PJ BRANDÃO
Esse foi um ano em que eu li pouco quadrinho apesar de ter lido muita coisa. Dá pra dividir as obras do mundo em dois grupos: coisas que li por causa do mestrado (prioritariamente textos teóricos) e tudo mais que não li por causa do mestrado (basicamente tudo o mais que existe no mundo, incluso HQs). Só tomei vergonha na cara pra ler as coisas que tinham saído nesse ano mais pra novembro, por isso minha lista de melhor do ano mudou muito nos últimos dias.
Eu sei que muita coisa passou batido pelo meu radar, acredito que só vá conseguir lá pro ano que vem (mais especificamente no Carnaval, pois feriado e vai ser depois da minha defesa). Mas acredito que o Top 5 que eu faço aqui vai ser um bom Top 5 apesar de tudo. São cinco HQs que tocaram meu coração de forma diferente. Umas por causa da parte visual. Outras pela narrativa. Algumas pela causa social que tratam. Todas por serem ótimas obras.
Refugiados: A Última Fronteira
de Kate Evans (Darkside Books)
Munida de um caderno de desenhos, Kate Evans saiu de sua terra natal, a Grã-Bretanha, para o sul da França, mais especificamente a cidade portuária de Calais, mais especificamente entre os anos de 2015 e 2016. Lá estão milhares de refugiados, vindos do continente africano e do Oriente Médio, procurando uma nova oportunidade de vida na Europa. A cidade onde estão refugiados é conhecida por ser uma área produtora de renda, bordados e outros tipos de produtos ligados à manufatura têxtil, o que faz Kate utilizar as rendas como elementos gráficos, no espaço tradicional das sarjetas que dividem os quadros.
Dentro desses quadros, a artista narra sua relação com as diversas pessoas que encontra pelo caminho, suas histórias, o sabor de suas comidas, seus sotaques, suas dores. Refugiados é um trabalho mais do que bonito, urgente. Uma série de informações em forma de diário em apoio a essas pessoas que escolhem desesperadamente por arriscar a própria vida em um barco e em um país estranho do que a certeza da morte de ficar em sua própria terra.
A Revolução dos Bichos
de Odyr (Quadrinhos na Cia.)
A Revolução dos Bichos, de George Orwell, é um dos meus livros favoritos. Odyr Bernardi é um dos meus artistas brasileiros favoritos. Juntar os dois em uma obra parece que foi uma carta de amor da Quadrinhos na Cia., selo de HQs da Companhia das Letras, pra mim. Entenda, a adaptação quadrinística feita por Odyr não é ousada, não modifica muito o cânone. E que bom que não é. O texto de Orwell se encontra ali, e o trabalho de desenho do artista gaúcho se acopla às palavras do original, por vezes parecendo mais um livro ilustrado do que uma HQ.
O resultado disso é a criação de uma nova dimensão interpretativa à obra do autor britânico. Dá pra ver as pinceladas pesadas de Odyr mesmo depois de chegarem à impressão do papel, como se o seu pincel tivesse o peso das palavras com as quais Orwell forjou o seu clássico lançado em 1945. O que torna a obra tão linda quanto dolorida é porque a gente percebe que pouca coisa mudou, e alguns animais ainda são mais iguais do que outros. Ponto para o excelente timing político da editora.
Ouça o Me Indica Um Quadrinho do HQ sem Roteiro Podcast sobre a obra aqui.
Cara-Unicórnio: Volume 1
de Adri A. (independente)
Tive a oportunidade de conversar com o quadrinista Adri A. para um HQ Sem Roteiro Podcast nesse ano de 2018. Corri atrás de falar com ele por adorar belíssimas ilustrações e pequenas partes da HQ Cara-Unicórnio que ele lançava na página de Facebook do projeto que, posteriormente, foi financiado pelo Catarse. Depois da entrevista, o Adri mandou pra mim um exemplar de Cara-Unicórnio: Volume 1 e posso dizer que ele proporcionou algumas das gargalhadas mais gostosas que tive no ano.
