O Predador – Mais uma caçada, mais uma chance

O Predador é, sem dúvida nenhuma, um dos vilões mais icônicos da cultura pop. Muito mais por seu visual incrível, do que pela qualidade dos filmes em que deu as caras. Imaginado por Stan Winston, que já havia trabalhado em O Exterminador do Futuro (The Terminator, 1984) e Aliens, o Resgate (Aliens, 1986), ambos dirigido por James Cameron (que, segundo a lenda, foi quem sugeriu as presas medonhas do monstrengo), o alienígena diferia em muitos anos luz dos seres de outros mundos que o cinema estava acostumado, se afastando o máximo possível do mais famoso daquela época (e talvez ainda hoje), o xenomorfo de Alien, o Oitavo Passageiro (Alien, 1979) de Ridley Scott, criação do genial Hans Ruegi Giger. O monstro que saiu da mente de Winston tinha um estilo todo próprio, misturando tecnologia alienígena (incluindo uma espécie de armadura, com a inesquecível máscara, armas super potentes, e sua habilidade de camuflagem) com adereços como aqueles tentáculos que saem de sua cabeça (que lembram propositalmente dreadlocks) e pequenos osso e caveiras pendurados em seu corpo como troféus de suas caçadas. E não podemos esquecer da tripla mira à laser vermelha que anuncia a quase inevitável morte de quem a recebe e a câmera subjetiva que simula a visão de calor do monstro. Não temos mais um grupo de alienígenas em naves gigantes que chegam à Terra para dominá-la ou destruir a humanidade, nem um ser grotesco e animalesco que cai no planeta involuntariamente, mas sim um caçador, que vem por vontade própria a este gigantesco safári para colocar em prática seu passatempo preferido.
No entanto, os filmes em que a criatura apareceu nunca foram muito aclamados ou foram pouco reconhecidos. Desde o primeiro, de 1987 e protagonizado por Arnold Schwarzenegger (falamos sobre o filme aqui), claramente advindo da leva de filmes de brucutus de 1980 (diz a lenda, que a ideia para o filme nasceu de uma piada interna de Hollywood sobre o Rocky Balboa de Stallone ter que acabar enfrentando um alienígena qualquer dia), passando por uma continuação sempre esquecida e subestimada em 1990, voltando a aparecer apenas em 2004, em um crossover com Alien que tinha muito potencial, mas foi completamente desperdiçado, tendo uma nova tentativa ainda pior na continuação em 2007. Depois apareceu em 2010 com um filme que é difícil achar alguém que lembre muita coisa. Ou seja, o alienígena sempre foi um grande personagem, com tudo que um bom vilão hollywoodiano precisa ter, mas nunca teve o palco que merecia. Até que o diretor, roteirista e ator Shane Black foi anunciado como diretor do próximo filme da franquia, dando mais uma chance ao monstro.
Nos primeiros momentos do filme temos sequências interessantes, mas que eram previsíveis tanto pelo que já tínhamos visto na divulgação anterior como pela lógica estabelecida pela franquia. Uma nave tripulada por um Predador é perseguida por outra maior até chegar ao Planeta Terra (mais precisamente em algum lugar do México), onde a primeira cai. Os destroços do módulo de fuga da nave são encontrados pelo militar de elite super treinado Quinn McKenna (Boyd Holbrook), que após entrar em contato (até demais) com a tecnologia extraterrestre é levado por um equipe liderada por Trager (Sterling K. Brown), uma espécie de Homens de Preto mais séria, para que não espalhasse informações sobre o que tinha visto. Depois de passar por uma exame com polígrafo é enviado para um ônibus em que os caras mais “dodóis” do exercito americano eram transportados. E foi só então que me dei conta de que não estava vendo apenas mais um filme do Predador, e sim um filme do Shane Black… com Predadores.
