A Garota na Teia de Aranha – uma tentativa vazia de retomar a franquia Millennium nos cinemas

Antes de sua morte prematura em 2004, o escritor sueco Stieg Larsson deixou um legado de três livros policiais renomados e uma protagonista dita como única no mundo da literatura. A trilogia Millennium chegou às prateleiras entre 2005 e 2007 e logo encontrou sua primeira adaptação cinematográfica em 2009, na versão sueca de Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (Män Som Hatar Kvinnor) e suas duas sequências. Estrelado por Noomi Rapace e Michael Nyqvist, como Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist, a trilogia conquistou um grande sucesso, tanto de público quanto de crítica, não só na Suécia, mas ao redor do mundo. E como de praxe, Hollywood começou a produzir sua própria versão da história, com ninguém menos que David Fincher, responsável por obras como Clube da Luta (Fight Club, 1999) e Garota Exemplar (Gone Girl, 2014), como diretor.
A versão americana de Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (The Girl with the Dragon Tattoo, 2011) estreou em 2011, com Rooney Mara e Daniel Craig como os protagonistas, e conquistou também grande sucesso, rendendo a Mara uma indicação ao Oscar e arrecadando mais do que o suficiente de bilheteria para uma sequência ser confirmada. Porém, contra toda expectativa, esse não foi o caso. Em 2015, com informações sendo vazadas aos poucos, foi dado a entender que a franquia passaria por um reboot total, e o próximo livro a ser adaptada não seria o segundo da trilogia de Larsson, e sim o quarto livro, escrito por David Lagercrantz.
Eis que A Garota na Teia de Aranha (The Girl in the Spider’s Web) é confirmado no início de 2017, com Fede Alvarez, de O Homem Nas Trevas (Don’t Breathe, 2016) e do remake A Morte do Demônio (Evil Dead, 2013) como diretor e co-roteirista, que também trouxe seu parceiro de projetos Jay Basu para trabalhar no script, assim como Steven Knight, criador e roteirista da série Peaky Blinders (2013 -). Claire Foy, envolvida no sucesso de The Crown (2016 -) foi escolhida como a nova Lisbeth Salander, com o resto do elenco de maioria sueca, incluindo o novo intérprete de Mikael Blomkvist, o ator Sverrir Gudnason. Com estreia marcada para esta quinta-feira (08), Lisbeth Salander e Mikael estão de volta, e agora se encontram presos em uma teia de espiões, criminosos cibernéticos e corruptos oficiais de governo.
Sem mais enrolações para dizer o que fica claro desde o início: o filme é cheio de problemas. Ele empolga a se apresentar como um thriller psicológico, mas, ironicamente, entedia ao tentar ser uma ação policial. Ao se apresentar como um reboot, mas ainda assim sendo uma adaptação de um quarto livro, o longa apresenta seus personagens muito pifiamente, como se o público já os conhecesse, uma suposição muito perigosa para um projeto que tenta lançar uma nova e repaginada versão de Millenium nos cinemas.
Lisbeth Salander é uma das poucas bem apresentadas (pois se não fosse o caso, o filme nem teria razão de ser), com uma interpretação equilibrada de Claire Foy, garantindo que, neste aspecto, todas as três versões de Millenium foram bem sucedidas. O mesmo já não pode ser dito de Mikael Blomkvist. Aqui, o jornalista tem uma participação tão mínima e irrelevante, que poderia muito bem ser substituído por qualquer pessoa aleatória com poder de fornecer a Salander informações importantes para sua investigação, e depois sumir de cena. Sverrir Gudnason nem pode ser culpado pela atuação, quando seu personagem quase nada representa.
Stephen Merchant surge na história para entregar um elemento chave da trama, e Lakeith Stanfield interpreta um agente da NSA. Que depois é um hacker. Ou será que é um astro de ação? O filme ainda tenta apresentar uma policial sueca, para criar uma ligação com algo que acontece no final do longa, mas ela é tão esquecível e mal construída, que seu fechamento invoca um grande “quem liga?”. A Garota na Teia de Aranha acerta, no entanto, no fio narrativo relacionado ao passado de Lisbeth, algo que deveria ter sido o principal foco da história.
Fede Alvarez acerta belissimamente no visual da obra. Trazendo o diretor de fotografia Pedro Luque, também parceiro de longa data, o filme conta com lindos shots e uma atmosfera fria, como deve ser. E falando em parceria, Alvarez traz toda sua equipe com ele para este filme, montando uma mistura de uruguaios, suecos e uma protagonista britânica no projeto, algo que é válido de se notar. A trilha sonora de Roque Baños também trabalha em perfeita harmonia com a fotografia de Luque.
A forma, contudo, não é o suficiente para suprir a falta de conteúdo com que A Garota na Teia de Aranha sofre. A falta de sentido deste filme já começa quando decidiram abandonar o que havia se iniciado de forma bem-sucedida em 2011 para produzir uma adaptação de um livro que nem de Larsson é (e sobre isso, recomendo uma rápida pesquisa que já me faz gostar bem menos de todo este projeto). Ao final da projeção, se o frio da sala de cinema misturado com toda a neve em tela (e o tédio em cena) não te fez dormir, ao voltar para casa você já terá esquecido que viu uma vazia tentativa de reviver a franquia Millennium nos cinemas.