Apesar das muitas (e injustas) críticas, a Netflix continua a trazer muito conteúdo de qualidade para diversos gostos. Mas nos primórdios das produções originais do serviço de streaming, uma das séries que ajudou a construir a fama da plataforma foi Demolidor (Daredevil, 2015 – 2018), a primeira série da parceria com a Marvel, que futuramente iria trazer Jessica Jones (2015 -), Luke Cage (2016 – 2018), Punho de Ferro (Iron Fist, 2017 – 2018), Os Defensores (The Defenders, 2017), e claro, O Justiceiro (The Punisher, 2017 -). Hoje em dia, no entanto, sabemos que esta parceria foi comprometida, e a Netflix traiu seu público e ela mesmo ao cancelar a série de Danny “Eu sou o Punho de Ferro” Rand, a do Luke Cage, e (inacreditavelmente e dolorosamente) a série de Matthew Murdock. Ainda vivas estão a série da detetive particular Jessica Jones e a série de Frank Castle. Bom, por enquanto.
Quando começou a época de cancelamentos, a terceira temporada de Jessica Jones e a segunda de O Justiceiro já estavam em produção, o que garantiu ao público ao menos mais 13 episódios de cada, assim como uma oportunidade de finalizar as histórias (ao contrário do que aconteceu com o trio Nelson, Murdock & Page, não é mesmo, Netflix?) De qualquer forma, mesmo com um provável cancelamento em vista, uma coisa é certa. A série de Frank Castle merece seu respeito, e este texto vai provar por que.
Apresentado na segunda temporada de Demolidor, Frank Castle (Jon Bernthal) buscava justiça. Bem, na verdade, vamos ser francos, ele buscava vingança mesmo. Sua família foi morta em um tiroteio no parque, e ele quase foi morto no processo. Mas sobreviveu, e desde então começou a buscar por respostas, enquanto matava alguns bandidos no processo. Para ser bem justo com o caro leitor, admito logo que pouco conheço de quadrinhos. Não, minto, eu nada conheço de quadrinhos, o que na realidade torna este texto mais conectado ao que se propõe, que é apresentar qualidades da série.
Frank Castle levou o melhor plot da segunda temporada de Demolidor, o que pode não parecer grande coisa em uma temporada que contou com a inutilidade do Tentáculo. Mas Jon Bernthal realmente vendeu o personagem, e ofereceu um ótimo contraponto para a moral católica de Matt Murdock. “Você bate neles, e eles levantam novamente. Eu bato neles, e eles permanecem no chão”, é o que Frank diz para o Diabo de Hell’s Kitchen, e sabe, ele tem um ponto. Pensando em uma situação realista, e deixando de lado a necessidade de seguir a narrativa, se Matt tivesse matado Wilson Fisk quando teve a chance, ele não teria ressurgido e causado todo o mal que voltou a causar. E essa discussão é uma importante de se ter.
Apesar de muitas vezes colaborar com o argumento de que “bandido bom é bandido morto” das muitas pessoas que vestem uma camisa com a caveira que o personagem leva, sem nem ao menos saber o que significa, Frank é um homem com uma missão. Com sua mulher e dois filhos mortos, Frank não entende como isso pôde acontecer, e não pretende parar até que esse mistério se resolva. Supostamente, ele descobriu que quem estava por trás disso tudo era seu antigo coronel, mas, na primeira temporada da série solo do personagem, descobrimos que Frank terá que cavar bem mais fundo para descobrir o que realmente aconteceu. Se você, como eu, já assistiu a produção, veja se eu faço algum sentido e comente se concorda ou não. Mas este texto é dedicado especialmente para quem ainda não viu a série, e não sabe muito por que veria, afinal, ela vai ser cancelada, não é mesmo?
