Somente depois do sucesso arrasador de Shrek é que a Dreamworks começa a ameaçar o império mais do que consolidado da gigante Disney, acompanhada da, tão grande quanto, Pixar, e pode realmente se considerar na disputa juntamente de outros nomes da animação. O subversivo, criativo e divertidíssimo conto-de-fadas do ogro verde de 2001 liderou bilheterias em sua estreia e levou o Oscar de melhor animação naquele ano. Não que antes não tenham acontecido bons filmes, A Fuga das Galinhas (Chicken Run, 2000) e O Caminho Para El Dorado (The Road to El Dorado, 2000) datam de um ano antes, mas foi depois do fenômeno de Shrek que a empresa conseguiu emplacar outros sucessos de crítica e público, Madagascar (2005), Kung Fu Panda (2008), Como Treinar o Seu Dragão (How to Train Your Dragon, 2010) e Megamente (Megamind, 2010), por exemplo. Foi assim que o estúdio foi conseguindo se manter relevante e em pé de igualdade com a concorrência. Entretanto, o sucesso dos outros estúdios não foi tanto o que realmente pesou aqui (embora sem dúvida tenha ajudado) Não, em O Poderoso Chefinho (The Boss Baby, 2017), fica claro que o maior obstáculo da Dreamworks foi precisar manter o padrão de qualidade de seus títulos anteriores.
Afinal, cria-se uma expectativa em torno do background da empresa que é conhecida por suas narrativas que entretém toda a família, de humor perspicaz e animação competente, isso tudo acaba atrapalhado muito no processo de assimilação da bizarra premissa de O Poderoso Chefinho, aposta da Dreamworks para o Oscar de melhor animação de 2018. Cá entre nós, parece simples, mas não é. E mesmo depois que se entende tudo, torna-se decepcionante assim mesmo.
A história é narrada do ponto de vista de Tim, que está fabulando em tom de flashback os acontecimentos de sua infância para sua filha com intuito de prepará-la para a chegada de uma irmãzinha. Os acontecimentos em questão são justamente as reviravoltas vividas por ele quando seu irmão mais novo – o famigerado poderoso chefinho – chegou em sua vida. Mas, aqui na história de Tim, o bebê literalmente chegou, de táxi, terno e uma maleta, enviado diretamente de uma corporação feita inteiramente de bebês que não são destinados a viver em famílias, Baby Corp, para espionar os pais de Tim e descobrir segredos da empresa em que eles trabalham, uma empresa que vende animais de estimação, porque os cães estão tomando o lugar dos bebês (e o amor e a atenção das pessoas) em níveis alarmantes e algo precisa ser feito quanto a isso. Simples, né? Misture Olha Quem Está Falando Agora! (Look Who’s Talking Now, 1993) com Como Cães e Gatos (Cats & Dogs, 2001) e você tem algo parecido com isso.
Mas tudo bem, o problema não pode ter sido só o argumento mirabolante, de histórias complicadas o cinema está cheio, afinal de contas. O problema aqui foi na forma como a história foi contada. O ritmo é arrastado e em certos momentos, repetitivo e previsível. Obviamente não tenho como afirmar que as piadas sobre o mundo corporativo agradaram ou desagradaram o público infantil, mas posso afirmar que o filme não soube se equilibrar bem no tom, oscilando entre momentos bem infantiloides, com piadas de vômito e peido que só agradam os pequenos e entre referências para os adultos, como o despertador Wizzie (uma evidente alusão à Gandalf, de O Senhor dos Anéis), além de tentar forçar uma identificação através de um recurso musical usado à exaustão.
Mesmo tratando de um tema batido como o medo de ser substituído, já visto no incomparável Toy Story (1995) e até mesmo em Pets – A Vida Secreta dos Animais (The Secret Life of Pets, 2016), é muito difícil se envolver com a trama de O Poderoso Chefinho. Torcemos para que Tim consiga o que ele quer, mesmo que nem sempre ele esteja certo em suas motivações, conseguimos seguir minimamente a linha dos acontecimentos, mas no geral tudo é apenas decepcionante.
O Poderoso Chefinho deixa a sensação de que tudo foi um grande desperdício, tanto de elenco, Alec Baldwin é o único que parece bem aproveitado, no papel do bebê executivo, enquanto os outros, como Jimmy Kimmel e Lisa Kudrow, passam até despercebidos, quanto de uma equipe de animação que é extremamente competente, há algumas sequências no filme realmente muito bonitas e inventivas, dentre elas a sequência em que Francis E. Francis explica seu plano maligno usando um livro pop-up e as viagens fantasiosas de Tim. Porém, a técnica se perde se o conteúdo não é tão atrativo assim.
Fiquei imaginando que filme incrível poderia ter sido se fosse muito mais sobre o excesso de imaginação do menino, sobre ele precisar amadurecer mais rápido com a chegada do irmão ou algo assim e quando você se desconecta tanto do filme que fica imaginando outro é apenas frustrante. Nem mesmo toda a ideia de tudo não passar de uma fantasia do filho mais velho não conseguiu me manter animada durante os 135 minutos do filme e é um tipo de camada que geralmente é muito instigante, só que para isso precisa ser bem colocada e aqui isso infelizmente não acontece, tornando O Poderoso Chefinho um desapontamento total.
Roteirista e podcaster bacharel em Cinema e Audiovisual. Ex-potterhead. Escuta música triste pra ficar feliz e se empolga quando fala de The Last of Us ou Adventure Time. É viciado em convencer as pessoas a assistirem One Piece, apreciador dos bons clássicos da Sessão da Tarde e do Cinema em Casa e, acima de tudo, um Goonie genuíno.