Quem me conhece sabe que não sou muito de acompanhar narrativas seriadas. Não tenho paciência e logo me canso, sobretudo para aquelas no formato de TV aberta americana com 20 e tantos episódios e uma encheção de linguiça sem tamanho para segurar a audiência. Em contrapartida, as séries de serviços de streaming conseguem prender minha atenção visto seu número reduzido de episódios e roteiros mais elaborados. Seguindo essa tendência em 2019 chegou no serviço da Prime, vinculado a Amazon, Belas Maldições (Good Omens), adaptação do romance de Neil Gaiman e Terry Pratchett, contando com o próprio Gaiman no roteiro e produção executiva.
A série da Prime acerta ao trazer Gaiman para adaptar o roteiro, além de ser um mestre na arte de contar histórias, ninguém melhor que ele para transformar seu próprio livro em roteiro de série. Nesse aspecto tudo se encaixa, ao terminarmos a série a sensação que fica é que ali está um produto bem acabado, sem necessidade, por exemplo, de uma segunda temporada (coisas que algumas séries forçam bem), divididos em seis episódios de mais ou menos 1h cada, a série é ágil não passando a sensação de fadiga durante toda a temporada.
Em Belas Maldições, a amizade improvável entre um anjo e um demônio desde a fuga de Adão e Eva do paraíso até o dia do julgamento final é o que define a série. Gaiman é especialista em cultura e mitologia e aqui demonstra total conhecimento sobre a mitologia cristã, o desenrolar da narrativa se dá de uma forma leve e prazerosa, com excelentes diálogos entre o anjo Aziraphale e o demônio Crowley. Certamente a interação entre esse dois personagens é o principal ponto aqui. Michael Sheen e David Tennant demonstram uma sintonia incrível e que transparece em seus personagens. É uma bela relação de amor e amizade, principalmente quando eles brigam e claramente um se preocupa com o outro.
Outro ponto importante dentro da narrativa é o aspecto histórico e social que ela traz. É mostrado ao longo de vários séculos diversos embates e guerras entre o bem e o mal, ou céu e inferno se preferir. No meio de tudo isso está a raça humana, que serve de palco para essa guerra ideológica entre anjos e demônios. Na verdade, tudo se desenrola para um final em que o apocalipse aconteça só para que haja um vencedor em uma eventual guerra, a paz aqui nunca foi uma opção. Os pontos de virada dentro da história são gratas surpresas e nunca previsíveis, dando a cada episódio seu devido peso e importância para o produto final.
Acho que o apocalipse nunca foi retratado de uma maneira tão doce e divertida no audiovisual, sem tirar o peso de um fim do mundo, a série encontra um equilíbrio entre os personagens e sua narrativa, buscando na história da humanidade substância para justificar isso e demonstrando quem poderia lucrar com uma guerra entre céu e inferno. É uma série incrível que vale a pena ser assistida.
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.