Sério, a história do rapaz que se torna meio que um super-herói após ser mordido por um unicórnio radioativo me acompanhou enquanto eu tava no hospital por causa da minha noiva que tinha torcido o pé. Ela tava com o pé machucado e ria alto da HQ nos corredores do hospital. Além de tudo, a obra é analgésica! Ah, se não bastasse a comédia gargalhante da obra, a forma como o artista aborda os dramas e as alegrias LGBT tornam esse quadrinho independente não somente uma das melhores leituras do ano, mas também uma das mais importantes.
Paraíso Perdido
de Pablo Auladell (Darkside Books)
Mais uma adaptação na lista, dessa vez do clássico poema de John Milton sobre a épica queda de Lúcifer do Paraíso em direção ao Inferno e da consequente luta do rei das profundezas em busca de corromper a alma dos primeiros humanos. Tá tudo lá que a gente conhece da mitologia católica: tem Deus, tem Jesus, tem Adão, tem Eva, tem a maçã. Também tem todo o subtexto dessas narrativas que nos acompanham a eras: a misoginia, a servidão, os ideais de pureza e de punição divina, etc.
O que o espanhol Pablo Auladell faz é trazer seu rico desenho e sua perspicaz narrativa visual para a obra de Milton. Por vezes, fica difícil saber se você olha para uma página de quadrinhos ou para uma fotografia de um afresco pintado em alguma parede antiga de alguma igreja. É uma experiência impactante acessar o poema por meio dessa HQ. É um desenho crítico, uma obra que perturba ao te fazer sentir simpatia por quem não deveria e questionar quem sempre te ensinaram a adorar. Uma obra que te faz ter vontade de ler de novo assim que você termina.
Um Pedaço de Madeira e Aço
de Chabouté (Pipoca e Nanquim)
Uma HQ sem palavras focada somente em um banco de praça. Esse é um resumo mais do que digno da obra do francês Chabouté. Um calhamaço de algumas centenas de páginas, focadas em um pedaço de madeira e aço em um local qualquer (o enquadramento é tão próximo do banco que não dá pra saber muito bem sobre o ambiente) e nas diversas pessoas que passam por ali. Falei bastante sobre a obra no Iradex Podcast #196, o que é engraçado, já que palavras são exatamente o que não têm na obra, apesar de sua verborragia implícita.
A neve cai, o sol aparece, um casal se beija, um homem picha, uma mulher chora, outra sorri, uma pessoa em situação de rua encontra um local para dormir, um policial encontra alguém para gritar… O banco é ativo em sua passividade, guarda marcas, abraça os que ali querem passar alguns segundos, minutos. Um Pedaço de Madeira e Aço é a minha leitura favorita de 2018 por, a partir de uma ideia simples e uma realização primorosa, articular o que há de melhor na linguagem dos quadrinhos: um punhado de imagens lado a lado que fazem a gente sentar em um local qualquer, entrar em um mundo novo, para sorrir, chorar, se emocionar. Uma HQ que me fez me lembrar porque eu amo HQs.
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TATIANA FERREIRA
2018 trouxe um dos anos mais bem abastados de publicações estrangeiros no Brasil. Vieram revistas e séries dos mais variados estilos e universos. Foi o ano em que as revistas da editora italiana Bonelli ganharam força e personagens consagrados, que há muito não davam as caras por aqui, voltaram, de exemplos como Martin Mystère, Nathan Never e Nick Raider. Os quadrinhos americanos de editoras independentes chegaram em abundância e a Image Comics aumentou sua parcela de títulos aqui. Minha querida Archie Comics voltou depois de 40 anos e Marvel e DC tiveram suas surpresas e atrasos normais (só demorou 10 anos para vir a segunda Biblioteca do Surfista Prateado!). Pelo lado dos mangás, parece que foi bom também, mas como não é minha praia, eu só peço que façam listas dos melhores mangás de 2018. Enquanto isso, lá fora, os números de publicações aumentaram e cada vez mais revistas chegam em comic shops nas quartas-feiras, ao ponto de você se perder na questão “o que eu vou ler hoje?”. Mas, houve um acréscimo no número de graphic novels e algumas delas podem está passando por aqui em 2019. Essa lista foi feita como um mix de tudo que você pode começar a ler hoje mesmo! (mas só depois de ler o texto!!)
