Fugitivos – mais adolescentes com problemas, menos heroísmo

Criados originalmente pela Marvel Comics, os Fugitivos (Runaways)  são um grupo formado por filhos que acabam se virando contra os seus pais depois que descobrem que eles são membros de uma organização criminosa conhecida como ‘Orgulho’. Publicado em 2003, o quadrinho já teve a uma adaptação cinematográfica planejada para ser lançada em 2011. Roteiros foram escritos e chegaram até mesmo a fazer testes de elenco, mas com o plano de fazer um universo compartilhado no cinema foi preciso se concentrar no surgimento d’Os Vingadores e, assim, o projeto foi arquivado. Até que, em 2016, o serviço de streaming Hulu encomendou um roteiro de Stephanie Savage e Josh Schwartz (conhecidos pelo seu trabalho na série Gossip Girl) e a série dos Fugitivos teve uma nova chance, sua estréia aconteceu no dia 21 de Novembro de 2017 com episódios semanais no Hulu.

Consistindo de dez episódios, a primeira temporada nos apresentou aos protagonistas Alex Wilder (Rhenzy Feliz), Nico Minoru (Lyrika Okano) , Karolina Dean (Virginia Gardner), Chase Stein (Gregg Sulkin), Molly Hernandes (Allegra Acosta) e Gert Yorkes (Ariela Barer) descobrindo os segredos dos seus pais e sobre a organização ‘Orgulho’ estar envolvida em desaparecimentos de jovens em situação de risco. Enquanto a trama da temporada é centrada nas crianças descobrindo sobre a verdade por trás do ‘Orgulho’ e no que seus pais vêm fazendo a anos, os jovens possuem seus próprios enredos focados em relações familiares, uns com os outros e até suas próprias descobertas sobre si. Cada um dos personagens tem sua própria vida, seus próprios problemas que vão bem além de seus pais estarem participando de uma seita secreta.

Uma diferença notável dos quadrinhos é como os pais dos protagonistas ganham um protagonismo e uma certa humanidade. Cada um dos pais possui também seu enredo, lhes garantindo uma certa empatia não apenas por parte dos espectadores mas de seus filhos também. Os jovens, inclusive, passam uma parte da série questionando-se sobre a possibilidade de seus pais realmente terem feitos coisas horrendas. As motivações dos pais também são diferentes das dos quadrinhos, onde eles sacrificam adolescentes para seres gigantes de outra dimensão com intuito de se salvarem do final dos tempos, adaptações precisaram ser feitas. Cada um dos núcleos familiares enfrenta obstáculos próprios, que durante a trama mexem com as dinâmicas entre os personagens e fazem os filhos questionarem até mesmo o que descobrem durante a temporada. Antes de se assistir Fugitivos é necessário saber que não se trata de uma série sobre super heróis ou sobre jovens que descobrem seus poderes e resolvem ajudar o mundo com eles. É uma série sobre jovens ricos lidando com seus dramas familiares e interpessoais, que, por acaso, envolvem sacrifícios, dinossauros e poderes.

Se você for assistir esperando por cenas de luta, um vilão e os jovens derrubando os vilões e se tornando heróis vai acabar se decepcionando. Savage e Schwartz trabalharam em Gossip Girl e são notáveis as muitas semelhanças entre as duas séries. Talvez a mais atual tenha uma quantidade menor de machismo e rivalidade feminina, assim como menos protagonistas brancos e héteros. O número pequeno de episódios ajuda muito a trama a não se sentir muito estendida, diferente de muitas séries adolescentes por aí. Mesmo os episódios mais fracos ainda não parece um completo desperdício de tempo, por apresentarem claro desenvolvimento das relações dos personagens uns com os outros e até consigo mesmos.

Por ser uma adaptação da Marvel, é natural se perguntar se os eventos das outras séries ou dos filmes afeta os acontecimentos de Fugitivos. Isso não acontece. Mas, poderia acontecer. O elenco adolescente da série conta com Lyrika Okano, que dá vida à gótica wiccana Nico Minoru também conhecida como Irmã Grimm nos quadrinhos. No seriado a personagem tem origens e poderes bem diferentes de sua versão dos quadrinhos. Enquanto o Cajado do Absoluto é um item mágico nos quadrinhos (também visto no prequel de Doutor Estranho, assim como a própria mãe de Nico – Tina Minoru) que Nico invoca através de mutilação ( é necessário usar de seu próprio sangue para o fazer isso). O uso de sangue permanece, mas de forma mais sutil e menos danosa para um programa voltado para o público jovem. A morte de sua irmã Amy, não existente nos quadrinhos, é um fator bem importante para toda a motivação de Nico de desconfiar de sua mãe e também para sua personalidade gótica na série. De qualquer forma, Nico Minoru e sua família não possuem nenhuma relação clara com magia ou com o Universo Cinematográfico da Marvel, diferente da vontade da maioria dos fãs dos personagens. Talvez a equipe criativa por trás da série, apesar de não ter planos de fazer qualquer conexão com o MCU ou com as séries da Netflix, decida ou planeje introduzir um elemento mais místico à família Minoru. Resta apenas esperar para ver o que está por vir para Nico e Tina.

Um dos destaques da série, para mim, é toda a jornada de descoberta de Karolina Dean e como essas descobertas terminam sendo fatores definitivos para a conclusão da temporada. Além de seus poderes e sua possível conexão com uma raça alienígena – como nos quadrinhos – são arcos potentes para a sua importância no enredo. Sua família aqui deixa de ser sobre duas estrelas famosas do cinema e passa a consistir em um pai que já foi famoso e vive na sombra da Igreja de sua mãe, a sua mãe que lidera a Igreja de Gibborim deixada a ela por seu pai – avô de Karolina – então é o seu pai que é um ser de origem provavelmente alienígena com os mesmo poderes que ela. A descoberta sobre sua origem, sobre como toda a sua crença religiosa pode ter sido baseada numa mentira e que sua mãe pode não ser a pessoa boa que suas palavras e atitudes sempre pregaram.

Além disso, seus poderes podem ser até interpretados como uma representação visual dos sentimentos cuja a personagem tenta reprimir por toda a temporada. Sentimentos estes que terminam sendo recíprocos, para a surpresa de fãs, pois o romance não existia antes. Resta agora esperar como a segunda temporada vai aprofundar e desenvolver a relação das personagens, além de dar mais luz sobre o que Karolina de fato é já que nenhuma menção de alienígena foi diretamente feita a ela ou outros personagens.

É interessante também ver como os mitos dos quadrinhos se traduzem para a telinha. Apesar do título da série, os jovens não se tornam realmente fugitivos até o final da temporada. Toda a forma que a trama brinca com esse nome e o que ele representa direciona a audiência a acreditar que eles não vão seguir bem o enredo como foi feito nos quadrinhos, até que eles o fazem. Com um enredo simples de ‘jovens que não querem ser como seus pais’ os criadores da série conseguem criar algo complexo e surpreendente. O desenvolvimento de cada personagem, assim como todas as dimensões deles, as descobertas ao longo da temporada, os ganchos. É uma história leve e bem escrita, elaborada por meio dos dez episódios, deixando o público com muita ansiedade para continuar acompanhando os personagens.

Resta apenas esperar pela segunda temporada, que está confirmada pela Hulu e tem previsão de ser lançada no final de 2018 ou começo de 2019 e conta com três episódios a mais do que a primeira temporada, sendo assim uma temporada de 13 episódios. Falta muito ainda para saber para onde a trama vai caminhar e as possibilidades por trás desta nova temporada. Mas, com certeza vai ser algo que valha a pena conferir.