Com o ano de 2018 chegando ao fim, e com a lista de pré-selecionados para o Oscar 2019 já divulgada, chegou também o momento de falar sobre as melhores trilhas sonoras do ano. Um disclaimer necessário e já para evitar possíveis revoltas: a autora desta lista é uma espectadora “padrão” de cinema, que assiste majoritariamente a blockbusters (e com orgulho), e portanto muitas das escolhas podem parecer óbvias. Isso, no entanto, acaba sendo um fator positivo, pois duas das trilhas em questão poderiam ser vítimas do famoso preconceito de que “trilhas da Marvel são esquecíveis”, e uma delas poderia entrar na categoria de “filme de ação não tem trilha que preste”. Outro disclaimer é que essa lista foi feita considerando os filmes vistos pela autora, e de nenhuma forma é uma lista definitiva do que seriam as melhores trilhas sonoras, afinal longe de uma análise técnica, este texto é uma ode à compositores que entendem a proposta dos filmes e se entregam de corpo e alma a produzir trilhas, acima de tudo, passionais. Segue então a lista das 5 melhores trilhas de 2018:
Um elemento notável na trilha é o uso do tema
“The Plot”, criado pelo compositor do tema principal da série
Missão: Impossível (Mission: Impossible, 1966 – 1973),
Lalo Schifrin, e que foi usado apenas por Michael Giacchino na franquia, sabe-se lá por que. Balfe fez essa homenagem em
“Steps Ahead” e em
“And The Warrior Whispers Back”, o que me fez dar um pulo de alegria no cinema. Afinal “The Plot” faz parte do que considero ser a melhor faixa de uma trilha de “Missão Impossível”,
“Factory Rescue”. Além disso, Balfe usou o
tema principal da forma mais digna de um filme de ação que todos os outros da franquia, ao dar um peso e uma batida forte a ele, ao contrário dos outros filmes, que têm uma vibe mais jazz. Um detalhe sutil que Balfe também adicionou à saga foi o curto
tema em piano evocando mistério, que toca em momentos chave do longa. O compositor também adicionou o
tema do “fallout” de Ethan, o resultado de suas ações. Em suma, Lorne Balfe criou uma excelente trilha para o melhor filme de ação de 2018 (e de muitos outros anos também).
Apesar de achar que, em sua maioria, a crítica de possuir trilhas esquecíveis seja um tanto injusta, o MCU sofre sim com um problema. Com atualmente 20 filmes lançados, a consistência nas trilhas acaba sendo comprometida. A “fórmula Marvel”, bem aplicada mesmo com tantos diretores e roteiristas diferentes, não funciona quando se trata de trilhas, e isso acontece porque, pelo que pude notar com as diversas trilhas já ouvidas, compositores possuem egos que não os permitem que usem o trabalho de outrem. Assim, em “Guerra Infinita”, não ouvimos os temas individuais dos heróis que tanto amamos (com uma exceção, que será comentada em breve). Mas Silvestri fez exatamente aquilo que os irmãos Russo também fizeram no filme, compôs uma trilha que refletisse Thanos (Josh Brolin) e sua busca pelas Joias do Infinito.
O compositor começou usando o tema criado para o
Tesseract em “O Primeiro Vingador”, que foi usado também em
“Os Vingadores”, e agora se tornou o tema das Joias do Infinito. Usou também, claro, o tema dos Vingadores, embora apenas em momentos pontuais, para gerar a devida emoção no público. No mais, Silvestri criou um tema para Thanos, um tema para o Sacrifício, e o tema de quebrar o coração da Guerra Infinita. Falando especificamente sobre as faixas, o tema dos Vingadores aparece brevemente no momento do
logo do filme, e então de forma mais forte em
“Help Arrives”, quando Steve Rogers (Chris Evans) surge das sombras para salvar seus amigos. Ele também toca brevemente quando Tony Stark (Robert Downey Jr.)
consagra Peter Parker como um Vingador. O tema do sacrifício toca primeiramente em
“Even For You”, quando Thanos sacrifica Gamora (Zoe Saldana) em troca da Joia da Alma, e depois em
“I Feel You”, quando Wanda (Elizabeth Olsen) tem de sacrificar Visão (Paul Bettany) para que Thanos não consiga a Joia da Mente. Lágrimas.
