Depois de dois filmes do Homem de Ferro e um Incrível Hulk meio incerto a Marvel Studios já começava a colocar seu pretensioso plano de universo compartilhado nos trilhos, mas com estes três primeiros filmes ainda estávamos seguros no plano terreno, era preciso agora expandir este universo, levá-lo a um lugar arriscado e que poderia colocar em risco todo o grandioso plano. Foi com Thor (2011) que o estúdio deu este salto espacial, e se sabemos hoje que este plano têm dado certo é porque este salto foi certeiro.
Certeiro, mas ainda assim, arriscado. O primeiro risco do filme foi na escolha do diretor. Kenneth Branagh já era conhecido por suas adaptações de clássicos da literatura como Frankenstein, A Flauta Mágica e inúmeras obras de Shakespeare, ou seja, um diretor com uma longa tradição literária e teatral. Mas ao mesmo tempo a escolha de Branagh fazia um pouco de sentido pelo menos em relação à trama familiar da corte de Odin, o risco mesmo estava nas cenas de ação, algo que o diretor claramente não detinha muita experiência.
O filme tem início com uma pequena introdução que se passa antes da cena pós-créditos de Homem de Ferro 2 (Iron Man 2, 2010), antes de a S.H.I.E.L.D. – representado pela figura do Agente Coulson (Clark Gregg) – encontrar o artefato que depois sabemos ser Mjolnir, o martelo de Thor. Logo damos mais um salto temporal (e espacial) e somos apresentados à Asgard, a morada dos deuses, lar de Odin, Frigga, Thor, Loki e de todo o panteão inspirado na Mitologia Nórdica antiga. A representação visual de Asgard já me agradou desde o início, apresentado como um planeta inteiro, com outros habitantes além dos deuses, e com uma mistura de arquitetura clássica fabulesca e alienígena, que tornou-se o tom perfeito para o núcleo de Thor em todo o Universo Cinematográfico da Marvel (MCU na sigla em inglês). Mas somos também apresentados à guerra milenar entre deuses e gigantes de gelo, habitantes de Jotunheim, e a um objeto poderoso e misterioso que estes tinham em seu poder, tudo isto narrado pela voz retumbante de Anthony Hopkins (Odin) que conta aos jovens Thor e Loki sobre estas antigas histórias.
O primeiro ato do filme termina com uma boa apresentação do protagonista, Thor (Chris Hemsworth), e seu antagonista e irmão adotivo Loki (Tom Hiddleston), e da relação entre os dois. A personalidade de cada um fica bastante clara, com destaque à falta de maturidade de cada um. Thor é corajoso e passional, mas inconsequente e teimoso, enquanto Loki se mostra calmo em suas ações, que parecem todas premeditadas (e sabemos que são), mas ardiloso, nutrindo imensa inveja do irmão, e Branagh se aproveita desta relação quase Shakesperiana o máximo possível. As ações impensadas de Thor o levam finalmente a ser castigado por seu pai, que o envia para Midgard, a Terra, onde deveria aprender a humildade com seus habitantes, os mortais humanos. Mais romantizado do que isto impossível.
Thor é então encontrado por Jane Foster (Natalie Portman), professor Eric Selvig (Stellan Skarsgård) e Darcy (Kat Dennings), o núcleo humano do filme, e a partir daí o humor toma conta da história, na maioria das vezes tirado do comportamento de Thor na Terra (mais precisamente no Novo México), mas também das tiradas de Darcy, que parece tanto uma personagem de sitcom que quase ficamos esperando as risadas da platéia ao fundo a cada piada. Enquanto isso Loki, na ausência do irmão, dá seu bem orquestrado golpe de estado, tomando o trono de Asgard e, no caminho, tomando conhecimento sobre sua verdadeira origem, dando uma dramaticidade maior ao personagem. Em seguida, de volta á Terra, há a intervenção do terceiro núcleo da história, e que está lá apenas para ligar o filme ao MCU, a S.H.I.E.L.D.
Hemsworth funciona bastante bem como Deus do Trovão, mesmo que às vezes se aproxime demais do limite de “bobão demais”, mas é indiscutível que o dono do filme é Tom Hiddleston. O ator parece ter nascido para o personagem, dando a Loki um ar de malandragem e ao mesmo tempo de ameaça. Sabemos que Loki é o ser que menos merece confiança no universo, mas ainda assim tendemos a simpatizar com o Deus da Trapaça, e não à toa o levou a ser o maior antagonista desta primeira fase do MCU, e mesmo depois de muitas aparições ainda permanece um personagem interessante.
No fim das contas Kenneth Branagh não chega a decepcionar totalmente nas cenas de ação, mesmo que esta ainda seja a maior fraqueza do filme – além do romance meio fajuto entre Jane e Thor -, mas nos dá uma boa introdução à expansão deste universo de super-heróis que tanto amamos.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.