Lady Bird – Mudança e Identificação

 

Confesso que até ver Lady Bird: É Hora de Voar (Lady Bird, 2017) eu estava com bastante receio de me frustrar. Após o filme conseguir 100% de aprovação no Rotten Tomatoes – feito obtido apenas por Toy Story 2 (1999) – um imaginário de expectativas se criou acerca do filme, as críticas positivas formaram um mar de promessas que poderiam não ser cumpridas. Felizmente, não me senti decepcionado após assisti-lo.
Acompanhamos a história de uma garota chamada Christine McPherson (Saoirse Ronan) que decide adotar um novo nome: “Lady Bird”. A narrativa trata-se de um coming-of-age situado nos fins de 2002 e começo de 2003, passando pelo período em que a protagonista está terminando o ensino médio e se preparando para ir para a faculdade.
Na cena inicial, temos Lady e sua mãe terminando de ouvir um audiobook em fita do livro de John Steinbeck, “As Vinhas da Ira”. Somos apresentados ao contexto do relacionamento das duas que se equilibra entre extremos. Essa é uma das poucas cenas de ternura entre elas e é logo seguida de uma discussão que fala muito sobre essa forma de se relacionar das personagens.
O livro de Steinbeck trata da jornada de uma família no período da depressão dos Estados Unidos. Tendo em vista que suas terras estão improdutivas, a família segue para se refugiar na Califórnia que é onde a história do filme se passa, em Sacramento. As referências no filme são muito bem utilizadas e falam muito sobre a cultura norte americana. A diretora Greta Gerwig fala um pouco sobre essas referências em uma entrevista à Huffpost.
Nos últimos anos tivemos dois filmes do âmbito dos coming-of-ages que foram grandes sucessos de público e crítica e que foram protagonizados por homens: Boyhood: da Infância à Juventude (Boyhood, 2014) e As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower, 2012). Quando penso em coming of age protagonizado por mulheres só penso no cinema de Céline Sciamma, especificamente em Garotas (Bande de Filles, 2014) e Lírios d’Água (Naissance des pieuvres, 2007). Por isso ter um filme com tamanha aceitação e que trata do tema de uma forma renovada é tão interessante e importante.
Essa obra marca a estreia de Greta Gerwig na direção após ter feito ótimos trabalhos enquanto atriz (Frances Ha, Mistress America, 20th Century Women) O equilíbrio que ela encontrou para tratar do tema é impressionante. A história em si é muito bem construída, mostrando as relações familiares, escolares e da protagonista consigo mesma de forma única. São poucos os filmes que se propõem a abarcar tantos temas e consegue encontrar a medida certa para que tudo seja bem trabalhado. A história se desenvolve aos poucos e conseguimos entender quais acontecimentos norteiam as transformações e decisões da protagonista.
Encarnada por Saoirse Ronan, Lady Bird é uma personagem que anseia por mudanças. Ela quer ter novas experiências, viver um amor, ler deitada e viver do outro lado do trilho. (Trocadilho usado por ela mesma para se referir ao local que mora como “o lado errado” do trilho) Ela é uma personagem consciente de suas atitudes e em nenhum momento é ingênua, ela é genuinamente boa. Esse papel serviu como um presente a Saoirse, que a permite trabalhar várias facetas de sua transformação pessoal. Nesse caso, não há no filme um momento chave em que a personagem muda completamente, a mudança ocorre de maneira gradual.
O restante do time de atores trabalha muito bem seus papéis coadjuvantes. Laurie Metcalf está fantástica no papel da mãe. Seu trabalho confere profundidade à personagem de forma que só alguém consciente do que faz é capaz. É incrível como conseguimos entender as motivações da personagem e como a caracterização ajuda a entender as nuances para além das falas. Destaque também para Lucas Hedges que interpreta Danny O’Neill, Timonthée Chalamet que entrega incrivelmente a postura de embuste e Beanie Feldstein que está maravilhosa no papel de Julie, melhor amiga de Lady Bird, e, do núcleo escolar, o melhor personagem.
Greta trata de um tema que lhe é familiar, ela utiliza muito de sua vivência para construir a personagem e mostra total domínio de quem entende o que é contar uma história. Lady Bird é um filme que trata das relações e dos afetos, por isso é tão fácil se identificar e gostar da história. No fundo, todos nós passamos por esse período de descobertas e mudanças e é reconfortante se ver na tela.