A faixa digna de finalizar esse, já alongado tópico é
“Forge”, o verdadeiro resumo do quão épico esse filme é, representando um herói que recebe todo o poder de uma estrela pelo seu corpo, e depois chega em Wakanda com seu Rompe Tormentas e o tema dos Vingadores.
JAMES NEWTON HOWARD
Longe de estar na lista dos melhores filmes do ano de 2018, o mesmo não deve ser dito da excelente trilha de “Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald”, composta por
James Newton Howard, que retorna para o segundo filme da franquia, e que, com esperança, permanecerá até o quinto da série. Howard já tinha ajudado a introduzir novos personagens e um novo ambiente ao Mundo Mágico de Harry Potter, criando temas lindíssimos e poderosos em
Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to Find Them, 2016). Neste segundo, ele aposta na melancolia e em temas mais abrangentes, para situações, em vez de personagens, o que devo admitir, me confunde bastante, na tentativa de descobrir o que pertence a que. Isso de forma alguma afeta o trabalho do compositor, que continua a honrar
John Williams (compositor dos três primeiros “Harry Potter”), ao mesmo tempo que deixa sua própria marca na franquia.
Para falar sobre o tema mais significante do filme, devo mencionar um dos trabalhos mais notáveis de Howard,
A Vila (The Village, 2004), do diretor
M. Night Shyamalan, com quem o compositor tem uma longa parceria. A trilha tem alguns dos mais icônicos temas de Howard, e duas faixas especificamente parecem ter sido grande inspiração para o tema de Leta Lestrange (Zoë Kravitz).
“Leta’s Flashback” remete a
“Those We Don’t Speak Of”, mais precisamente em 2:36, e
“Leta’s Theme – Solo Piano” remete a
“The Gravel Road”, adicionando um violino ao tema da Leta, a semelhança aumentaria ainda mais. E é precisamente essa melancolia que Howard traz ao personagem de Leta, com o tema mais bonito do filme, e que é repetido diversas vezes, de diversas formas, dando mais peso a uma história nem tão bem desenvolvida assim.
Howard também criou o tema de
Dumbledore (Jude Law), e de início ele não sobressaiu em meio à trilha. Foi então que percebi que na realidade o tema de Dumbledore reflete muito a personalidade de um dos bruxos mais amados do Mundo Mágico: é divertido, sutil, delicado, e levemente triste em certo momento, elemento este que se relaciona com a faixa mais desoladora da lista,
“Blood Pact”. Esta música toca em um das melhores cenas do filme, quando Dumbledore vai ao Espelho de Ojesed e vê parte de seu passado com Grindelwald (Johnny Depp). E se minhas previsões estiverem corretas, a parte mais inconsolável deste tema deve remeter no futuro (ou seria no passado?) a um personagem muito importante na história de Dumbledore.
Temas já conhecidos do primeiro filme estão de volta, como o de Newt (Eddie Redmayne), dos animais fantásticos, da MACUSA (ou nesse caso, da Magia no geral), mas uma ausência é fortemente sentida. O tema do Obscurus no filme anterior é um dos melhores da obra, e traz um peso enorme ao personagem de Credence (Ezra Miller). Neste filme, ele some. Na realidade, parte dele aparece brevemente em
“Irma and the Obscurus”, e outra parte dele em
“Restoring Your Name”, tão baixo e tão rápido que é fácil de deixar passar batido. É compreensível, afinal Credence evoluiu para algo além do Obscurus, mas assim, seu personagem fica no limbo dos temas, pegando carona em outras faixas.
