Atrito, na física, é a força de contato que atua sempre que dois corpos entram em choque e há tendência ao movimento. Muitas vezes, o atrito é visto como algo negativo por nós porque necessariamente ele provoca um desgaste, exige um custo, um gasto, um consumo de energia. Porém, se não houvesse o atrito, seria impossível realizar tarefas simples, como andar para frente, por exemplo. O mesmo se aplica à ficção. São os conflitos que colocam os personagens em movimento, que fazem com que a história aconteça e que valha a pena ser contada.
Acabei de maratonar Stranger Things 3 e praticamente todos os personagens da série estão tendo algum tipo de atrito entre si ou consigo mesmos. Isto é, além do obstáculo externo que são as forças antagonistas. Isso acontece porque todos eles estão crescendo, ali, diante dos nossos olhos. E foi muito mais difícil de aceitar do que eu esperava, isso me fez pensar em um milhão de outras coisas. Esse texto é muito mais sobre a nossa dificuldade de lidar com as mudanças da vida do que propriamente uma resenha da terceira temporada, embora eu fale sim sobre a série como um todo. É muito mais um desabafo do que qualquer outra coisa, uma mera reflexão indevidamente longa de uma mente insone. Mas, não se preocupe, será totalmente livre de spoilers.
Em dado momento, Mike, incrédulo, pergunta à Will: “O que você esperava? Que ficaríamos no meu porão brincando para sempre?” e Will, ironicamente “o sábio” no dungeons & dragons, responde: “Sim, esperava sim”. De certo modo, Will representa todo um público que, ao ver que as crianças da primeira temporada já não eram mais tão crianças, temia pelo rumo que a série poderia tomar a partir dali.
Grande parte da audiência chegou na série graças à montanha de referências da cultura pop contidos no enredo, uma mistura dos livros de Stephen King, com o cinema de Steven Spielberg e muita, muita nostalgia. O boca a boca fez de Stranger Things um verdadeiro fenômeno. Em seu segundo ano, a série provou que era muito mais do que um sucesso vazio, o público já não estava mais tão interessado em quantos easter-eggs as cenas poderiam conter, e sim com o que poderia acontecer com seu personagem favorito. Os que antes haviam apenas atravessado a porta da curiosidade, agora estavam genuinamente cativados pela história.
E agora os quatro amigos já não são mais tão inseparáveis assim, Eleven está, não só descobrindo o mundo, como a si mesma, cada vez mais, Nancy e os outros adolescentes estão entendendo só agora como o mundo dos adultos realmente funciona, muito além da lógica de popularidade do colégio e precisam decidir, também, o que farão de suas vidas uma vez que já estão formados. É muito provável que as coisas nunca mais voltem a ser como antes. Isso é assustador, mas esse desenvolvimento é necessário para eles enquanto personagens complexos e verossímeis e pode ser ótimo para nós também.
Quando estamos apegados a alguma coisa, não queremos que acabe, que vá embora, que mude. Temos medo de mudanças porque temos medo do fim. Temos medo de sofrer. Essa insegurança faz com que as pessoas cometam todo tipo de absurdo: Promovem boicotes à remakes que ousam tentar algo diferente; Petições para que a sereia Ariel não seja negra ou para que temporadas inteiras sejam regravadas; Perseguem, atormentam e ameaçam atrizes nas redes sociais. O modo como nos relacionamos hoje com o que consumimos, principalmente cultura pop, é extremamente imaturo porque não aceitamos mudanças. Isso tem que parar. Porque elas vão acontecer, gostemos ou não.
“Crescer dói, você precisa continuar andando/ […] essa foi a história de todos os heróis”
É como diz essa música – que na verdade nem gostava tanto e agora estou repensando – do Selvagens à Procura de Lei, cujo título serviu também para este texto. As mudanças, assim como o fim, são inevitáveis. As coisas mudam, as pessoas mudam, os personagens que você aprendeu a amar precisam mudar para que possam aprender e resolver seus conflitos. Por mais que doa, por mais que seja difícil de acreditar que isso pode ser algo bom. É assim que crescemos, amadurecemos, andamos para frente. A física explica.
Roteirista e podcaster bacharel em Cinema e Audiovisual. Ex-potterhead. Escuta música triste pra ficar feliz e se empolga quando fala de The Last of Us ou Adventure Time. É viciado em convencer as pessoas a assistirem One Piece, apreciador dos bons clássicos da Sessão da Tarde e do Cinema em Casa e, acima de tudo, um Goonie genuíno.