Roma – A solidão no México


Em seu discurso ao receber o prêmio Nobel de Literatura Gabriel García Márquez faz uma reflexão sobre a solidão da América Latina. Seu texto passa pelas atrocidades que o povo latino americano sofreu desde sua colonização até os dias atuais, desde a carta do primeiro cronista hispánico até as guerras e os regimes ditatoriais que tanto mataram quanto atrasaram o desenvolvimento econômico e acentuaram as desigualdades sociais.
De certa forma, o filme Roma (2018), de Alfonso Cuarón, lembra um pouco esse texto. Dessa vez com um recorte bem específico, a Cidade do México na década de 1970. Embora não seja um filme que denuncia explicitamente as mazelas de seu povo, Roma faz um belo trabalho de ambientação e um sensível discurso sobre esse tema. Seu enredo gira em torno de uma família de classe social elevada e tem como figura principal a empregada Cleo interpretada por Yalitza Aparicio. A história se desenvolve de uma maneira bem gradual e se dá de duas formas, a primeira com o pai da família saindo de casa e abandonando sua esposa e quatro filhos pequenos; a segunda é a história da própria Cleo que engravida e que se vê sozinha, após o não reconhecimento do pai da criança.
Muito focado no cotidiano, o filme tem um ritmo lento, mas que não se torna maçante. Cada segmento e sequência que passa Cuarón desenvolve cada vez mais a relação entre as personagens, esse desenvolvimento é o ponto mais interessante do filme. Justamente por mostrar o crescimento das personagens e de todas as suas mudanças sejam físicas ou psicológicas. Todo essa relação e crescimento culmina em uma sequência na praia, já próximo do final do filme. Essa sequência completa é uma das coisas mais bonitas e mais minimalistas que vi em um filme do Cuarón.
Sobre o ponto de vista técnico o filme é um primor visual. O diretor também assina a fotografia e ele tem um senso estético muito forte. Com planos longos, Cuarón trabalha bem com camadas de ação, muitas vezes acontecendo mais de uma coisa no plano, o corte aqui é preciso e somente quando necessário. Tudo muito bem pensado pelo diretor (que também foi o editor do filme), tudo está a serviço da decupagem que realmente rouba a cena e comprova a qualidade de seu diretor, tornando-se uma das melhores coisas do filme. As atuações são primorosas com destaque para já citada Yalitza Aparicio e para Marina De Tavira (que interpreta a mãe da família e chefe de Cleo), ambas dão um toque realista e necessário para as personagens, mas sempre com um semblante mais tranquilo a raiva e a tristeza nunca é totalmente extravasada, são atuações contidas que as personagens pedem e que as atrizes são capazes de oferecer.
A solidão de Roma está nas relações entre as personagens e na maneira como elas se veem sozinhas no mundo. Em um México conflituoso que serve como cenário para a história, o filme é uma constante volta a solidão e ao abandono, seja ele um abandono físico ou psicológico. O plano do abraço final na praia é a comprovação disso e a consolidação da ideia de que as personagens precisam de alguma forma se unir e viver. Roma é um filme lindo e sensível, que mostra uma face do México dos anos de 1970 não tão comum ao grande público e seu diretor o faz de uma maneira muito natural e espontânea e com uma beleza que se traduz nos detalhes. É o melhor filme da carreira de Alfonso Cuarón e seu primeiro grande filme depois de Filhos da Esperança (Children of Men, 2006).