Outra semelhança que a trilha de “Os Crimes de Grindelwald” evoca, é com
Harry Potter e o Enigma do Príncipe (Harry Potter and the Half-Blood Prince, 2009), com a presença de corais, como em
“In Noctem”, ou com a leveza e melancolia de
“Harry and Hermione”. James Newton Howard entregou uma trilha de quebrar o coração e ao mesmo tempo divertida, que com um filme à altura, teria criado uma das melhores combinações de 2018.
LUDWIG GÖRANSSON
Pantera Negra (Black Panther, 2018), o segundo filme do MCU da lista e o maior exemplo de que a Marvel produz, sim, trilhas inesquecíveis. O filme traz o primeiro super-herói negro dos cinemas, com um elenco e equipe quase que totalmente composto por pessoas negras, e com uma trilha que traz uma mistura perfeita das raízes africanas, realeza e modernidade.
Ludwig Göransson é o responsável por esse trabalho, e para produzir uma trilha à altura de “Pantera Negra”, o compositor sueco viajou até a África para conhecer mais sobre a cultura, a música, os ritmos e instrumentos do continente em que Wakanda estaria inserido.
Reconhecendo minhas próprias limitações ao falar de uma trilha tão rica, eu recomendo
um vídeo em que Göransson explica os elementos da faixa “Wakanda”, mostrando um pouco sobre os “tambores falantes” e a
contribuição de
Baaba Maal, cantor senegalês que teve participação na trilha.
Outro vídeo também mostra parte da jornada de Göransson na África, e seu processo de gravação tanto dos tambores quanto da parte orquestral. Em um episódio do podcast
Song Exploder, Göransson também explica as partes da faixa “Killmonger”.
Os temas principais da trilha podem ser condensados em três, o de T’challa, o da realeza/plano ancestral, e o de Killmonger (Michael B. Jordan), todos conectados não só melodicamente, mas na própria narrativa do filme.
“Wakanda” começa com o canto de Maal, em que ele fala sobre a morte de T’Chaka (John Kani), e como um novo rei tem que tomar seu lugar. Na mesma faixa, os tambores falantes cantam o nome de T’Challa, algo que também é feito pelos espectadores do duelo entre o príncipe, agora rei, e M’Baku (Winston Duke) em
“Waterfall Fight”. Para ser coroado, T’Challa deve visitar o plano ancestral, momento em que somos apresentados ao que essencialmente é o
tema do trono de Wakanda, lugar por onde já passaram vários reis, que estão agora no plano ancestral.
E logo depois somos apresentados a Killmonger, cujo tema começa com a mesma melodia do plano ancestral. Göransson explicou que este tema foi o primeiro desenvolvido para a trilha, e foi a partir dele que todos os outros se desenvolveram.
“Killmonger” representa a mistura que compõe o personagem, com a melodia africana e a batida estadunidense se unindo para formar Erik Killmonger, ou N’Jadaka, que também possui sangue real, e por isso, tem tanto direito a tema do trono de Wakanda quanto T’Challa. Em
“A King’s Sunset” o destino dos dois se entrelaçam, em uma faixa que acompanha uma das cenas mais lindas e significativas do filme, e que conta com o canto inicial de Baaba Maal, representando um novo começo.
A trilha de “Pantera Negra” é, como disse no início, uma mistura das raízes africanas, realeza e modernidade, e a faixa
“Phambili” mostra bem isso. Göransson queria o som africano, mas queria também a orquestra para dar o som de realeza devido a T’Challa, junto também a um som moderno. Minha falta de domínio com os termos técnicos para uma trilha tão rica assim pode ser suprido por uma boa pesquisa sobre a composição deste projeto, o que recomendo de todo coração.
