Tudo começou quando, em uma pequena cidade no interior da Argentina, um grupo de pessoas decide que seria uma boa ideia comprar um velho terreno repleto de cilos em ruínas para construírem uma cooperativa, o que geraria empregos e daria um empurrão na frágil economia do lugarejo. Para isso Fontana (Luis Brandoni), Fermín (Ricardo Darín) e sua esposa Lidia (Verónica Llinás), arrecadam dinheiro de alguns moradores tornando-os sócios do futuro investimento. Uma ideia boa, afinal. O problema é que naquele início de segundo milênio o país estava passando por uma das mais graves crises de sua História recente e, se aproveitando da ingenuidade do grupo um advogado e um gerente de banco mal intencionados convencem-nos a depositar todo o dinheiro arrecadado em uma conta bancária. O grupo então sofre um golpe e acaba perdendo todo o suado dinheiro que conseguiram juntar.
Anos depois do ocorrido (e de Lidia ter falecido em um acidente de automóvel), descobrem que Fortunato Manzi (Andrés Parra), o advogado que havia dado o golpe, não só neles, mas em várias outras pessoas, guardava todo o dinheiro que ganhara desta forma em um cofre subterrâneo no meio de um terreno. O grupo vê então nesta informação a oportunidade de fazer justiça tomando o dinheiro roubado de volta e vingar-se do mal caráter que os enganara e acabara com seus sonhos anos antes.
A Odisseia dos Tontos (La Odisea de los Giles, 2019) é dirigido por Sebastián Borensztein e baseado no livro La Noche de la Usina de Eduardo Sacheri, que também é responsável pela obra que inspirou o excelente O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos, 2009). O longa é uma espécie de “filme de assalto” (ou heist movie) ambientado nos duros anos de crise econômica da Argentina, só que com um grupo de protagonistas que não passam de pessoas simples de uma cidadezinha do interior, o que contribui para o ótimo tom de humor do filme, mas também para nossa rápida identificação com os mesmos, afinal quem nunca se viu, de certa forma, enganado por um banco ou nunca sentiu as agruras de uma crise econômica no país?
E, como na maioria dos filmes de assalto, o elenco que interpreta os integrantes do grupo é fundamental para que a dinâmica do filme funcione bem, e nisto ele é completamente bem sucedido. Darín, como sempre, está excelente, aqui como líder do grupo, sendo o mais racional e por isso o que mais tende a desistir do ousado plano, enquanto o séquito de personagens que o acompanham tem, cada um, sua função bem determinada, seja no assalto ao cofre do advogado, seja na narrativa do filme em si ou contribuindo com estereótipos bem aplicados na construção do humor que o filme se empenha em trazer, apesar do tema obscuro da crise que ainda hoje ronda o país. Mas o melhor da história é ver que todos são boas pessoas planejando cometer um crime, mesmo que por uma causa justa, e as reuniões do grupo para discutir suas ações entregam alguns dos momentos mais divertidos e interessantes do filme.
O Odisseia dos Tontos, filme que foi o escolhido para representar a Argentina na disputa por uma vaga na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar do próximo ano, é uma comédia leve, mas que trata de uma situação universal e muito cara a nós, ou seja, pessoas ricas se aproveitando de pessoas simples, e isso pode até não levar o filme à consagrada premiação, mas certamente vai te trazer boas risadas e um delicioso sentimento de satisfação que só sentimos quando vemos essas mesmas pessoas simples se organizando para lascar (para não usar um linguajar mais baixo) essas pessoas ricas.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.