Aqui, Jordan Peele repete o feito de produzir, escrever e dirigir. A história contada em Nós já estava sendo desenvolvida antes mesmo de Corra! ser finalizado e desde então já prometia ser mais aterrorizante e universal. E ele consegue fazer isso tudo, ao mesmo tempo que firma uma assinatura, um estilo muito próprio de brincar com os gêneros dentro de um filme só. O riso, o horror, a beleza dos enquadramentos de câmera, a trilha (assinada por Michael Abels, que também fez Corra!), tudo é colocado de maneira equilibrada, sem que um momento se destaque mais, atrapalhando os outros. O resultado é um filme que te carrega inteiramente, cria seu próprio mundo, suas próprias regras e joga com o seu emocional o tempo inteiro.
O que mais me surpreende nesse filme – além da atuação da Lupita que merece todo o reconhecimento possível, assim como Toni Collette também mereceu em Hereditário (Hereditary, 2018) (quer você goste do final ou não) e foi injustamente esnobada pelas premiações – é a sutileza com que ele lida com vários temas, embora esteja trabalhando com uma premissa muito antiga e conhecida; o medo dos duplos, sósias, doppelgangers, etc. A premissa é trabalhada durante todo o filme, inclusive através da direção de arte, que brinca com padrões, sombras e duplas, desde o material gráfico promocional do filme, como aquele primeiro cartaz que foi liberado que lembrava um teste de rorschach, até a própria arma da antagonista, em evidência nos outros cartazes do longa, uma tesoura dourada, a tesoura que é um objeto formado por dois lados iguais, espelhados.
Mas, pode ir muito mais além do que isso, com espaço para muitas interpretações. Por exemplo, em dado momento do filme Jason, o caçula da família, aponta os dedos para o pai e diz “quando apontamos o dedo para alguém, três outros dedos apontam de volta pra gente” e no fim, sinto que o filme fala um pouco sobre isso também, não há nada mais aterrorizante do que não ter ninguém em quem colocar a culpa dos seus vícios e erros a não ser você mesmo. Pensar que você é seu maior obstáculo é difícil porque parece um problema sem solução. Ninguém quer assumir seus defeitos, suas falhas. Apontar e culpar o outro sempre é mais fácil, tornar o outro a face do inimigo e atacar com todas as forças. Mas o que fazer quando o inimigo tem o nosso próprio rosto?
Roteirista e podcaster bacharel em Cinema e Audiovisual. Ex-potterhead. Escuta música triste pra ficar feliz e se empolga quando fala de The Last of Us ou Adventure Time. É viciado em convencer as pessoas a assistirem One Piece, apreciador dos bons clássicos da Sessão da Tarde e do Cinema em Casa e, acima de tudo, um Goonie genuíno.