Bone
de Jeff Smith (Todavia)
Bone é um daqueles quadrinhos bastante cultuado que nunca teve seu fim publicado aqui. A Via Lettera e HQM tentaram em anos passados (essa primeira, quase, conseguindo), mas a série não consegue emplacar. Dessa vez é a editora Todavia que se encarrega da tarefa.
Poucos quadrinhos são os que eu realmente consigo chamar de favorito. Nem sempre é o mais popular ou mais cultuado que chama minha atenção, com Bone é algo bem diferente. Depois de serem expulsos de Boneville por causa de um dos esquemas de Phoney Bone, os primos Bone terminam em um vale nas montanhas. Geralmente, resumem Bone como “Senhor dos Anéis com bastante humor”, ou “a melhor fantasia feita em quadrinhos”. Isso descreve bem, mas eu adicionaria: “Looney Tunes no meio de uma fantasia épica”. Pronto!
É uma leitura bastante interessante, porque são coisas que eu não associo imediatamente a histórias em quadrinhos. Eu sei que não estou fazendo justiça nesse pequeno review, mas tenho pouco tempo e é quadrinho para ser vivenciado, individualmente.
Ice Cream Man
de W. Maxwell Prince e Martin Morazzo (Image Comics)
Todo ano, a Image Comics traz uns quadrinhos que acabam virando a sensação do ano e te pegam de surpresa, sejam eles escritos por nomes já consagrados, ou gente que tá chegando agora. Esse é o caso de Ice Cream Man. Um antologia de horror com toques de psicodelia, o quadrinho traz uma pegada meio Além da Imaginação, apresentando histórias fechadas em cada edição e tendo um personagem narrador principal que circula por todas essas histórias, aqui, o querido Homem do Sorvete! As temáticas das histórias são o grande espetáculo, não é somente horror com monstros e sangue, mas lidam com perda, solidão, esquecimento e depressão, trazendo um plot twist para cada uma delas. A revista continua sendo publicada por lá com breves hiatos entre arcos.
5 por Infinito
de Esteban Maroto (Pipoca & Nanquim)
Pipoca & Nanquim tiveram um ano em tanto, com uma junção de lançamentos para todos os estilos e gostos, que fica até difícil escolher um. Mas, como eu adoro uma boa ficção científica dos anos 60, fiquei com 5 por Infinito.
Junto com Valérian, a obra do Esteban Maroto introduziu e padronizou muitos dos conceitos que grandes franquias anos depois iriam expor para a chamada cultura pop, é sempre bom dar uma olhada para os primórdios de um gênero nos quadrinhos. Algumas coisas parecem bastante repetidas, mas, justamente, pelo fato de já termos vistos remasterizações e adaptações. A história é sobre 5 terráqueos chamados como Exploradores do Espaço, que trabalharam à serviço deste ser alienígena conhecido, apenas, como Infinito. A missão deles é fazer contato com outras espécies, solucionar problemas e propagar a paz intergaláctica, eu vou fazer uma pausa para alimentar meu orgulho Trekkie e dizer que Star Trek veio primeiro, o quadrinho foi originalmente lançado em 1967. Diferente de Jornada, é bacana ver o olhar não-americano dentro dessa mesma narrativa. O estilo de arte e esquemático dos personagens lembram muito o que estava sendo feito, nessa mesma época, nos quadrinhos de super-heróis. O Quarteto Fantástico de Lee & Kirby, serve como uma referência direta para o que Maroto queria alcançar. Esse volume traz os 20 volumes originais da série em formato de luxo.
