Buscando… – Muito mais do que uma boa história

 
Todo bom contador de histórias sabe que não basta a história ser boa, o modo como essa história é contada faz toda a diferença. Muitos projetos apostam numa forma inusitada para potencializar seus enredos: Boyhood (2014), por exemplo, foi gravado durante 12 anos, a janela de exibição de O Homem das Multidões (2013) é muito fechada, quase quadrada. Buscando (Searching, 2018) opta por mostrar todos os acontecimentos da narrativa através da tela de um computador, uma experiência que, mesmo não sendo inédita, é feita aqui com muita competência e perspicácia. Aneesh Chaganty é um estreante e assina a direção e o roteiro (este último em parceria com Sev Ohanian) desse longa pra lá de interessante, vencedor do prêmio da audiência no Festival de Sundance, que chegou recentemente aos cinemas.
Logo de cara, a premissa parece tão insustentável que imediatamente você se sente instigado(a) a assistir ao filme, meio que a gente fica esperando pelo momento em que vai ser preciso abandonar o recurso do computador e voltar ao modo cinematográfico convencional. O que, incrivelmente, não acontece. Entretanto, não é só o formato que faz de Buscando um ótimo suspense, a história também convence bem.
O protagonista é David Kim (John Cho, intérprete de Sulu da nova franquia Star Trek), um pai cuja filha adolescente desapareceu sem deixar vestígios. Para ajudar a polícia a encontrá-la, ele mergulha no computador dela e traça um perfil completo de sua vida social e pessoal, descobrindo que talvez ele não a conhecesse tão bem quanto ele imaginava.
 
Tudo bem que não é mais nenhuma grande novidade ver a internet, a vida online, os problemas de um mundo cada vez mais conectado, sendo abordado como tema no cinema. Mas, é a primeira vez, pelo menos na minha opinião, que um filme consegue tocar em tantos pontos, sem forçar demais a barra e sem sair da própria proposta e sem deixar de ser convincente. O modo como registramos nossas vidas com a ajuda da tecnologia e que tipo de narrativas esses registros podem contar, como nos relacionamos online e offline, a busca por atenção, por validação, por conexão. Tudo isso é, de certa forma, abordado em “Buscando…” enquanto uma narrativa de mistério se desenrola por trás.
É muito importante dizer que a experiência do filme só é realmente satisfatória graças ao trabalho minucioso da tradução do filme que trouxe para o português todos os textos, sites e conversas que aparecem na tela do computador, bate, inclusive, uma vontade de ver o filme várias vezes para não perder todas as informações que podem ter passado despercebido na cena.
 
Pessoalmente, sinto que o dispositivo perde um pouco da sua força chegando próximo ao terceiro ato, nada que não faça sentido ou que realmente estrague o que estava sendo construído até então, foi apenas uma escolha que me tirou um pouco daquele jogo inicialmente proposto. De todo modo, o final me satisfaz, apesar dessas e outras ressalvas. (O texto é sem spoilers mas estou à disposição nos comentários e nas redes sociais, vamos continuar esse papo por lá!)
É muito bom perceber que em tempos de Black Mirror ainda há muito o que se explorar sobre a relação entre humanos e tecnologia e muito o que se aprimorar também. “Buscando…” é uma ótima junção de boa história com boa contação de história.