E agora é preciso abrir um pequeno parêntese para explicar quem é Shane Black para o cinema de ação (e para mim, principalmente). Em 1987, mesmo ano em que estreou o primeiro filme do Predador (onde curiosamente Black atua como um dos membros do grupo de resgate atacado pelo bicho), estreava também Máquina Mortífera (Lethal Weapon), um do melhores filmes de ação de todos os tempos na minha humilde opinião, com personagens inesquecíveis como o completamente maluco e inconsequente Martin Riggs (um dos melhores personagens do Mel Gibson) e o cansado e estressado Murtaugh (o melhor personagem do Danny Glover). Dirigido pelo já veterano Richard Donner (que vinha de filmes como Superman: o Filme, O Feitiço de Áquila e Os Goonies) a verdadeira responsabilidade pelo sucesso de Máquina Mortífera era do roteirista estreante Shane Black. Com este roteiro Black decretou que filmes de ação e policiais poderiam sim ser recheados de bom humor (mesmo que ainda pudessem ser pesados – Máquina Mortífera inicia com uma cena de suicídio bem crua) – e antes que alguém venha falar de Um Tira da Pesada (Beverly Hills Cop, 1984), outro filme que mora no meu coração, considero que este seja um filme de comédia que tenha um recheio de ação e não o contrário, como é Máquina Mortífera. Talvez sem este filme, com este roteiro, não teríamos outro filmaço, que é Duro de Matar (Die Hard) que estrearia no ano seguinte, e suas duas continuações que valem (o resto é besteira), ou os debochados Tango e Cach: os Vingadores (Tango & Cash, 1989) e True Lies (1994), que é uma versão americana “brucutuzada” de um filme francês de 1991. Claro que é impossível negar a influência de filmes anteriores, como a franquia Dirty Harry, com Clint Eastwood, entre outros, mas o toque pessoal que Black deu à Máquina Mortífera certamente pode ser considerado um marco no gênero de ação (especialmente nos policiais) hollywoodiano.
Fechado esse parêntese (que não foi tão pequeno assim), é preciso dizer que é possível perceber a marca de Shane Black em todo O Predador. Os militares que McKenna encontra no ônibus e que vão acompanhá-lo no resto do filme são variações dos malucos que Black adora criar em seus filmes, vide o próprio Riggs de Máquina Mortífera, mas também o Harry Lockhart (Robert Downey Jr.) do ótimo e subestimado Beijos e Tiros (Kiss Kiss Bang Bang, 2005) ou os dois detetives particulares interpretados por Russell Crowe e Ryan Gosling no divertidíssimo Dois Caras Legais (The Nice Guys, 2016). O grupo, que se intitula apenas Grupo 2, é formado por um pretenso suicida (Trevante Rhodes), o pior piadista de todos os tempos (Keegan-Michael Key), um amante do caos (Alfie Allen), um fanático religioso apocalíptico (Augusto Aguilera) e um portador de Síndrome de Tourette (aquela que faz o cara ter vários tiques nervosos e falar palavrões do nada) (Thomas Jane), e é completo depois por uma cientista com incríveis e inexplicáveis habilidade militares (Olivia Munn). Só este perturbado grupo já seria o bastante pra dar mais um bom filme do cineasta, mas não esqueçamos que este ainda é um filme do Predador e, mesmo que o grupo lembre levemente o esquadrão liderado pelo major Dutch no primeiro filme da franquia, ainda seria preciso fazê-los funcionar mais organicamente com o monstro. E é onde o roteiro de Shane Black falha.
Na tentativa de expandir o universo da franquia o roteiro acaba burocratizando demais a trama, criando uma complicada história sobre como a raça dos Predadores está tentando se hibridizar com outras pelo universo, justificando suas caçadas anteriores na Terra e sobre como um traidor da espécie tenta salvar a raça humana da extinção, coisas que não funcionam com o clima despretensioso do grupo de malucos que acompanhamos, e acaba prejudicando o ritmo do filme, deixando claro que se está tentando construir uma escada para possíveis continuações da franquia. Outra coisa que atravanca demais a trama é o número desnecessariamente exagerado de plots (a história do garotinho é legal, mas não acrescenta muita coisa à trama) e elementos que praticamente só servem para divertir e nem isso conseguem muito (como o cachorro Predador abandonado).
No final das contas O Predador acaba sendo um bom filme do Shane Black, mas ainda não é o filme que esta magnífica criatura merece.