Queria falar sobre quatro episódios (sem spoilers), que simbolizam o que “O Justiceiro” representa. O primeiro deles é “Kandahar”, o terceiro episódio, no qual temos a oportunidade de ver a missão que o coronel de Frank menciona na segunda temporada de Demolidor. Frank Castle e seu amigo Billy Russo (Ben Barnes) são tenentes que fazem parte de uma missão secreta chamada Cerberus (supostamente aprovada pelo Congresso, mas que permite altas ilegalidades). Quando o superior dos dois apresenta uma missão que se mostra como uma clara armadilha, Frank tenta evitar que ela seja posta em prática, o que não dá muito certo, e ele tem que ativar o seu grito de guerra (literalmente) para salvar seu batalhão inteiro. Todos sabem que Frank é uma máquina de matar, e a violência inerente ao personagem apenas se intensifica em sua série solo. Mas ele não é só isso. Ele tem estratégias, e serve sempre um propósito, por mais que ao longo de seu caminho ele seja contaminado cada vez mais pelo desejo de vingança.
“Who’s pretty now?” Episódio 8. Billy Russo, interpretado pelo…bem apessoado Ben Barnes. Suponho que se você tem algum conhecimento em quadrinhos, você já sabe quem ele é, e qual seria seu papel na história de Frank. Eu, no entanto, não tinha a menor ideia, e devo dizer que foi uma montanha russa de sentimentos. Interessante mencionar que no episódio previamente citado, Billy está lendo “O Retrato de Dorian Gray”, que não apenas faz referência à vaidade de seu personagem, mas também ao fato de que Barnes interpretou Dorian Gray nos cinemas. Tão meta. Pois bem, no episódio 8, os atos de Billy acarretam em um chocante evento, que me deixou ao mesmo tempo maravilhada e sentindo um ódio fulminante.
Episódio 10, e a prova do quanto Frank Castle e Karen Page (Deborah Ann Woll) possuem uma dinâmica bem melhor do que a da jornalista com Murdock. Para quem não sabe, ou não se lembra, Karen acredita que Frank não é a pessoa que todos pensam que ele é em Demolidor e começa a investigar seu passado. Os dois acabam criando um laço, que também é explorado em O Justiceiro. O que acontece é que Karen é constantemente menosprezada e subestimada por Matt e até por Foggy em Demolidor, enquanto que Frank sempre soube do que ela é capaz. O episódio 10 também possui uma baita narrativa, alternando entre os pontos de vistas dos personagens presentes na situação em foco, e terminando com todos eles com o mesmo conhecimento de uma verdade que até então era apenas de conhecimento do público.
Episódio 13. Memento mori, bitch! “Lembre-se de que você é mortal”. Sendo o último episódio da temporada, eu não posso explorar muito o que acontece, mas só digo que sempre que eu vejo um carrossel eu lembro dessa cena icônica. Finalizando meu ponto, O Justiceiro pode ser resumida em violência, sangue e a voz na sua mente que pergunta “como é que esse desgraçado do Frank não morre?”. Claro que não posso deixar de mencionar Micro, David Lieberman (Ebon Moss-Bachrach), o amigo e o equilíbrio perfeito para o brutamontes que é Frank.
Eu entendo o argumento de quem critica a série, e até mesmo de quem não entende o porquê de eu gostar tanto dela. Vendo pela segunda vez, com uma perspectiva mais distante, eu percebi que ela tem sim um problema de ritmo no início, que de nada me incomodou porque juntar violência com uma trama de agência secreta é simplesmente puro ouro para mim. Aos 13 anos eu fui apresentada à trilogia Bourne, cresci assistindo Missão Impossível (e sigo sendo abençoada com esta franquia), e adoro as (boas) temporadas da série “Homeland”. Juntar isso a uma estética de violência que muito se assemelha com a de Demolidor, trazendo à tona discussões relevantes para o cenário político atual, é algo que deve ser exaltado. E sim, a série tem um sub-plot irritante de um soldado com estresse pós-traumático que não leva a muita coisa, e uma agente da Segurança Nacional que eu juro que não sei como chegou nesse cargo (te lembra alguém, Nadeem?). Mas quando Frank entra na transe da violência e começa a gritar, você sabe que a viagem vai valer a pena.
Formada em Comunicação Social, editora de conteúdo do Cinema com Rapadura, Louise Alves é Potterhead, Marvete e viciada em trilhas sonoras. Seu gênero favorito é ação, mas sabe todas as falas de Orgulho e Preconceito. Odeia gente que acorda de bom humor e nunca leva desaforo pra casa.