Mentes Sombrias – A representatividade que merecemos

Nesta quinta feira (16) estreia o novo filme da diretora Jennifer Yuh Nelson (Kung Fu Panda 2 e 3), Mentes Sombrias (The Darkest Minds, 2018), baseado no livro homônimo da escritora Alexandra Bracken e protagonizado pela estrela em ascensão Amandla Stenberg (Jogos Vorazes, Tudo e Todas as Coisas) no papel de Ruby Daly, uma das crianças sobreviventes a um terrível vírus que dizimou mais da metade da população infantil dos Estados Unidos, causando mutações drásticas naqueles que sobreviveram.
Em Mentes Sombrias, Ruby e todas as crianças sobreviventes são mandadas para campos de concentração como medida preventiva do governo, onde vivem em condições sub-humanas, sob constante vigilância e nenhum contato com o mundo exterior. É lá que ela passa os seguintes seis anos de sua vida, até que recebe ajuda de Cate (Mandy Moore, de This Is Us) para escapar e começa assim sua jornada em busca de segurança. No caminho, encontra três aliados, Liam (Harris Dickson, de Ratos de Praia), Charles (Skylan Brooks, de The Get Down) e Suzume (Miya Cech), um grupo de crianças que estão em busca de um santuário para todos aqueles que conseguiram escapar dos campos e sobreviver, onde suas habilidades individuais não são motivo de medo, mas de união.
A trama é aquela que já conhecemos: herói precisa salvar o mundo, se apaixona, no meio do caminho temos uma disputa amorosa, pessoas morrem na guerra, ele entende onde é seu lugar e aceita os sacrifícios que precisa fazer. Já vimos esse filme algumas vezes, certo? Então qual o diferencial de Mentes Sombrias? Em primeiro lugar, selecionar Amandla Stenberg para o papel é algo muito importante e muito urgente. Quantos personagens negros você se lembra de ter visto em blockbusters adolescentes? Quantos desses personagens eram protagonistas? Quantos deles morrem no decorrer da história? Ruby Daly ser interpretada por uma atriz negra é um ponto altíssimo do filme, e a representatividade não para por aí. Crianças de todas as etnias são apresentadas no decorrer da trama, e os coadjuvantes Charles (um menino negro) e Suzume (uma menina asiática) tem suas histórias exploradas e contribuem ativamente para a narrativa.
Em segundo lugar, o romance interracial entre os personagens Ruby e Liam também é importante, já que dificilmente uma mulher negra é vista tendo uma relação amorosa com um homem branco, principalmente em uma trama adolescente. Pegue, por exemplo, a lista de indicados à categoria de Melhor Beijo, que abrange filme e televisão, da premiação americana Teen Choice Awards, uma premiação que existe desde 1999 que permite que os adolescentes votem em seus artistas favoritos. São pouquíssimos os casais interraciais que foram indicados nos últimos 19 anos. Agora, exclua os casos em que a atriz é uma mulher branca e o ator de uma etnia diferente, e vejam quantos sobram. Sim, as coisas estão mudando, inclusive em 2018 os atores Zac Efron (High School Musical) e Zendaya (Homem Aranha: De Volta ao Lar) foram os vencedores da categoria Melhor Ship (par romântico) pelo seus papéis no filme O Rei Do Show (The Greatest Showman, 2017), mas isso não significa que as coisas não precisam mudar ainda mais. A importância de um par romântico interracial em um filme de franquia (porque sim, Mentes Sombrias será uma franquia de no mínimo três filmes) onde a mulher é de uma etnia que ainda é diariamente marginalizada na nossa sociedade é imenso. E é uma responsabilidade que os atores (Amandla e Harris) carregam bem. A química de Ruby e Liam é indiscutível, e você de fato torce para que eles fiquem juntos, mesmo que não seja algo simples num mundo onde as habilidades de ambos pode ser letal aos outros e a si mesmos.
Claro que o filme não é só alegria. A história começa um pouco corrida, talvez por ser complicado adaptar uma narração em primeira pessoa para o cinema. E também há momentos em que você percebe os claros artifícios usados para atrair o público adolescente, o exagero no romance, os momentos de descontração, as falas clichês, etc. Mas, a trama em si, apesar de ser bobinha, cativa o espectador, e nos deixa querendo mais. É uma história sobre união apesar das diferenças: as crianças confiam apenas em si mesmas, já que os adultos parecem esquecer que um dia já foram crianças também. Pais e mães abandonam seus filhos pelo medo do desconhecido, e o governo se aproveita disso, com a intenção de usar as habilidades dos sobreviventes como armas. É uma história também sobre família, mesmo que não seja uma família convencional, sobre as dificuldades que se passa durante a infância e adolescência e sobre aceitar a si mesmo e ao próximo, independente das diferenças.
No geral, Mentes Sombrias faz o que se propõe a fazer: entreter seu público alvo e dar margem para que uma nova história surja nos cinemas. A potência da narrativa é clara: a medida que os filmes forem sendo lançados, a trama se intensificará, a jornada de Ruby será amadurecida e ficará mais claro qual o final destino dessas crianças e suas habilidades. Ao dar fôlego para que essa narrativa se desenvolva, o filme dá fôlego também para que surja mais representatividade dentro do cinema para as “massas”, possibilitando assim que se criem discussões sobre preconceitos étnicos, morais, de gênero e etc para além do espaço comum onde elas já ocorrem.