Is This Guy for Real?: The Unbelievable Andy Kaufman
de Box Brown (First Second)
Conheci o Box Brown através de seu trabalho anterior, Tetris: The Games People Play, em que ele costura uma linha narrativa no momento da criação do conhecido jogo, explorando a dualidade entre um novo brinquedo explorando as novas tecnologias, e uma arma usada para espionagem em plena Guerra Fria, e você acaba vendo que aquelas peças não são somente blocos. Brown gosta de trabalhar com personagens reais sendo influenciados por fatos fictícios inseridos ao longo da história. Ele fez isso, primeiro, com o lutador Andre The Giant, e agora, com o comediante Andy Kaufman.
O Andy é um prato cheio pro Box e sua viagens pela dualidade: era um cara estranho, que tinha o coração de ouro, mas buscava o ódio e a indiferença das pessoas. Quase como se sua vida fosse uma grande piada e ele fosse uma caricatura que a percorria. Neste quadrinho, tem uma tentativa de explicar isso, abordando momentos na vida de Kaufman e também o pondo em momentos que não aconteceram. Espero que editoras brasileiras deem uma olhada no trabalho do Box Brown e tragam pra cá. Fica aqui o pedido.
The Immortal Hulk
de Al Ewing e Joe Bennett (Marvel Comics)
Super-heróis foram meio decepcionantes para mim esse ano, não consegui acompanhar o que eu queria, Homem-Aranha está uma bagunça, como sempre; meu querido Quarteto Fantástico está nas mãos de um roteirista que eu detesto. Quem poderia manter minha dose de Marvel? O Hulk? Hulk? Sim, o Hulk!
Esse é um personagem complicado de se curtir, ou você lê pela porrada ou pela porrada, já que, poucos conseguiram ir além da dinâmica do “Médico e o Monstro”. Al Ewing é um cara que gosta de escrever e desenvolver personagens, ele quer fazer com que esses seres dotados de superpoderes fiquem mais próximos da vida real, quase como se fossem algum familiar ou seu vizinho. Você conhece esses personagens, mas não tanto quanto você acredita que conhece, eles não são assim tão superficiais. Hulk passou por maus momentos nos últimos anos, alternando entre ser uma besta imparável e um ser pensante, essa variação acontece, mas de uma maneira bem mais dosada.
A representação de Ewing da divisão Hulk/Bruce é inquietante, em parte porque ele coloca tanta ênfase em espelhar a divisão em todos nós. Esta é uma história em quadrinhos centrada na dualidade e na ideia de que um monstro se esconde dentro de muitas pessoas pacatas. A arte de Bennett é igualmente responsável por pregar o choque entre super-heróis e terror.
Deve chegar no Brasil no fim de 2019.
MENÇÃO HONROSA
My Heroes Have Always Been Junkies
de Ed Brubaker e Sean Phillips (Image Comics)
A dupla Brubaker & Phillips já são uma instituição quando se fala de melhores do ano, eles também terminaram Kill or be Killed, mas preferi ficar com a primeira graphic novel dos dois. A história é uma conhecida coming of age, ou seja, acompanhamos a trajetória de alguém jovem se descobrindo, no caso, o alguém jovem é uma garota chamada Ellie. Adolescente, Ellie sempre teve idéias românticas sobre viciados em drogas, essas trágicas almas artísticas atraídas por agulhas e pílulas têm sido uma obsessão desde a morte de sua mãe drogada há dez anos. Mas quando Ellie chega a uma clínica de reabilitação de luxo, onde nada é o que parece ser, ela vai encontrar outro romance mais perigoso e descobrir com que facilidade drogas e assassinatos andam de mãos dadas.
Brubaker segue sua linha de narrativas com femme fatales, que pode não agradar todos, principalmente por Ellie ser muito centrada em sua obsessão por músicos com vivências trágicas, e ela acabe ficando presa no estereótipo de “menina problemática do começo da década de 90”. Ainda assim, eles criam uma boa história noir lidando com os riscos e a má interpretação de um dependente químico, mas que agora flerta muito com os conceitos do neo-noir, que difere bastante do que eles fizeram em Criminal, que tem aparência de um noir mais clássico. My Heroes Have Always Been Junkies é uma história com um estilo mais rápido, mais atual, até parece um filme da A24, mas sem o Lucas Hedges.
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