Kill Bill é o quarto filme do diretor estadunidense Quentin Tarantino. Lançado há 15 anos, o filme marca o retorno do seu diretor as telas depois de quase seis anos sem lançar um filme, o último até então fora o excelente Jackie Brown (1997), uma adaptação de um livro e uma homenagem aos filmes blacksploitation dos anos 70. Até um pouco antes do lançamento de Kill Bill, Tarantino já era aclamado pela crítica e pela indústria, afinal além de Jackie Brown, o diretor realizou dois filmes que imediatamente já entraram na história da cultura pop, Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992) e Pulp Fiction: Tempos de Violência (Pulp Fiction, 1994), dois filmes que brincam (no sentido positivo) com o gênero de máfia e roubo.
O passo natural talvez fosse a continuação dessa linha, mas os sucessos dos seus filmes anteriores deram a Tarantino o escopo para produzir algo mais megalomaníaco, seu próprio filme épico sobre vingança. O épico aqui está aplicado no sentido da dificuldade com que as coisas acontecem, mas o filme aborda diversos gêneros cinematográficos ao longo de suas quase 4 horas de duração, aqui divididos em duas partes, Kil Bill Vol. 1 e Vol. 2, mas que devem ser entendidos e vistos, se possível, de uma vez. O enredo do filme é relativamente simples: uma mulher, identificada a princípio como A Noiva, sofre um atentado de um gangster e perde sua filha que estava para nascer, ao acordar do coma, ela decide se vingar de cada um que a fez sofrer. Essa sinopse é bem genérica e comum a tantos outros filmes de vingança, o diferencial do filme é a maneira como Tarantino o trata. Pois descobrimos ao longo do filme que a noiva, antes de sofrer o atentado, era parte do bando e uma das mais perigosas e bem treinadas assassinas do gangster Bill.
Quando eu digo bem treinada é bem treinada mesmo, com perícias que vão desde o bom uso de facas, armas de fogo até luta com espadas samurais e kung fu. São esses elementos que dão ao filme o diferencial necessário. Nesse roteiro, e consequentemente na direção imposta por Tarantino, ele põe todo seu mar de referências da cultura pop americana e oriental. As referências são inúmeras e cada reassistida ao filme é uma nova descoberta. Além disso, o filme amplia a própria mitologia do seu realizador, já que há bastante indícios de que todos os seus filmes (incluindo os futuros) se passam em um mundo próprio e interligado, há referência de seus próprios filmes em outros. Exemplificando: aqui nos é apresentado um personagem chamado Hattori Hanzo, interpretado magistralmente por Sony Chiba, um exímio samurai e ferreiro que produz as espadas mais letais do mundo (em uma frase do filme ele diz “se você encontrar deus na sua jornada, ele sairá cortado”), pois bem, uma dessas espadas aparecem em Pulp Fiction; outro exemplo de ampliação da mitologia é a presença da marca de cigarros fictícia Red Apple criada pelo Tarantino e que se encontra praticamente em todos os seus filmes.
A linguagem do filme é muito diversificada devido às inúmeras referências, portanto a decupagem e a fotografia do filme variam muito. Há diversos planos de faroeste no filme, bem como planos de filmes de samurai e Kung Fu, além é claro do citado filme de gangster, complementando tudo isso temos ainda uma mudança de linguagem que é um dos pontos chave do filme, ao mostrar o flashback de O-Ren Ishii, líder da Yakuza e interpretada por Lucy Liu, temos a introdução da linguagem de animação japonesa que se encaixa com perfeição no filme. Finalizando tudo isso referente a linguagem não se pode deixar de notar o uso da trilha sonora musical como um forte elemento de narrativa, se as referências fílmicas dão o caráter épico a sua obra, a escolha da trilha ratifica tudo o que foi feito. Talvez esse seja o ponto mais genial do filme e do próprio Tarantino, pois as diferentes trilhas se encaixam perfeitamente com as situações das diferentes referências.
As atuações do filme são excelentes, além dos já citados vale ressaltar mais três atuações: Uma Thurman que vive a protagonista identificada no início apenas como a noiva, mas que depois tem seu nome revelado, com destaque para todo seu preparo físico e mental para viver uma personagem tão forte, mas ao mesmo tempo tão sensível; Daryl Hannah que vive Elle Driver arqui-inimiga e principal rival da noiva, basicamente consegue fazer tudo que a protagonista faz, mas não tão bem quanto; por fim, David Carradine que vive o principal vilão do filme, Bill, temos que dar destaque para tanto a atuação do ator quanto para o roteiro de Tarantino que traz certa profundidade ao personagem, transformando quase de imediato Bill em um dos vilões mais icônicos da cultura pop.
Ao longo dos 15 anos após seu lançamento, Kill Bill ainda se mantém como um filme divertido e bem feito. Um dos melhores do diretor e pessoalmente habita o meu top 3 pessoal de filmes do diretor, ficando ao lado de Pulp Fiction e Bastardos inglórios (Inglorious Basterds, 2009). Kill Bill é um filme incrível e com referências a um cinema que não é valorizado pela a indústria, mas que para seu diretor e idealizador foram fundamentais para a construção da linguagem de seus filmes. Ganhando assim uma ressignificação e uma atenção da mídia e da crítica. Sua história é envolvente e cheia de reviravoltas, com atuações vigorosas e com diversas alusões à cultura pop e oriental.
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.