Eu, Tonya – Talento violentado

Dirigido por Craig Gillespie, o filme Eu, Tonya (I, Tonya, 2017) é o primeiro do diretor a receber grande destaque e está concorrendo no Oscar desse ano nas categorias melhor atriz (Margot Robbie), atriz coadjuvante (Alisson Janney) e melhor montagem. Com um corpo de atores competente e uma direção assertiva, Craig consegue jogar luz e interesse em uma personalidade que não estava tanto nas graças do público: A primeira patinadora americana a executar um Triple Axel, Tonya Harding.
A narrativa é construída através da encenação de entrevistas reais no estilo falso documentário, recurso que pode ser utilizado em comédias, em filmes como Borat: O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América (Borat: Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan, 2006) e O Que Fazemos Nas Sombras (What We Do in the Shadows, 2014), e em séries como Feud (2017 -) e The Office (2005 – 2013). Mas que também pode ser usado no terror, como por exemplo em A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999). Aqui, Gillespie usa esse recurso como alívio cômico quando a trama pesa muito e também para falar diretamente com o espectador. Os trechos utilizados são de entrevistas realizadas com: Tonya Harding (Margot), sua mãe LaVona Golden (Allison), seu ex-marido Jeff Gillooly (Sebastian Stan), seu primeiro guarda-costas, Shawn Eckhardt (Paul Water Hauser), sua primeira treinadora, Diane Rawlinson (Julianne Nicholson) e com o repórter Martin Maddox (Bobby Cannavale).
Todo esse caráter de “documentário encenado”, em paralelo com o passado, traz um ritmo muito interessante. A montagem imprime intensidade, tal qual a protagonista, e se faz presente também nos momentos de interação dos atores com o público. Essas quebras da quarta parede são muito bem utilizadas, tornando mais íntimo o convite ao espectador para que enfrente os conflitos com a personagem.
A narrativa parte de uma história mais conhecida pelo público norte-americano. Tonya Harding – patinadora profissional e campeã de patinação no gelo do reino unido e segunda colocada no campeonato mundial – participava do cenário da mídia através de suas conquistas até seu marido traçar um plano de terrorismo psicológico com uma de suas concorrentes. Seu plano sai de controle chegando a causar danos físicos e incapacitar a patinadora Nancy Kerrigan. Isso ocorreu antes das Olimpíadas de 1994.
Entretanto, Eu,Tonya trata de temas que vão além dos traços históricos nele representados. Tonya enfrenta uma infância difícil, tendo que lidar com a pobreza, o abandono do pai e as exigências da mãe dentro de uma relação totalmente tóxica e abusiva. Ao crescer ela não experimenta muitas relações saudáveis, muito por causa de sua criação e, ao chegar a se relacionar com seu futuro marido, Jeff Gillooly, ela naturaliza também a violência sofrida, afirmando que se sua mãe a batia e a amava, então seu marido a amava também. Tudo isso humaniza a protagonista. Ter acesso a todos os problemas que ela enfrentou enquanto se preparava para todas as competições nos faz desconstruir a imagem que tinha sido feita em cima dela. Reconhecemos seu papel como vítima de todo um sistema opressor em que ela sempre esteve inserida. Tonya, que cresceu em contextos violentos, machistas e de abuso psicológico, tinha como único refúgio a patinação. Ação essa que é posta em jogo a partir do momento que ela começa a ser vista como parte do esquema de atentado.
A história de Tonya é frustrante e cruel porque é real. Tudo que acontece é muito próximo do contexto de muitas mulheres que não desenvolvem consciência das violências sofridas e permanecem em um papel omisso. O filme se perde um pouco ao tentar trazer um estereótipo cômico na figura do segurança charlatão – tendo em vista que os demais personagens possuem mais seriedade em suas construções, mesmo quando tomam atitudes risíveis. Esse problema não diminui o filme, ele consegue prender e faz uma coisa muito interessante: entrega uma obra na altura de excitação do trailer. Frenético e Intenso.