso infantil, incels, bullying etc). Ele pode ser a porta de entrada para muitos gatilhos, é um alerta. Mesmo assim, acredito que deva ser visto e debatido, seja nas rodas cinéfilas ou entre amigos, para que os temas tratados sejam expostos e sirvam de alerta para nossa sociedade.
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Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.