The Beatles – os 50 anos do White Album

Em 22 de setembro de 1968, há exatos 50 anos, foi lançado o disco duplo The Beatles, popularmente conhecido como The White Album em virtude da capa branca contendo apenas o nome da banda, criada pelo artista pop Richard Hamilton, que contrasta com o excesso de cores dos dois álbuns que o antecederam, Magical Mistery Tour (1967) e Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (1967).
A histórica obra, em suas 30 canções, finaliza uma fase intensa de experimentos musicais e elementos transcendentais frutos de uma temporada de meditação na Índia. Mas, para além de marcar a transição de uma fase, também preludiou “o início do fim”, vez que foi gravado em um contexto de discordâncias criativas, insatisfações pessoais, cansaço e caos, não podendo deixar de mencionar a polêmica e insistente presença de Yoko Ono.
O clima difícil já é refletido na primeira música, “Back in the U.S.S.R”, um rock no qual soam um constante piano e repetidos back in vocals no estilo surf music, que faz uma brincadeira com a música “Back in the U.S.A”, de Chuck Berry, e ironiza de forma leve as duas superpotências mundiais em meio à Guerra Fria. A canção teve a bateria gravada por Paul McCartney, com contribuição de John e George, uma vez que o baterista Ringo Star abandonou o grupo devido ao clima ruim da gravação, retornando apenas após um pedido coletivo de desculpas.
Esta foi seguida por “Dear Prudence” em uma continuação sem intervalo, a qual foi composta por John Lennon durante a viagem espiritual da qual várias celebridades participaram, dentre as quais Mike Love, dos Beach Boys, e Mia Farrow, que levou a sua tímida e solitária irmã, Prudence Farrow (Dear Prudence won’t you come out and play?).
A simples e divertida “Ob-La-Di, Ob-La-Da” é um dos singles do álbum, composta por McCartney. O título é uma expressão africana falada por um músico nigeriano que tocava em Londres, e a canção conta a simpática história de Desmond e Molly Jones, quase numa versão feliz de “Eleanor Rigby” (Revolver, 1966). Tornou-se primeiro lugar nas paradas do Reino Unido e foi regravada por diversos artistas (Jimmy Cliff e No Doubt, por exemplo). Adiante, cito ainda um dos solos mais emblemáticos da história do rock, executado em “While my guitar gently weeps”, por Eric Clapton, a convite do compositor e amigo George Harrison, o qual afirmou que o guitarrista salvou as gravações de um estado de ânimo insustentável, com sua leveza e bom humor.
O lado B do disco 1 trouxe uma sequência mais morna (afinal, não é fácil se destacar após as músicas geniais que o antecedem), contudo não posso deixar de falar da incrível – e se engana aquele que a considera simples – “Blackbird”, composição de Paul que traz um dedilhado de violão inspirado em Bach e sons de pássaros ao fundo, e da singela “Julia”, escrita por John em homenagem à sua mãe, que morreu atropelada por um policial bêbado quando o cantor tinha 17 anos.
O disco 2 inicia o seu lado A destoando do seu antecessor, uma vez que rompe com o estilo mais experimental e psicodélico e retorna às origens do rock ‘n roll com “Birthday” (Lennon-McCartney), faz um blues clássico em “Yer Blues” (John Lennon) e flerta com o heavy metal com a que considero a melhor música do álbum e uma das melhores da banda, “Helter Skelter”. Menciono ainda “Sexie Sadie”, composta por John como uma crítica a abusos financeiros e sexuais por parte do guru Maharishi Mahesh Yogi durante a viagem à Índia.
O lado B começa com a marcante distorção de guitarra em “Revolution”, que não só representa um protesto em um contexto de Guerra do Vietnã, mas também o rompimento de John Lennon com as exigências de que a banda não poderia emitir opiniões políticas, nem incitar levantes populares, por um receio meramente mercadológico e publicitário. Ali, John deixou claro o que queria para si enquanto artista, tornando mais notável as divergências individuais e o afastamento do quarteto. A independência de John foi reforçada na penúltima faixa, “Revolution 9”, formada por recortes de sons, orquestras tocadas ao contrário, microfonia, vozes radiofônicas, risos, gritos, choro de bebê e um assustador e repetitivo “Number nine”, da qual Paul se recusou a participar (curiosidade: a primeira vez que a ouvi completa foi nessa semana, para escrever esse texto. A música realmente me faz sentir uma agonia).
Por fim, como um alento à “Revolution 9”, a acalentadora canção orquestrada “Good Night”, cantada por Paul MacCartney e composta por Lennon para ninar seu filho Julian, finaliza o histórico White Album e prenuncia a despedida de uma das bandas mais emblemáticas da história da música mundial.