No início da década de 1920, o escritor Alan Milne (Domhnall Gleeson) acabava de voltar à sua casa na Inglaterra após passar pelos horrores da Primeira Guerra Mundial. Traumatizado e preocupado com o futuro de seu país Milne decide que é preciso escrever um livro que alertasse as pessoas para que um evento catastrófico como aquele jamais acontecesse novamente. No entanto, o escritor, deprimido, parece não ter forças para executar a tarefa, até que sua esposa Daphne (Margot Robbie) fica grávida. Quando o bebê está prestes a chegar ao mundo parece que uma chama de esperança se acende e alguma alegria voltará a aparecer no rosto de Alan, mas não é o que acontece. Daphne se mostra uma mãe surpreendentemente fria, não demonstrando o menor sinal de carinho para com o bebê, chegando ao extremo de afirmar que tinha feito o sacrifício de trazê-la ao mundo apenas para tentar agradar o marido. Alan também não se mostra o melhor pai do mundo, mantendo sempre uma distância “segura” do filho. Logo é natural que os dois contratem uma babá para suprir as necessidades do bebê que eles mesmos não conseguem.
Anos depois, o pequeno Christopher Robin (Will Tilston), curiosamente apelidado de Billy Moon, já está com 8 anos e cria um forte laço de afeto com Olive (Kelly Macdonald), a babá, chamada por ele de Nou, laço que nasce claramente da necessidade de suprir a falta que os pais faziam em sua vida. A família logo muda-se para o campo, onde Alan terá mais sossego para fazer seu trabalho. Percebemos então que nada mudou em relação àquela família e, com a distância dos pais, Billy vive apenas para esperar alguma demonstração de carinho, o que muito raramente acontece.
Em certo momento, após uma discussão, Daphne decide que voltará para a cidade por um tempo, deixando Billy aos cuidados de Nou, o problema é que logo em seguida a babá também precisa se ausentar para cuidar de sua mãe doente, o que faz com que, inevitavelmente, Alan e Billy fiquem apenas com a companhia um do outro. No início parece que nada vai funcionar, já que só agora Alan descobriu que tem um filho e que há alguma responsabilidade nisso que vai além de apenas sustentá-lo. Posteriormente os dois começam a ter uma relação de intimidade e companheirismo que nunca tiveram antes, andando pelo bosque, imaginando grandes caçadas, jogando críquete e brincando com os animais de pelúcia do garoto. Até que ocorre a Alan que todas aquelas aventuras imaginárias poderiam dar um bom livro infantil. Chama então um amigo ilustrador para registrar alguns momentos da brincadeiras de Billy e faz de seus animais de pelúcia personagens de sua história. Nasce então o famoso Ursinho Puff (Winnie the Pooh no original), uma das histórias infantis mais famosas de todos os tempos e que conhecemos principalmente pela sua adaptação como desenho animado dos estúdios Disney.
A partir daqui Adeus Christopher Robin (Goodbye Christopher Robin, 2017) passa a ser sobre a difícil relação que a família (que já era bastante problemática) e em especial Christopher “Billy Moon” Robin, passa a ter por conta da enorme e inimaginável repercussão que os livros de A. A. Milne começam a ganhar. A fama dos livros recai não tanto sobre o autor, mas sobre a criança que deu origem aos personagens. As pessoas ficavam fascinadas pelo fato de que o Christopher Robin dos livros era real e podia ser tocado, então sentiam uma enorme necessidade de tirarem fotos com ele ou vê-lo com seu ursinho de pelúcia em algum evento, acarretando inúmeras e maçantes entrevistas para jornais e rádios. E é terrível o que algo assim pode acarretar a uma criança da idade de Billy, que nem sequer entendia direito porque tudo aquilo estava acontecendo. Sua relação com os pais, que era de um distanciamento degradante, passa a ficar ainda mais bizarra quando o menino passa a ser apenas uma imagem de propaganda para os livros. E é doloroso quando pensamos o quanto isso é comum. Como fica a cabeça das várias crianças que crescem sob os holofotes da mídia, alvos de paparazzi a todo momento, reconhecidas em quase todo o mundo, seja por fazerem filmes em Hollywood, figurarem como cantores ou estarem em séries de TV?
Tudo apenas piora quando Billy Moon se torna adolescente e passa a ter uma melhor noção de como sua infância foi conturbada e como sua “fama” ainda o trás problemas ao sofrer constantemente com bullyng na escola. Mesmo que o pai, após se conscientizar do que estava fazendo, já houvesse prometido nunca mais escrever as histórias de Christopher Robin e seu amigo Pooh, já era tarde e Billy nunca mais se livraria daquele legado.
Adeus Christopher Robin tem muitos defeitos e perde muitas chances de contar uma história que é realmente interessante, e é exatamente pela possibilidade de conhecermos um pouco essa história que o filme merece uma chance. Mas ele ainda tem o mérito de não ser apenas uma história simples da origem do Ursinho Pooh, mas também nos fazer pensar sobre como a fama pode refletir no crescimento e no desenvolvimento de uma criança, causando tantos traumas quanto uma guerra.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.