“Você é estranha”. Uma frase ouvida por mim várias vezes durante minha vida, desde muito nova. Quando criança, sem entender o que tal palavra significava, eu a rejeitava, e desejava muito um dia ser apenas “normal”. Isso, claro, nunca aconteceu. Mas um pouco depois, eu conheci os X-Men, e ser estranha já não era mais um problema. Afinal, eu poderia ter uma mecha branca no cabelo e ter uma vibe sinistra, e ainda assim ser uma super-heroína, não é mesmo? Se apenas minha inocente mente infantil entendesse que tais detalhes são mínimos perto da tragédia que é o poder da Vampira…
É com esse vislumbre da minha personalidade que apresento a série The Umbrella Academy. Adaptação da graphic novel escrita por Gerard Way e ilustrada por Gabriel Bá, a produção estreou na Netflix no dia 15 de fevereiro, e já conquistou o posto de série original mais assistida do streaming, ultrapassando Stranger Things (2016 -). Na trama, quarenta e três crianças nascem de diferentes mulheres que não demonstravam nenhum sinal de gravidez no início do dia. Sete destas crianças são adotadas por Sir Reginald Hargreeves (Colm Feore), um empresário bilionário que cria a Umbrella Academy e prepara seus “filhos”, que têm habilidades especiais, para salvar o mundo de ameaças em geral. No entanto, a família sofre uma ruptura e eles se distanciam. Anos depois, com a morte de Hargreeves, eles se juntam novamente e são forçados a lidar com as diferentes personalidades e habilidades uns dos outros para entender o que aconteceu com o patriarca da família, além de tentar impedir o Apocalipse (nada demais).
Sete crianças com poderes em uma mansão liderada por um ricaço excêntrico. É quase inevitável pensar nos jovens mutantes de X-Men, sendo que as crianças de Umbrella crescem e se tornam adultos extremamente afetados pela forma como foram criados, além de terem sido pouco a pouco consumidos por seus poderes. E é nesse ponto que quero chegar quando digo que minha mente inocente, ao assistir os filmes e desenhos de X-Men quando criança, não compreendia o quão atormentador ter algo que te torna diferente dos outros pode ser. Mas aquela criança cresceu, e em The Umbrella Academy ela encontrou o reflexo de exatamente quem ela seria se fosse uma daquelas pessoas com poderes. Não uma heroína uniformizada, lutando para salvar o dia, e sim uma jovem adulta atormentada, fazendo o possível para fingir que pertence a esse mundo, muitas vezes de forma egoísta, mas tantas outras vezes mais, de forma autodepreciativa.
Luther (Tom Hopper), Diego (David Castañeda), Allison (Emmy Raver-Lampman), Klaus (Robert Sheehan), Cinco (Aidan Gallagher) e Vanya (Ellen Page) passaram a infância tendo suas habilidades exploradas por Reginald Hargreeves, e assim que puderam, fugiram do passado, e seguiram suas vidas, da melhor forma como puderam (bom, alguns nem tão bem assim). Ao serem forçados a conviver novamente, os irmãos também têm de enfrentar perspectivas que, enquanto eram crianças, eram ignoradas. Além disso, agora, adultos, não há mais ninguém para culpar pelo o que acontece em suas vidas a não ser eles mesmos. Ninguém se dá realmente conta disso a não ser quando tudo está desmoronando e não há para onde correr.
Não há muito sentido em abordar mais da trama na série neste texto, e dar o play sem ver trailers ou imagens da produção é o mais recomendado. Descrever The Umbrella Academy como uma mistura de X-Men com My Chemical Romance (banda de Gerard Way), com uma pitada de Wes Anderson, parece justo. Diferentes jornadas de autoconhecimento e aceitação, enevoadas por uma boa dose de angústia e ironia, com uma trilha sonora sensacional. Além de uma ótima seleção de músicas, a série conta com trilha de Jeff Russo, que compõe temas marcantes e melancolicamente belos. O compositor, inclusive, também é responsável pela trilha de Legion (2017 -), aquela outra série com mutantes disfuncionais.
The Umbrella Academy tem um primeiro episódio incrível, que apresenta muito bem a história e os personagens, e instiga o público a continuar assistindo. Com 10 episódios de 50 minutos, a produção pode parecer lenta em sua metade para alguns, o que certamente não foi o meu caso, pois tudo passou rápido demais aos meus olhos. O elenco também merece todos os elogios, quando o público “adota” personagens de uma série logo em seu primeiro episódio, as coisas estão dando certo. Acompanhar a jornada de seu “Número” favorito é seguir o caminho com esperança, torcendo para que ele encontre a paz que busca, e chegar ao destino com sentimento de orgulho ou de decepção.
The Umbrella Academy oferece ação, mistério, comédia, romance, irmandade, mas o que mais fica gravado no coração daquela menina que cresceu é a mensagem de que não, o mundo não vai melhorar, na verdade ele vai ficar bem pior. Mas ei, você tem poderes, que tal fazer algo a respeito? Que tal usar sua habilidade, aquela que só você tem, para ser a mudança na própria vida? Afinal de contas, não adianta correr, você não vai conseguir fugir de quem você é. Você é estranha, diferente, especial, única. Super.
Formada em Comunicação Social, editora de conteúdo do Cinema com Rapadura, Louise Alves é Potterhead, Marvete e viciada em trilhas sonoras. Seu gênero favorito é ação, mas sabe todas as falas de Orgulho e Preconceito. Odeia gente que acorda de bom humor e nunca leva desaforo pra casa.