Adam Mckay vinha de uma longa carreira na comédia, com filmes que às vezes beiravam o pastelão, se reinventou e surpreendeu a todos quando, em 2015, propôs uma trama corajosa e inusitada: retratar numa sátira a crise econômica que acometeu os Estados Unidos entre 2007/2008. Essa era a premissa de A Grande Aposta (The Big Short, 2015). O filme foi bem recebido e foi indicado em quatro categorias do Oscar, incluindo de melhor filme, em seu ano de estreia e levou o prêmio de melhor roteiro adaptado. Há quem o ache genial, há quem o critique por ser complicado demais. Eu não posso estar de verdade em nenhum dos dois grupos porque dormi pesadamente na primeira vez que fui assistir e, honestamente, toda vez que lembro de Margot Robbie colocada numa banheira para explicar termos complexos para um público que com certeza não sou eu, tenho um total de zero vontades de voltar e dar uma outra chance ao filme. Mas, dessa vez, ele conseguiu me acertar em cheio. Sem precisar objetificar ninguém no processo.
Em Vice (2018), Mckay conta a trajetória de Dick Cheney até se tornar o silencioso e igualmente perigoso vice-presidente de George W. Bush. Cheney é vivido de maneira assombrosa pelo camaleônico Christian Bale, que aqui engordou bastante e teve ajuda de próteses para tornar sua transformação completa. Além dele, temos também Amy Adams como a ambiciosa Lynne Cheney, a esposa de Dick, Steve Carell como Donald Rumsfeld, todos muito bem caracterizados, e claro, Sam Rockwell como o presidente Bush mais risível já visto no cinema.
O entrosamento do elenco é palpável e Bale está impecável. Mas, assim como aconteceu com A Grande Aposta, o grande destaque aqui é a montagem do filme. Se houveram críticas sobre o filme anterior ser confuso demais, aqui, claramente como uma resposta debochada, Mckay é óbvio, com metáforas nada sutis e faz o possível para ser o mais claro possível, usando desde personagens de histórias em quadrinhos para dar explicações simples até usar de artifícios visuais como esquemas e maquetes de jogos de tabuleiro.
Tudo funciona como uma grande piada, ou talvez seja a urgência da mensagem. Porque, apesar da leveza própria da sátira, apesar do humor de edição embebido de sarcasmo, Vice trata de questões muito sérias e serve como um importante alerta. Afinal, quem detém o poder que controla nossas vidas? Em quem depositamos nossa confiança para nos representar e decidir por nós em questões de suma importância? Como essas decisões são tomadas? Será que nós estamos dando a devida importância a isso ou estamos ocupados demais tentando fugir de nossas preocupações e rotinas?
O humor de Vice é ácido, é esperto e literal, mas acredito que o que mais me fazia rir, ainda que seja um riso da própria desgraça, um riso cansado de perceber como as coisas são, nessa história toda não é exatamente o texto de Mckay. É também, mas mesmo quando as mesmas idéias eram repetidas várias vezes e parecia que minha inteligência estava sendo ofendida, cheguei à conclusão que a verdadeira piada acontece do lado de fora da sala de cinema. Afinal, Vice é só um filme. Infelizmente, quem realmente faz o povo de trouxa continua rindo despreocupado enquanto nós continuamos focando nossa indignação no filme x ou y que não correspondeu às nossas expectativas. Por essas e outras que, na minha leitura, Vice é, mesmo sendo de um tema tão difícil de interesse e digestão do público financeiro, o filme mais necessário desse Oscar.
Roteirista e podcaster bacharel em Cinema e Audiovisual. Ex-potterhead. Escuta música triste pra ficar feliz e se empolga quando fala de The Last of Us ou Adventure Time. É viciado em convencer as pessoas a assistirem One Piece, apreciador dos bons clássicos da Sessão da Tarde e do Cinema em Casa e, acima de tudo, um Goonie genuíno.