As Viúvas – O luto transformado em ódio

Steve McQueen, diretor dos ótimos Fome (Hunger, 2008) e Shame (2011) e do vencedor do Oscar de melhor filme, 12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave, 2013), pelo qual recebeu uma indicação por direção, volta agora, após cinco anos sem estar à frente de um longa, para o aguardado As Viúvas (Widows, 2018). Com roteiro do próprio McQueen em parceria com a aclamada romancista Gillian Flynn, acostumada a transpor seus próprios livros para o audiovisual, como no filme Garota Exemplar (Gone Girl, 2014) e na recente minissérie Objetos Cortantes (Sharp Objects, 2018), Flynn agora se dedica a adaptar os personagens criados para a TV na década de 1980 por Lynda La Plante, nas minisséries As Damas de Ouro (Widows, 1983) e Widows 2 (1985) e que teve um remake em 2002 também em formato de minissérie para a TV.
A premissa básica do filme segue a mesma de suas versões anteriores: após as mortes de seus cônjuges em uma explosão durante um assalto, três viúvas de bandidos, precisam prestar contas com o dono do dinheiro roubado que foi queimado no acidente. Este, um candidato a vereador de um distrito periférico de Chicago, que viveu uma vida na ilegalidade, mas que deseja sair desta entrando para a política, ou seja, continuando na ilegalidade, mas com consequências menos severas. Ameaçadas pelo candidato, as viúvas descobrem os planos do próximo assalto de seus maridos e decidem pô-lo em prática juntas.

Assim, McQueen e Flynn brincam com o subgênero Filmes de Assalto (Heirst Film) ao colocar três mulheres sem experiência no mundo do crime e totalmente diferentes entre si para trabalharem juntas para salvarem a própria pele. A líder delas é Veronica Rawlings, interpretada magistralmente por Viola Davis, viúva de Harry Rawlings (Liam Neeson) e uma simples representante do sindicado dos professores. No entanto, após a morte do marido, Veronica se mostra implacável em suas ações, e como primeira a ter a vida ameaçada por Jamal Manning (Brian Tyree Henry), ex-gangster agora candidato a vereador, e seu cruel capanga Jatemme (Daniel Kaluuya), ela é a responsável por reunir as esposas dos falecidos assaltantes para colocar em prática um assalto que seu marido havia deixado planejado em um caderno, que resultaria no pagamento da dívida e sobraria o bastante para se manterem já que todas eram, de alguma forma e em diferentes níveis, dependentes dos maridos.
Depois temos Alice (Elizabeth Debicki), viúva do violento Florek (Jon Bernthal), a mais jovem das três, descendente de imigrantes poloneses Alice mostra sentir a perda do marido, mesmo que este a tratasse de forma violenta. Além disso sua mãe (interpretada pela talentosa Jacki Weaver) parece tê-la apenas como uma forma de ganhar dinheiro, e já que sua fonte de renda não está mais disponível, faz sugestões um tanto quanto estranhas para que a filha resolva este problema.
E por último temos Linda (Michelle Rodriguez), viúva de Carlos (Manuel Garcia-Rulfo), de origem latina e com dois filhos pequenos, Linda é, infelizmente, a menos explorada das protagonistas, mesmo que seu contexto seja um dos mais interessantes a ser trabalhado, já que é claramente a que mais necessita de ajuda para seguir a vida.

O elenco é, de longe, a melhor coisa do filme. Todos, desde as três viúvas, até seus antagonistas estão muito bons, com destaque para Kaluuya que entrega um vilão realmente memorável pela sua crueldade e frieza, através de um olhar assustador, além de, obviamente, Viola Davis, demonstrando física e verbalmente todo o conflito de sentimentos que passa conforme a narrativa caminha. Mas também é preciso dar os devidos créditos para Elizabeth Debicki, que nos oferece a personagem mais complexa do filme e a que possui um arco mais interessante.
No entanto é em tentar ressignificar o gênero, já consolidado em vários filmes, que McQueen e Flynn mais escorregam. Claro que é extremamente válido experimentar e se arriscar quando se fala em gêneros cinematográficos, mas é algo que requer muito cuidado, exatamente por se tratarem de signos e características já bastante encravadas no imaginário dos espectadores. O roteiro introduz um subplot político demasiadamente complicado, com personagens que nos fazem a todo momento nos perguntar sua função na narrativa principal. O tempo de tela deste núcleo, por mais interessante que seja individualmente, acaba por tomar espaço do que realmente importa no filme, as ações das viúvas, o que contribui para que o ponto alto do filme, que deveria ser o assalto em si, acaba perdendo força quando chega sua hora. E mesmo a relação do grupo – que é acrescido depois de um interessante quarto elemento – que tinha o potencial de ser a melhor coisa que o roteiro poderia nos oferecer, acaba nunca se consolidando de fato, ainda que Verônica e Alice tenham formado uma dupla curiosa de se ver trabalhando juntas.

Por outro lado, as experimentações de McQueen na direção, apesar de ainda um pouco tímidas, revela um diretor que conserva o espírito de seus primeiros filmes, mais independentes e com uma maior liberdade de escolhas. Aqui o cineasta segue com competência a fórmula básica nas sequências que demandam mais ação, ajudado pela boa trilha do veterano Hans Zimmer, mas aposta em planos mais próximos e íntimos, aproveitando-se da qualidade de seu elenco, quando deseja imprimir sentimentos mais profundos na tela. E até mesmo um arriscado longo plano sequência no exterior de um automóvel em movimento enquanto ouvimos um diálogo do lado de dentro, que poderia parecer estranho, se mostra muito relevante por trazer várias informações diferentes tanto no que ouvimos quanto no que vemos.
As Viúvas é um filme que, ainda que possa ter se tornado confuso devido a inserções desnecessárias que parecem nunca se encaixar no que o filme precisa realmente mostrar, vale muito à pena pela alta qualidade das interpretações e de personagens interessantíssimos que nos dão vontade de continuar acompanhando mesmo após o fim do filme. E não duvido que, a depender da bilheteria, tenhamos uma continuidade nas histórias destas intrigantes mulheres.