Também não pode ser esquecido o trabalho de
Kendrick Lamar, que produziu
um álbum inteiro inspirado em “Pantera Negra”. O diretor
Ryan Coogler entrou em contato com o músico para que ele compusesse apenas algumas músicas, mas assim que Lamar pôde ver o que já havia pronto do filme, ele decidiu que algumas músicas não seriam suficiente, e compôs um álbum inteiro. Também vale a conferida, sem dúvidas.
JUSTIN HURWITZ
Em 2017,
Justin Hurwitz ganhou o Oscar de Melhor Trilha Sonora por
La La Land: Cantando Estações (La La Land, 2016), um trabalho clássico, romântico, uma homenagem, assim como o filme, à clássica Hollywood e à era dos musicais, e foi, por este mesmo fato, a aposta fácil de todos os bolões. O prêmio foi merecido, e pode ser que Hurwitz conquiste sua segunda estatueta com outro filme dirigido por
Damien Chazelle (que, por sinal, também deve conseguir uma indicação).
O Primeiro Homem (First Man, 2018) conta a história de Neil Armstrong (Ryan Gosling) e sua jornada até se tornar o primeiro homem a pisar na lua. Para entender a abordagem usada por Hurwitz na trilha, é necessário entender também o diferencial do filme. Ele não é um filme “de espaço”, por assim dizer. Embora a motivação do protagonista seja de fato conseguir que a missão para a lua seja bem-sucedida, é a família Armstrong que é ponto central do longa, assim como o próprio jeito excêntrico de Neil.
E isso se reflete na trilha de Hurwitz. Existem três temas centrais no filme:
o tema do próprio Neil, e de como sua mente funciona, essencialmente;
o tema dos Armstrong; e o tema de Karen, a filha de Neil e Janet (Claire Foy), o que considero o tema principal do filme. Embora isso seja um fato histórico e que aconteça no início do filme, Karen morre aos dois anos de idade, vítima de um tumor maligno. Isso, claro, afeta profundamente Neil, assim como também o motiva. O tema toca diversas vezes na trilha, timidamente, mas é em
“Crater” que ele se revela mais forte, quando Neil está na lua, com o bracelete de sua filha falecida, e o joga em uma cratera. Os temas geralmente se entrelaçam na trilha, criando uma harmonia de trazer lágrimas aos olhos.
É ainda mais interessante notar que o instrumento musical teremin é usado diversas vezes na trilha, como uma relação com o próprio Neil, que o tocava, e que levou um álbum chamado
Music Out of the Moon (Música Tirada da Lua), com forte presença do instrumento, em sua viagem para a lua. Uma faixa do álbum também é tocada no filme, quando Neil e Janet estão dançando na sala de estar. O teremin é dito como um instrumento dotado de um som etéreo, como um lamento, o que funciona perfeitamente com o luto por Karen.
A trilha de “O Primeiro Homem” poderia ser exaltada por mais incontáveis parágrafos, mas finalizo minha admiração com a faixa
“Whitey On The Moon”, cantada por
Leon Bridges, e que, no filme, mostra o protesto de negros contra o fato de que enquanto eles estão sofrendo para pagar o aluguel, sem comida, sem cuidados médicos, “o branco está na lua”.
—-
Quatro dos cinco filmes aqui listados já foram pré-selecionados para a categoria de Melhor Trilha Sonora do Oscar 2019 (só “Missão Impossível” ficou de fora), e o prêmio deve ir ou para Hurwitz ou Göransson (se o mundo for justo). Há também de se considerar o efeito
Alexandre Desplat, que também está selecionado com a trilha de
Ilha de Cachorros (Isle of Dogs, 2018). Desplat foi o último vencedor do prêmio, com
A Forma da Água (Shape of Water, 2017), e seu Oscar anterior havia sido justamente com outro filme de
Wes Anderson,
O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel, 2014), em uma vitória um tanto controversa. Mas em 2019, se o prêmio for dado para outro compositor que não seja Hurwitz ou Göransson, ao menos eles podem dizer que ganharam a honra de serem listados neste site.