Em 1982, foi lançado um filme que daria origem a um dos personagens mais icônicos da cultura pop naquela época, Rambo: Programado Para Matar (First Blood, 1982), inspirado no livro homônimo de 1972 escrito por David Morell, estrelado e co-roteirizado por ninguém menos do que Sylvester Stallone, astro que já havia dado ao mundo, anos antes, outro protagonista imortal, com Rocky: Um Lutador (Rocky, 1976), que até então já contava com duas continuações. Mas antes de se tornar o “brucutu” que viria a ser nos anos seguintes, reforçado por várias continuações, o primeiro filme em que o personagem apareceu era muito mais do que apenas um filme de ação com um veterano maluco e sanguinário matando pessoas e montando armadilhas mortais.
No filme de 82 John Rambo era um veterano da Guerra do Vietnã que, durante o conflito, fora capturado e torturado pelo exército do Vietnã do Norte e que, após conseguir se libertar, retorna para os Estados Unidos cheio de traumas e complexos. No início do filme Rambo está vagando pelas estradas em busca de um antigo colega militar, mas ao descobrir que o mesmo já havia falecido por conta de um câncer passa a seguir sem rumo. Logo, ao passar por uma pequena cidade, é interpelado pelo chefe de polícia local, que o acusa de vagabundagem se oferecendo para levá-lo para fora dos limites urbanos para que se afaste do lugar o máximo possível. De início o ex-soldado se mostra complacente com o homem da lei, mas logo teima em tentar voltar para a cidade em busca de comida e estadia, mas novamente é confrontado pelo policial. A partir daí se inicia um jogo de gato e rato, onde o rato claramente tem habilidades estratégicas militares suficientes para trucidar qualquer gato que viesse a tentar apanhá-lo. O filme, então, se mostra um panfleto anti-guerra e, ao abordar os transtornos psicológicos do herói causados pelo conflito e o fato de o mesmo não ter aceitação frente a sociedade comum após seu retorno, acaba se tornando um belo drama com uma mensagem bastante interessante.
Obviamente que as continuações do filme escolheram focar na ação que o personagem potencialmente proporcionava, deixando de lado, aos poucos, o drama psicológico e a mensagem anti-bélica. No entanto, quando, mais de trinta anos depois, anunciaram o quinto filme da franquia que seria intitulado Last Blood (literalmente Ultimo Sangue, em alusão ao First Blood / Primeiro Sangue do original), tive a esperança de que finalmente dariam uma conclusão para a história do veterano que estaria à altura de seu potente primeiro filme. Os trailers mostravam um John Rambo velho e pacífico, vivendo em uma fazenda de cavalos e tentando passar seus últimos dias sem nenhum problema. Mas o súbito sequestro de uma sobrinha o obriga a voltar a seu tempo de violência para retomar a garota das mãos de cruéis traficantes de mulheres. Mas, inocentemente, acreditei que as peças de divulgação não estavam revelando o esperado enredo de conclusão que queria ver para o herói.
Infelizmente estava MUITO enganado. O filme não vai além disso: vida pacífica – sequestro da garota – tentativa de resgate fracassada – resgate – vingança, e é isto. Com um enredo mais previsível quanto foi possível, além de uma direção bem preguiçosa, o que deveria ser (e espero que seja) o último filme de um dos mais icônicos personagens da cultura pop, acaba por ser apenas mais um filme de ação genérico e sem graça. É triste perceber que o personagem em todas as continuações do filme até esta última se afasta cada vez mais do complexo personagem do primeiro longa. Além disso o filme não só perde a oportunidade de atualizar a mensagem do filme de 1982, tratando sobre as questões da violência e da questão armamentista nos EUA contemporâneo, mas segue a direção contrária utilizando o estereótipo dos vilões mexicanos, frios e cruéis, quase como um filme de faroeste dos anos 1950, em um momento em que, convenhamos, não é o melhor para atiçar a imagem que os americanos conservadores (claramente o público médio dos filmes do personagem) tem das pessoas oriundas daquele país.
Nem mesmo a interpretação de Stallone, que sempre admirei e que deveria ser a pessoa mais habituada ao personagem, conseguiu me convencer como eu estava esperando. Quase como se o ator já tivesse desistido do personagem a muito tempo atrás, mas foi forçado a trazê-lo de volta dos mortos. O incrível silêncio com que o ator conseguia transmitir os traumas do protagonista no primeiro filme, neste último parece ser nada mais do que uma simples apatia, e nem mesmo quando deveria demonstrar ódio nunca conseguimos levar a sério os sentimentos de Rambo, já que o drama familiar e sua relação com a sobrinha e a senhora que moram com ele na fazenda, se mostram rasos e forçados demais.
Rambo: Até o Fim (Rambo: Last Blood, 2019) pode até agradar os sedentos pela violência e carnificina pelas quais o personagem passou a ser conhecido desde suas primeiras continuações, mas, para quem esperava uma conclusão digna para um personagem tão marcante e potente da cultura pop, o filme é um desserviço desastroso, feito apenas para fisgar o dinheiro dos que um dia admiraram a história daquele ex-soldado.
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Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.